sábado, 22 de julho de 2023



 CÉU INVISÍVEL


                        (Aos abandonados pelas lembranças)


um céu se esconde
atrás da janela
que não ouso abrir

um céu que desconheço
e onde não mais terei em servidão
minhas lembranças

as lembranças são pássaros presos
às margens do rio do esquecimento
e uma vez transposto o rio
não há mais repouso
vão-se as amarras
os dias cálidos
e a vida segue à deriva
enquanto um novo livro é escrito pelas parcas

sem mapas ou radar
-  além da imaginação
e da vertigem  -
espero porém que o amor lance âncoras
esteja à porta
e jamais me abandone


-  Horácio Paiva

sexta-feira, 21 de julho de 2023

 




THEREZINHA ROSSO GOMES


Hoje é um dia especial para a nossa família, pois se viva estivesse, a nossa pranteada THEREZINHA, estaria comemorando 87 anos de existência.

Nascida em Natal no dia 21 de julho de 1936, filha do casal Casaletano Rocco Rosso e Rosina Louvisi, morou a maior parte de sua vida no bairro do Barro Vermelho.

Quando para Natal em 1948, coincidentemente, fui morar à casa 118 da Rua Meira e Sá, número 120 e fui recepcionado com o olhar cativante da italianinha da rua, o que permitiu logo uma amizade de vizinho, depois colega, namorico, namoro, noivado e casamento, um lapso temporal de 71 anos, que foi interrompido no dia 31 de março de 2019.

Já contei várias vezes a doçura dessa criatura e a fidelidade que nos manteve fiéis tantos anos.

A velhice nunca foi empecilho para nossa vida social, o que hoje mantenho em todos os encantos por onde passo, nas festas das academias, nos lugares lúdicos onde vivemos tantos anos, fazendo-me um cativo de boas lembranças e de uma saudade imorredoura.

Nesta data seria um desses encontros, pois a Academia Norte-riograndense de Letras está em festas, oportunidade em que lá estarão muitas das suas amigas de sempre.

Sempre rogo a Deus que guarde o seu espírito em lugar especial, pois mais do que isso essa mulher notável fortaleceu a sua vida com atos humanitários e correção irrepreensível.

Um beijo para minha querida companheira. Logo estaremos juntos.


 

  • GALERIA DE EXCÊNTRICOS
    vida deve ser vivida em todas as suas variedades. Esse pensamento do alagoano Calixtrato Barroso me fez refletir sobre alguns tipos que conheci ao longo de minha vida. Pessoas de comportamentos díspares, personalismos, individualistas e esquisitos. Pelópidas Lourenço, por exemplo, é um burocrata
    pragmático e fiel ao trabalho. Tem pavor a inércia, ao feriado, ao ponto facultativo. Pragueja contra os agentes públicos que enforcam as sexta-feiras. Feriar dia santificado, segundo ele, é encher as praias de parasitas do dinheiro oficial. “É uma irresponsabilidade digna de uma denúncia do Ministério Público ou de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Mas, o pior é que todos gostam dessa lambança, e aí não acontece nada”, comenta. Houve uma época em que ele estava atacadíssimo. Parava em frente a supermercado, farmácia, armazém, mercearia para aplaudir de pé o estabelecimento comercial aberto e proferir palavras de ordem contra o governo.
    Outro personagem interessante é o mossoroense Porfírio Louzada, leitor assíduo de jornais, principalmente da crônica social. Gosta de fazer recortes após pontuar o número de vezes que socialites são citados ou fotografados. “As suas estatísticas”, conforme Flodoaldo Aires, seu amigo do antigo Café São Luís, “são alarmantes”. Acha que “o espaço estipendiado é mais para biografar a vaidade dos pífios inquilinos do que para noticiar fatos ou pessoas do interesse geral”.
    Ubenildo Trajano, católico fervoroso, pregava contra aspectos das reformas do governo Lula. Rezava todos os dias para a queda dos juros bancários e a morte do agiota mais próximo. Aposentado pela rede ferroviária federal sabe que o trem da taxação vai passar por cima dele. Confessava-se decepcionado com os deputados e senadores com os quais votou. Na missa de domingo passado, afirmou na calçada da igreja antes de comungar que “o Congresso que se diz fera vai ser domado como sempre pelo Planalto. Deputado nunca resistiu ao gesto obsceno e aos afrodisíacos do governo. Não acreditem nos governos messiânicos”, ainda soprou dentro da sacristia.
    Revolvendo uns papéis antigos, deparei-me com um bilhete de Eleutério Pacheco, de quando residia no bairro do Tirol. Fotógrafo amador passava o tempo retratando fatos da rotina cotidiana através de sua velha máquina Rolly Flex. Mudou-se para Macau e nunca mais o vi. Tem um considerável acervo fotográfico de homens e mulheres conduzindo seus cachorrinhos pelas ruas de Tirol e Petrópolis. Todos os seus instantâneos flagram o cidadão ou cidadã de pé, esperando o seu animalzinho concluir o seu matinal ato defecatório. “É pungente”, dizia no bilhete, “o ridículo dessa granfinagem”. Gostava de associar as imagens do homem ao cãozinho. Temporalmente achava que a “vida consumista é feita mesmo de fases e de fezes”.
    O mais excêntrico e amargo membro dessa galeria é Benedito Fragoso Teles, vulgo Fedegoso pelo seu espírito ressentido e depressivo. Repete sempre o escritor Graham Greene: “A vida é um caso liquidado”. “O ser humano”, prega Fedegoso, “é sujo. Todos os seus órgãos são putrefatos: o intestino, o ânus, a boca, o escarro, os ouvidos, os olhos, o nariz, as genitálias, o chulé , a sovaqueira, tudo expele nojenteza, mau cheiro. Quando morre apodrece. Ou quando vivo, do ponto de vista caracterológico, a grande maioria é pérfida, solerte, ingrata, criminosa, falsa, pecadora, traidora, predadora, invejosa, etc., etc.”. Não convidem Fedegoso para um papo. É uma figura negativa. Ou não?


quarta-feira, 19 de julho de 2023

 A chaga do preconceito 

Padre João Medeiros Filho 

Segundo Albert Einstein, “é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.” Este consiste na opinião formada sobre algo ou alguém, antes de conhecer o objeto do juízo, sem fundamento lógico. Cristo testemunhou diversos tipos de posturas preconceituosas. Os Evangelhos e Atos dos Apóstolos relatam a diferença de tratamento dispensado aos seguidores do Mestre por parte de seus contemporâneos, pertencentes a movimentos religiosos. Antes de Jesus, já existia uma animosidade entre judeus e samaritanos (cf.João 4, 9). Os fariseus, escribas e hipócritas menosprezavam os discípulos do Senhor (cf. Mt 12, 3- 6). Ele mesmo era desdenhado. “Ora, não é Ele o filho do carpinteiro?” (Mt 13, 55). Contra essa forma de relacionamento se insurgiu o apóstolo Paulo: “Não há maisjudeu nem grego..., escravo nem livre, todos são iguais em Jesus Cristo (Gl 3, 28). O preconceito fica abscôndito nos porões da política e ciência, das etnias, culturas religiões etc. Em suas diferentes manifestações, leva ao desconhecimento da riqueza latente no outro. Ninguém é capaz de se renovar e aperfeiçoar sem diálogo e escuta serena do próximo. Não raro, a mídia denuncia condutas e situações, acentuadamente desiguais. Entretanto, tais iniciativas costumam ser seletivas, revestidas de carga ideológica e despidas do verdadeiro sentimento humanista. Providências legais e de cidadania acabam sendo diluídas, ignoradas e esquecidas. Urge construir uma base sólida de humanismo, capaz de promover a adequada compreensão e o respeito ao semelhante. Assim, pode-se tocar no coração de cada indivíduo, a partir de um amplo processo educativo. Não se muda uma mentalidade apenas por leis e decretos. É preciso atingir o âmago da alma, convencendo de que somos feitos do mesmo barro. O Livro dos Provérbios já lembrava: “O rico e o pobre têm algo em comum: o Senhor é o criador de ambos” (Pv 22, 2). O cristianismo poderá oferecer fundamentos essenciais de humanidade. O Sermão da Montanha contém uma interpelação sempre atual, conclamando contra as ofensas ao semelhante. Jesus orienta a não faltar com o respeito devido à dignidade da pessoa. Mas, por fragilidade emocional,soberba e apego às próprias convicções, o ser humano despreza as lições do Evangelho. Esquece o que ali se ensina: “Tudo, pois, quanto quereis que os outros vos façam, fazei, vós também a eles” (Mt 7, 12). O ser humano deve revestir-se de uma espiritualidade marcada de solidariedade e busca interior. “Só se vê bem com o coração”, afirmava Exupéry. O preconceito nasce da visão negativa e presunçosa sobre pessoas, situações e instituições. O cristianismo é luz, podendo contribuir para debelar atitudes intolerantes. Traz um conjunto de indicações que, se devidamente acolhidas, poderão mudarsentimentos perversos. É salutar a recomendação do apóstolo Paulo: “Não te deixes vencer pelo mal, vence antes o mal com o bem” (Rm 12, 21). Trata-se de um princípio basilar para neutralizar palavras e gestos discriminatórios. A orientação paulina abre um fecundo itinerário para enfrentar concepções e visões distorcidas. Assim, ao invés de excluir e marginalizar, priorizam-se o bem-estar e a paz do semelhante, mormente daqueles que carregam o peso da rejeição. Os postulados cristãos têm força para romper o círculo vicioso que aprisiona a sociedade em uma convivência ilusória, injusta e com dinâmicas excludentes. Na visão do cristianismo, o preconceito é diabólico teologicamente. Segundo os exegetas, o diabo é tudo aquilo que divide e exclui. Os gestos de aversão serão vencidos com o amor fraterno, como antídoto para discriminações de diferentes matizes. A lógica cristã não pode ser emaranhada e engolida por relativizações. Assim, a mensagem de Cristo cumprirá seu papel profético, capaz de levar a sociedade a mudanças. É fundamental assimilar os ensinamentos éticos e bíblicos, capazes de inspirar a renovação do tecido sociopolítico do Brasil, permitindo ao país livrar-se de uma convivência eivada de divisões e radicalismo. O preconceito é fruto da arrogância, já presente em Eva e Adão, sequiosos de superioridade. O apóstolo Pedro definiu a visão cristã: “Deus não faz distinção de pessoas. Ao contrário, aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10, 34).

,

 

ARTÊRA EDITORA (PR) convida

LANÇAMENTOS de DOIS LIVROS de DIOGENES da CUNHA LIMA


PABLO NERUDA – UMA ENTREVISTA IMAGINADA

prefácio de Nouraide Queiroz

posfácio de Antonio Nahud


Ler Neruda é ouvir o universo em seus segredos. Compreendê-lo, a ponto de fazer ecoar o seu canto, é privilégio dos poetas que trazem n´alma a amplitude e o saber de todos os sons. Diogenes da Cunha Lima, um poeta de sensível e rica originalidade, depois de responder perguntas de Neruda em “O Livro das Respostas”, surge com uma entrevista imaginária inesperada e desconcertante, resultando em um encontro lírico. A poesia hermética e complexa de Neruda dialoga, humana, com a poesia sensível de “Os Pássaros da Memória” (1994). Chile e Brasil merecem um encontro desses, um poema-livro, cósmico como um verso de Neruda, musical como um de Diogenes.


O LIVRO das RESPOSTAS

(em face do “Libro de las Preguntas”, de Pablo Neruda)” (3ª edição)

prefácio de Edson Nery da Fonseca


De grande criatividade poética, Diogenes da Cunha Lima, instigado pelo escritor Veríssimo de Melo, aceitou o desafio de responder perguntas feitas pelo poeta chileno Pablo Neruda em sua obra “O Libro de las Preguntas”. Para estar mais perto do poeta e mais rico de aventura, antes foi ao Chile. Mais perto das raízes do vento, do canto geral, das doces palavras como ameixas na boca da amada. Sentindo o pulsar da ilha negra, a poesia de Diogenes não só responde à significação da poesia de Neruda, como avança igual seta de luz, no tempo e no espaço, dignificando a palavra e contribuindo para a permanência do mito.



Data: 20 de julho de 2023 (quinta-feira), às 17h

Local: Baobá do Poeta

Endereço: Rua São José – Lagoa Nova

Natal, Rio Grande do Norte

 Santos e festas do mês de junho 

Daladier Pessoa Cunha Lima Reitor do UNI-RN 

Retorno a uma crônica afim, e com o mesmo título, que publiquei em 2010. As festas juninas remetem-nos para velhos tempos, acalentam lembranças da infância, fazem recordar fatos e encantos do passado. Evocam-se santos alegres, festeiros, ligados a crendices e superstições, com forte apelo popular e que vão além da convicção religiosa. Quem fica indiferente a uma rua embandeirada, ao colorido das roupas das quadrilhas, ao ritmo do baião e do forró, à visão ou ao cheiro das canjicas, das pamonhas, dos bolos e do milho assado? Menino do interior, tive a sorte de passar várias festas juninas nas fazendas Riacho e Favela, terras do meu avô materno, seu Chiquinho, em São José de Campestre. Noites alegres, inesquecíveis, rojões, busca-pés, traques, e estrelinhas; muita comida de milho, sanfona e pandeiro, tudo e todos ao redor de enorme fogueira. A família reunida e meu avô no comando, pois era o mais animado do grupo. Com requinte, sabia puxar quadrilha, quando não faltavam palavras de ordem com timbre francês: balancê, anavantur, anarriê, travessê, e por aí seguia. Lembro que um jovem vaqueiro da fazenda Riacho convidou- me para ser seu compadre de fogueira. Sobre dois tições em brasas, feito uma cruz, o aperto de mãos selava o compromisso, ao se repetir quatro vezes, mudando de lugar: “São João disse, São Pedro confirmou, que nós fôssemos compadres, que Jesus Cristo mandou.” O vaqueiro Chico Borges, que depois se transformou em dono de parte da fazenda, levou a sério aquele contrato e, ao longo do tempo, fomos compadres de verdade, nas saudações e na amizade. Chico Borges morreu ainda moço, por doença cruel e rápida. Seu compadre de fogueira, mesmo já formado médico, tentou ajudar, mas nada pôde fazer. A devoção popular atribui a Santo Antonio a graça de operar milagres, para atender suspiros e preces de moças à procura de um noivo. Tenho uma amiga, já com muitos natais, que ainda não perdeu a esperança, pois o seu Santo querido “tarda mas não falta”. Muitas dessas crenças e crendices vieram com os portugueses para o Brasil, conforme estudos de Câmara Cascudo e de outros folcloristas. Antônio nasceu em Lisboa e, em vários lugares, é mais conhecido como Santo Antônio de Lisboa. O Santo morreu aos 36 anos, na Itália, perto da cidade de Pádua, e, assim, é também conhecido como Santo Antônio de Pádua. É representado por um monge franciscano, levando um menino no braço esquerdo e um lírio, símbolo da pureza, na mão direta. Em virtude de tantos milagres em vida, sua canonização ocorreu menos de um ano depois da morte. Uma curiosidade: o Padre Antônio Vieira era devoto de Santo Antônio. São João é o mais festeiro dos três. Não é à toa que a fogueira vincula-se ao seu dia, 24 de junho, quando Isabel fez queimar a lenha para avisar à prima Maria o nascimento de João Batista. E São Pedro, pescador da Galileia e protetor das viúvas? Não precisa dizer nada, basta relembrar que ele tem nas mãos as chaves do céu.