Uma moradora de rua
Elísio Augusto de Medeiros e Silva
Empresário,
escritor e membro da AEILIJ
elisio@mercomix.com.br
Noite
da última quarta-feira, Av. Rio Branco, no bairro da Cidade Alta, área central
de Natal. Debaixo da marquise de uma loja, um grupo de moradores de rua se
abancava na calçada. Sobre colchonetes comidos por traças, lençóis rasgados ou
simples folhas de papelão e jornal, várias crianças, adultos e idosos se
amontoam procurando dormir, a despeito do transito pesado de veículos.
Nem
o barulho dos ônibus parece incomodar-lhes. Enquanto alguns procuram repousar,
outros consomem “crack”, ou mantém garrafas plásticas com cola de sapateiro
perto do nariz. Muitos deles tiveram suas vidas devastadas pelas drogas. Não
possuem mais família e perderam até a própria identidade.
O
lugar fresquinho nas noites de verão é terrivelmente frio e insalubre no
inverno. As caixas de papelão protegem aqueles moradores de rua dos olhares
indiscretos dos motoristas que circulam.
Uma
das moradoras dormia num canto com a filha recém-nascida – uma criança pequena,
pálida, franzina que mal chorava. E olhem que motivo para chorar não faltava,
nem faltaria durante certo tempo de sua vida.
Quando
a criança tinha fome, a mãe adolescente encolhia-se atrás de um pedaço de plástico,
tirava o minguado seio para fora, e punha a filha para mamar.
Amamentar
para ela era uma dor, pois quase não tinha leite, e, ao mesmo tempo, dava-lhe
alegria pela sensação de fazer o que a vida lhe incumbiu no dever de mãe. Seu
corpo franzino, feito de pele e ossos, quase não tinha leite para oferecer. A criança
com fome chorava. “Tão pequena e já sofrendo”, disse uma senhora que passava na
ocasião.
Para
aquela mãe, a vida sempre fora assim – fome e frio. Todas as manhãs, ela ia até
uma padaria nas proximidades, onde os funcionários davam-lhe um ou dois
pãezinhos franceses. Depois, andava pelas calçadas das ruas centrais, mendigando
de um e de outro.
Perambulava
pelo centro da cidade, com a filha no colo e uma sacolinha pendurada ao lado. Esmolava
sem cessar, apesar das inúmeras negativas. Vez ou outra recebia uma moedinha,
raramente uma nota de papel.
Juntava
as moedas e depois ia até uma das lanchonetes, onde pedia um copo de leite para
a filha. Finalmente, sentava no chão, à sombra de alguma árvore da Rua Princesa
Isabel, para dar de comer à sua filha. Às vezes, recebia uma ou outra fruta dos
vendedores ambulantes por trás da agência do Banco do Brasil.
Quando
chovia, a sua vida complicava. Procurava abrigo nas marquises das lojas, pois
não podia entrar nas galerias, sob os olhares atentos dos vigilantes.
Na
hora do almoço, apelava para restos de comida nas portas dos restaurantes. Às
vezes, até ganhava uma quentinha de alguma alma caridosa.
E
assim passava todos os dias. À noite, depois que o comércio fechava, voltava
para Av. Rio Branco – ao mesmo local – para evitar que outro morador de rua
tomasse o seu ponto de dormida. Então, tratava de catar novas caixas de papelão
para forrar o cimento frio e deitar-se com a filha.
Durante
a noite, ela quase não dormia, vigilante, para evitar ser molestada ou que
carregassem a sua filha. A vida dela era uma penitência constante, sem promessas
de melhoras.
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