UMA GRANDE DAMA
Lúcia Helena Pereira (*)
Cada um de nós guarda no coração
e na memória, os seus mitos interiores, suas paixões, seus afetos, suas
lembranças diletas. E eu não sou diferente.
Em criança elegi esses mitos,
como a simbologia de tudo que mais amei, admirei e preservei.
Tive a minha avó paterna -
Madalena Antunes-, a única que conheci e tanto admirei e de quem guardo as
lições impecíveis que nenhuma circunstância apaga. Quando se encantou, Deus
emprestou-me outra avó - Maria Olívia de Vasconcelos Dutra, mãe de Mariazinha,
esposa de um oficial da Marinha. Tive o meu avô paterno de quem pouco me
lembro, mas, acima dele, papai do céu me deu o vovô Maiorana (imigrante
italiano}, dono da Casa Vesúvio, na rua João Pessoa, que teve verdadeiro amor
por mim.
Tive tios maravilhosos, primos do
mais dócil afeto, e, assim, a vida me mimoseou com essas felicidades. Sempre
irreverente, fugi dos preconceitos de só amar os familiares maternos. Aboli
isso de minha vida e fiz minhas escolhas, passando a admirar os meus eleitos.
MINHA TIA - ODETTE RIBEIRO
PEREIRA
Ela nasceu em São José de
Mipibi/RN e ainda criança perdeu seus pais, ficando sob a tutela dos tios: Gal.
Jacinto Carrilho e Zulmira Ribeiro Dantas, morando com eles na vila militar em
Realengo/RJ, depois, em Grajaú/SP. Seguindo o curso do seu destino, veio morar
com o irmão mais velho - Antonio Basílio Dantas Ribeiro, em Ceará-Mirim/RN.
Nesse ínterim conheceu aquele por quem se enamorou - Ruy Antunes Pereira -,
casando-se aos 28 anos. Tiveram cinco filhos: Olavo Ruy, Adelmo e Maria, que
foram a óbito, ainda pequeninos, ficando, Ruyzinho e Denise.
A minha tia Odette tinha muitos
dotes: tocava piano divinamente, fazia doces saborosos, escrevia singelos
versos e era mestre na arte de fazer pãezinhos, cuja receita levou com ela. Era
exímia costureira. Fazia lindos trajes para a filha Denise, sobretudo em época
de veraneio na praia de
Muriú, confeccionando vestidos,
blusas e shorts para a filha amada. Era uma pessoa alegre e virtuosa. Durante
os veraneios costumava formar grupos de sua amizade, para um bom carteado.
Ao longo do tempo, era admirável
observar a sua bela vaidade: sempre bem vestida, usando saltos altos, jóias,
sem descartar, jamais, os perfumes franceses, tendo, como predileto, “Fleur de
Rocaille”. E era, acima de tudo, uma pessoa muito simples e de fácil
convivência.
Teve três irmãos: Antônio
Basílio, Inácio José Ribeiro e Jair Dantas Ribeiro, seu mais especial irmão e
amigo, ex- ministro da guerra no governo de João Goulart.
Usou sempre do melhor carinho com
os sobrinhos, os quais, retribuíam com amizade e afeição.
Guardo da minha tia, acima de
tudo, a sua elegância moral e física. Uma mulher dotada de princípios honestos,
jamais se perdendo nesses caminhos. Nunca se queixava de nada e tinha, em
especial, a arte de sublimar as intempéries da vida. Estava sempre cheia de
alegria. Sua casa, na avenida Deodoro, tinha a sua própria personalidade, a
contar pelo jardim com os jarros abundantes dos mais belos espécimes vegetais.
E ali ela recebia parentes e amigos, para lanches deliciosos, numa casa
confortável e bem cuidada.
Tio Ruy, que adorava ler e
escrever, ficava no andar de cima, nas horas dessas tertúlias da esposa
Detinha, (como a chamava carinhosamente) onde ele tinha sua escrivaninha e
instrumentos para os seus momentos epistolares.
Quando me casei e nasceu o meu
primogênito - ABEL - tio Ruy e tia Odette foram visitá-lo e levaram lindos
presentes. Mas tio Ruy logo reclamou: ”ora, filha, o nome dele devia ser Abel
Neto, uma homenagem a Bebé” (Abel Antunes Pereira, meu pai e irmão dele). Mas
expliquei-lhe que meu marido não quis perder seu sobrenome.
Adorava as visitas de tia Odete à
minha casa no Condomínio Jardim Nova Dimensão. Tínhamos as afinidades maiores
do coração, e era um verdadeiro deleite ouvi-la falar na bondade do meu pai e
na grandeza como mamãe nos educou. Geralmente ela chegava às 15:30, com o
motorista - Sr. José - e saía às 17:30. Jamais faltou um bom assunto, ela era
um rio sempre cheio. E eu vibrava ao vê-la descrever os vestidos de sua época,
os bailes, as marrafas de marfim que as mulheres usavam nos cabelos, as
músicas, os leques madrilenos, as luvas de seda, e as grandes valsas que me
levavam a imaginar la belle époque de la France...
Adorava os filhos: Ruy Pereira
Júnior e Denise Pereira Gaspar, o genro Arnaldo Neto Gaspar, a nora e os netos,
aos quais se referia com o olhar iluminado: “Ah! Lucinha, serão eles a
continuarem nossas vidas”...
Não me lembro de alguma vez ter
visto a minha tia triste. O sorriso estava tatuado em seus lábios, além de
gostar de brincar com as coisas que ela achava engraçadas. Ela foi uma pessoa
especial em minha vida, dela guardo o sentimento especial do amor que não
conhece limitações e aumenta, à medida em que os anos vão passando, como se
fosse uma caravana de ideais, num deserto iluminado.
E, diga-se, ela foi, acima de
tudo, uma grande dama!
Gostei de fazer essas
consignações por um motivo bem simples: a saudade, que é a riqueza do
sentimento humano. Em vez de lágrimas, a música da poesia, como a canção de uma
ave que passa por nós, no mistério das coisas impressentidas, que são a maneira
de Deus escrever versos que acabam em poesia.
(*) Escritora