sábado, 13 de outubro de 2018




UM BRASIL DIVIDIDO
Carlos Roberto de Miranda Gomes, apenas um cidadão descrente
Pensei não ter que passar, outra vez, pelos percalços dos anos 60, quando a nação viveu dias de ódio e divisionismo entre esquerda e direita nas eleições gerais de 1960. Aqui no Rio Grande do Norte a contenda nem sequer era ideológica, mas fisiológica – destruição da unidade familiar, violência e perseguições.
Todos estavam violáveis. Então, um sopro divino nos enviou o Monsenhor Walfredo Gurgel, que saneou as finanças do Estado e curou as feridas dos contendores.
Superado o período do Estado militarista, tudo voltou como d’antes, retornou o ódio, se revigorou a corrupção, a mentira passou a ser o carro chefe da política, agora aperfeiçoado com o uso indevido da tecnologia virtual das redes de comunicação, tudo sob a fragilidade uma Justiça que não consegue superar os litígios deletérios.
Após a minha aposentadoria, joguei todo o vigor que me restava para colaborar com as instituições beneméritas e culturais, de onde nem sempre fui compreendido, recebendo a indiferença de uns, a crítica de muitos e a compreensão de poucos – tudo absolutamente sem retribuição pecuniária, enquanto os governantes, de todos os níveis, se banqueteavam na opulência e na propaganda enganosa.
E agora José? Vejo atônito o retorno da desagregação social – amigos se indispondo, famílias igualmente divididas – todos sofrendo as pressões do radicalismo partidário, mentiroso, opressor dos governantes e dos aspirantes aos governos.
Estou completamente envergonhado com as mensagens corrosivas e indisfarçavelmente desagregadoras que recebo de pessoas que tanto prezei e procurei incentivar para um futuro de esperanças.
Nem mesmo nas hostes culturais encontro a necessária sinceridade, pois o individualismo e a arrogância ainda predominam.
Desculpem-me, estou desolado, triste, decepcionado, sem forças para continuar. A única esperança que não perdi é a de que O Salvador retornará para aliviar o sofrimento do seu povo. Que seja breve – gostaria de ver esse acontecimento antes da viagem final.

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

A MINHA RUA





A PAISAGEM E O TEMPO

Valério Mesquita*
Mesquita.valerio@gmail.com

Mantenho reações conservadoras diante dos fatores imanentes e iminentes da vida. Sou devoto dos hábitos e da retórica provinciana do interior. O costume secularizado da cadeira na calçada, da brisa sedutora do fim de tarde, do grito heroico do vendedor de cuscuz e mugunzá ainda me apascenta. São crenças básicas na simplicidade da vida como perpétuo e inalienável direito de existir, misturado ao povo miúdo, posto ser melhor do que o absolutismo dos donos do palanque e da burguesia consumista e desfigurada pelo cinismo materialista. Mas fui tomado pelo fascínio de mesclar o real e o imaginário. Não exercito artificial adesão ao modismo.
Nenhum vestígio que se possa recolher da minha travessia terrena não passará da impressão de algo plástico, aéreo, estelar, humano e sobre-humano, difuso, mas cintilante, místico e mítico. No meu bairro sou donatário da capitania não hereditária. Ou seu capataz dos mistérios circundantes, como Sanderson Negreiros em Candelária e Vicente Serejo em Morro Branco. Não renegam a horizontabilidade urbana de onde extraem a alma e o sumo das verdadeiras descobertas. A minha rua em Lagoa Nova é modesta. A iluminação pública espalha no calçamento parnasiano a luz mortiça amarela, qual um abajur lilás. No céu estrelado passeio a nostalgia que vem da herança telúrica de um tempo que a memória ainda não desfez. O rio, a casa, a lua, a calçada, as aparições noturnas.
Minha angústia factual e meu desespero tipicamente social estão inseridos no contexto das doenças que as seguradoras de saúde não cobrem. Componho o universo sensível, ferido, por vezes amargo e infeliz, que abomina a marginalização dos pobres, dos velhos, das crianças, vítimas do perverso sistema econômico-social. Por isso procuro a terra habitada pelo silêncio e pela distância das coisas, porque o meu grito é cárcere concreto e real e já não se faz mais ouvido. Conforta-me que as palavras não são fugazes nem constituem perdas instantâneas. Meu canto é harmônico sem divagações nem desvios, embora as tensões e os influxos se cruzem, se choquem mas não se anulam.
Volto à minha ruazinha comum. Nela não residem poderosos. Afinal, sozinho perscruto a tolice dos seus mistérios visíveis e invisíveis. Não há muito que sonhar. Como mergulhador penetro nas ruínas da alegria de sua pobreza, sem jardins, às vezes, sem chananas, refletores ou praças. Ruas opacas, empíricas, apenas onomatopaicas. Mas, é o território dos meus vãos e desvãos. Nem fantasmas líricos e bufões aparecem. Somente vislumbro minhas relíquias imemoriais da infância e da adolescência. Restos sagrados nos olhos de quem é intimo da ilusão, eterno aprendiz de um mundo de contradições, mas também repleto de lembranças antigas e serenas. Tudo torna minha rua como a quero ver.
(*) Escritor