Modismos e redundâncias
Padre João Medeiros Filho
A pedido de leitores, volto ao tema. Está em moda citar “todos e todas”, “irmãos e irmãs” etc. Uma redundância desnecessária. A duplicidade de termos nada acrescenta à natureza ou personalidade dos indivíduos. Pelo princípio gramatical, em português, o masculino plural abrange o feminino. Por outro lado, nosso idioma pátrio não herdou a figura do gênero neutro latino. A reação equivocada de certos falantes a esse dado histórico e estrutural de nossa língua deu azo a neologismos e modismos. Por outro lado, segue-se a onda do “politicamente correto”, que invadiu discursos e falas nas últimas décadas. Seus adeptos encarregaram-se de divulgar tais ideias, tentando mudar a linguagem para minorar a exclusão social, um dos problemas não solucionados pelo poder público. E há quem se empenhe, a todo custo, para incluir a linguagem neutra. Algumas propostas de neologismos afogaram-se na própria ridicularidade. Por exemplo, chamar os carecas de “capilarmente diferenciados” é uma dessas tolices. Outras invadiram o nosso vocabulário e o modo de pensar ou falar. Por vezes, nem sequer se dão conta desse contrassenso. Por exemplo, o substantivo velhice começou a ceder espaço ao eufemismo “terceira idade”, que, em seguida, viu-se substituído por uma formulação apatetada de “melhor idade”. É inegável que alguns termos e expressões contêm carga depreciativa, laivos de racismo ou preconceito. “Quem se descuida do falar, causa a própria ruína” (Pr 13,3). De volta à questão de irmãos e irmãs, todos e todas, brasileiros e brasileiras (como José Sarney iniciava seus pronunciamentos presidenciais e programas radiofônicos), o modismo adquiriu o status de “linguagem inclusiva”. Esta reveste-se, por vezes, de uma roupagem governamental, protegendo-a e tornando seu uso corrente em várias esferas administrativas. Tais ideias conseguem penetrar na comunicação religiosa, até na liturgia sagrada. Veja-se o convite na missa: “Orate fratres.” O texto oficial latino não contém a palavra irmãs (“sorores”). Mas, foi traduzido para o português do Brasil como “Orai, irmãos e irmãs.” Tal linguagem, denominada inclusiva, reveste-se de um caráter redundante e populista. Daí, o sucesso junto a cultores dessa vertente e aos que colocam a verdadeira inclusão social apenas nas palavras e não em sérias e autênticas políticas públicas. Vale a pena encher nosso idioma de redundâncias, pleonasmos e penduricalhos? Não seria melhor combater na raiz as reais discriminações e exclusões que causam tanto dano à sociedade? Cabe lembrar ainda que essas falas, ditas de inclusão, contrariam o acordo ortográficolinguístico internacional, firmado pelos países lusófonos, do qual o Brasil é signatário, sendo obrigado a observá-lo. Como o conhecimento do latim faz falta! É preciso ter o cuidado de observar a norma culta do português, “a última flor do Lácio”, tão agredida em sua beleza. Há outro modismo fartamente usado pelos operadores do Direito e na Mídia. Trata-se do vocábulo “feminicídio”, empregado em oposição a homicídio. Este significa o assassinato de qualquer ser humano e não apenas de um varão. A palavra latina “homo” não indica a masculinidade, mas toda pessoa humana. Feminicídio trata-se de um termo impróprio. Ele indica etimológica e semanticamente a destruição do gênero feminino, e não de uma mulher. Aplicando-se a mesma regra proposta, ter-se-ia masculinicídio, morte do masculino. Consoante os lexicógrafos, matar uma fêmea é muliericídio (ou mulhericídio) e não feminicídio. Assassinar um macho é viricídio. Matar a esposa é uxoricídio, exterminar o marido é mariticídio. Feminicídio é termo inadequado para indicar o assassinato de uma mulher, apesar do enunciado da Lei 13.104, Art. 1º, VI. Entretanto, hoje é usado abundantemente, ao arrepio da gramática e linguística. Por razões ideológico-políticas, tenta-se evitar o uso do termo homicídio, que significa assassinato de uma pessoa humana de ambos os sexos. O referido étimo dispensa qualquer outra palavra, exceto se houver necessidade de tipificar o assassinato. Nestes casos usam-se os termos técnicos e científicos acima elencados. A motivação para o emprego de feminicídio não é linguístico-gramatical, e sim política, atentando-se contra o português histórico e clássico. Reza o salmista: “Livra-me e tira-me do poder daqueles cuja boca profere palavras incorretas” (Sl 144/143, 10). O profeta Isaías já advertia seus contemporâneos: “Os que te guiam podem te enganar e destruir o caminho dos teus passos.” (Is 3, 12).