quinta-feira, 27 de janeiro de 2011



Velha Ribeira
Nilson Patriota

Velha Ribeira boêmia como estás desfigurada!
Guardas ao menos, Ribeira, saudades do teu passado?
Foste elegante e formosa, e indiferente olhavas,
Do alto de teus sobrados, até onde a vista alcançava,
A embrionária cidade que aos poucos se estirava
Sobre planícies e dunas, elevações e charnecas,
Sem que ninguém a obstasse ou a mandasse estacar.

Quando passo em tuas ruas, ao final do expediente,
Sombria a tarde declina sobre desertas calçadas
Tornando ermos os pontos que os sonhos ainda guardam
Dos que seus ossos deixaram sob o piso da igreja,
Ou dos que se dissolveram em sete palmos de terra
Em macabros cemitérios a que foram destinados,
Já soterrados, porém, sob bairros, ruas e casas.

Então à memória me vêm janotas, almofadinhas.
Endinheirados que eram em seus Fords desfilavam,
E seus Pakards dirigindo, buzinando se mostravam.
Já na calada da noite, perambulando sozinho,
Agarro-me às lembranças das insones madrugadas
Aos amores alucinógenos e às alcoólicas fantasias
Vividas por dóceis mulheres e homens sentimentais.

Presenteados eram eles no auge de seus amores
Com trancelins de ouro e com broches de gravata.
A elas eram ofertados anéis de água-marinha,
Cremes, loções e extratos Lancaster e Royal Briard;
Outras marcas registradas, algumas até importadas,
Conforme seus interesses e suas disponibilidades,
Dependendo da paixão e do momento aprazado.

Houve tempo mais antigo, do qual ficou a história,
Quando dândis subnutridos e moças à melindrosa
Desfilavam na Tavares como se andassem em Paris,
E nos Champs Elysees daqui lançavam modas, ditados.
Em tuas ruas estreitas, trepidantes, animadas,
A Natal dos anos 40 tinha um encontro marcado.
E enfim nem chique nem mique para o povo conformado.

Ah, se não fosse o tempo, que nunca respeita nada,
Talvez tivesses fugido desse destino tão agro
De cansares a beleza antigamente louvada.
Talvez houvesses evitado os males que te consomem:
A maldição da velhice, a ingratidão do descaso,
O deplorável desprezo pelo brilho que tiveste
Como dama solidária nas festas de carnaval.

E quando a tarde declina sobre as desertas calçadas,
Eu deploro o teu presente de amante rejeitada
Que tanta riqueza teve e hoje não tem mais nada
Além do rosto encovado cobrindo faces rosadas.
Hoje me vejo rondando teus labirintos de sonhos
Onde a paixão se comprava com poesia ou pataca,
Por que sendo livre o amor e ao prazer se entregava.

Em requintados salões de senhoreais sobrados
Encantadoras mulheres suas bocas ofertavam,
Expondo os túmidos seios ao deleite se entregavam.
E então entre carícias, à meia-luz sussurravam,
Ternura e paixão fingindo na hora em que se doavam.
Ribeira velha de guerra, por que ficaste tão gasta?
Por que prolongas assim o teu impérvio caminho?

Sabemos que o teu amor provinha do coração,
Embora ao despertar com ele já não contássemos,
Pois conforme o hábito vigente tratava de evolar-se...
Velha Ribeira boêmia, agora já não és nada
Além de ruas desertas, calçadas desarrumadas,
Ruas feitas de silêncio, becos cheios de saudade.
Se não te ergues definhas, teu simbolismo se apaga.

Teus modos de cortesã, de dama sutil e devassa,
Resistiram a várias guerras feitas em terra, ar e mar.
Deste acolhida aos pracinhas da América luterana,
Que perderam sua inocência antes da morte encontrar
Na Alemanha nazista, na Itália de Mussolini,
Na Rússia dos bolcheviques, sem que jamais olvidassem
O teu doce encantamento, tua magia, tua alma.

Velha Ribeira boêmia, onde estão tuas mulheres?
Onde andam Francisquinha, Madame Chose, Odete,
Zara Pia, Maricele, Severina, China e Míria,
Ademilde, Maristela, Paulistinha e Onça Pintada,
Maria Rosa e Adelaide, Constância e Felicidade?
Já não as vejo na luz dos refratários ocasos
Que te escondem Ribeira, no sudário da saudade

Foto: Tárcio Fontenele
Enviado por José Hélio (antigo comerciante na Ribeira)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011


Foto de Carlos Rosso
(Luar de Cotovelo - janeiro/2011)

Diante de tão bela fotografia, colhida da sensibilidade do meu filho Carlos Rosso, procurei inspiração que estivesse à altura de sua arte. Não o consegui, ainda, daí ter preferido evocar o legendário Catullo da Paixão Cearense e dele transcrevo esse belíssimo poema:

Ontem, ao luar

Composição: música de Pedro de Alcântara(1907) e versos de Catullo da Paixão Cearense (1918), imortalizada pelo cantor Vicente Celestino



Ontem ao luar,

Nós dois em plena solidão

Tu me perguntaste o que era a dor

De uma paixão,

Nada respondi !

Calmo assim fiquei,

Mas, fitando o azul do azul do céu,

A lua azul eu te mostrei...

Mostrando a ti,

Dos olhos meus correr senti

Uma nívea lágrima,

E, assim, te respondi,

Fiquei a sorrir

Por ter o prazer de ver

A lágrima nos olhos a sofrer.

A dor da paixão, não tem explicação !

Como definir, o que só sei sentir ?

É mister sofrer para se saber !

O que no peito o coração, não quer dizer.

Pergunte ao luar travesso e tão taful

De noite a chorar na onda toda azul

Pergunta ao luar, do mar a canção,

Qual o mistério que há na cor de uma paixão.

Se tu desejas saber o que é o amor

E sentir o seu calor, o amaríssimo travor

Do seu dulçor,

Sobe um monte a beira mar, ao luar

Ouve a onda sobre a areia a lacrimar !

Ouve o silencio, a falar na solidão

Do calado coração, a penar,

E a derramar os prantos seus,

Ouve o choro perenal, a dor silente universal.

E a dor maior, que é a dor de Deus !

Se tu queres mais saber a fonte dos meus ais

Põe o ouvido aqui na rosa e a flor do coração

Ouve a inquietação da merencória pulsação

Busca saber qual a razão

Porque ele vive assim tão triste a suspirar a palpitar

Desesperação a teimar de amar um insensível coração

Qua a ninguém dirá no peito ingrato em que ele está

Mas que ao sepulcro fatalmente o levará.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011


ROSTAN MEDEIROS visita JOÃO UBALDO
Notícias recebidas do confrade do INRG, Rostan Medeiros, um dos autores do livro "Os cavaleiros dos céus", dão conta que em suas férias em Itaparica - Bahia, teve a oportunidade de visitar o imortal João Ubaldo Ribeiro ao qual presenteou exemplar do seu livro.
O que mais ressaltou Rostan foi a simplicidade do escritor. 'No meio do burburinho me comentou que adora Natal, que gostava da terra potiguar, que tudo que envolvia esta época[1920-1930] era do seu interesse e recebeu meu livro com toda satisfação. O evento ocorreu em uma biblioteca pública de Itaparica...houve apenas dois rápidos discursos. Até a representante do governador da Bahia não falou sequer três minutos e houve mais ênfase nas apresentações culturais de grupos da região de Itaparica.Havia muitos intelectuais, mas o clima era tranquilo e aberto. Bem diferente com os formalismos tacanhos que estamos acostumados a ver na nossa terra potiguar.
Foi uma boa lição."
Assim encerrou Rostan, mandando um abraço a todos, agora transmitido.

domingo, 23 de janeiro de 2011


NOVAS CARTAS DE COTOVELO 06 (23/01/2011) *

Após um período de verão outonal, o sol, contrariando os prognósticos da continuidade de chuvas intermitentes, acorda radioso neste domingo e, com ele, algumas dezenas de borboletas deixam seus casulos e esvoaçam pela manhã típica da estação.

Para mim esse astro traidor chegou tarde, pois como diz o Livro da Sabedoria - para tudo há um tempo certo e agora é tempo de voltar, de deixar o ócio, o frescor da brisa oceânica, do 'desaprontar a rede', essa nossa cama suspensa, fiel à anatomia do corpo, acompanhada do seu 'chiado', do nhém, nhém, nhém que acusa a falta de lubrificação dos armadores, assunto bem desenvolvido por Pedro Simões, quando em seu opúsculo "Caiu na Rede" faz a aplogia desse instrumento de descanso.

Despeço-me da minha varanda, parceira das manhãs sonoras do cantar dos passarinhos; abrigo das minhas leituras; lugar das minhas contemplações do infinito, da lua radiante deste final de janeiro; do silêncio reflexivo da vida e das coisas maiores; das visitas diárias dos colibrís em busca do alimento do jardim da casa.

Do cajueiro já não encontro frutos pendentes!

Nesse findar de veraneio - o mais curto que já passei - deixo marcados os ensinamentos recolhidos das leituras; as descobertas de valores, como o Paradigma Meira e Sá, obra também de Pedro Simões Neto; dos poetas que já registrei em cartas anteriores; do ensaio sociológico de Racine Santos na sua obra "Farsa do Poder", cujas bodas de prata de encenação não a tornaram ultrapassada, pois continuam a existir o Dr. Hugo, Delegados, Ferreirinhas e Tabeliães que ainda praticam a prepotência, a enganação e a farsa administrativa, embora as Malvas Rosas ou Das Dores, nem tanto.

Não descurei do deleite de tirar o sarro nas glosas fesceninas de Francisco Macedo.

Num balanço da temporada registro outros fatos verificados: o Circo da Folia foi mais manso; a Prefeitura de Parnamirim cuidou bem da limpeza pública de Cotovelo; a feirinha de Pium, sempre sortida e as mercearias e padarias atenderam à altura da demanda; o barulho teve algum controle.

Em contrário, ainda não ligaram a rede de esgôto e a poluição das águas continua pondo a população em perigo. Também não houve qualquer procedimento para resolver o alagamento existente na frente do estádio do ABC - até quandoooooo!

Lamento afirmar que o romantismo dos veraneios está de mudança, ameaçado pelos mega empreendimentos imobiliários. O bucolismo já revoou para outros espaços.

Que saudade do Recanto do Garcia, de Zé e Zélia, de Regina, das grandes noitadas como aquela com Fafá de Belém - dele restou apenas o seu antigo garçon Tarcísio (a quem chamamos de Roberto Carlos), que instalou em Pium uma distribuidora de bebidas.

Sei não! Está ficando difícil continuar em Cotovelo. Vamos esperar alguma providência em 2011 para ver se o veraneio nessa tão querida praia permitirá o prazer de uma convivência saudável e feliz, capaz de conceder moratória às canseiras e recuperar as forças para as batalhas do dia a dia no ano que começa - ou se é chegado outro tempo - o de partir de vez.

"Terminou, tudo terminou, foi final.
O nosso amor acabou,
Mas não fiquemos de mal."
(Trecho de canção que fiz no tempo de roedeira)

Será ????!!!!

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* Carlos Roberto de Miranda Gomes, escritor/veranista.