A PRAIA DA PIPA E O LAMBE-LAMBE
PORTENHO
Ormuz Barbalho Simonetti
A
Pipa é aquela praia aonde tudo acontece. Chego mesmo a afirmar que ela tem
poderes místicos de atrair coisas que
vagam pela terra ou pelo mar, e um belo dia, inexplicavelmente, encalha em suas
areias.
Hippies de todos
os “espécimes”, excêntricos para todos os gostos, artistas, profissionais
diversos, desocupados e pessoas que por vários motivos desejam permanecer no
anonimato, têm encontrado nessa boa e acolhedora praia, o lugar ideal. A deficiência
no policiamento, aliado ao grande número de andarilhos que anoitecem e não
amanhecem, fazem da Pipa o paraíso dessa gente.
Mesmo na baixa estação, é grande o
fluxo de pessoas advindas de Natal e João Pessoa que chegam, principalmente,
para se deliciarem de sua diversificada gastronomia, de padrão internacional,
ou mesmo, curtirem a noite da Pipa, com seus bares e boates para todos os
gostos. Por conta dessa grande quantidade de flutuantes anônimos é que não raro, bandidos procurados pela
justiça, escolhem este paraíso para se refugiar, naturalmente, desfrutando de
certa tranquilidade. Aqui, além de contar com a costumeira acolhida
nordestinamente pipeira, contam também o completo anonimato.
Na semana
passada, estava no alpendre de minha casa com alguns amigos, quando divisei ao
longe, a imagem ainda difusa, de uma figura que logo me remeteu a década de 60.
À medida que se aproximava, um turbilhão de lembranças misturava aquela excêntrica
criatura as antigas ruas e praças de Natal da minha infância e adolescência.
Caminhava vagarosamente pelas areias da
praia, como se procurasse algo. Ao chegar mais perto pude enxergá-lo melhor. Tratava-se
de um lambe-lambe! Carregava no ombro, com o tripé voltado para frente, aquele
surrado caixote onde de um lado se encaixa um conjunto de lentes esquisitas, e
do outro, um pano preto cobrindo toda a extremidade do caixote.
Lembranças de minha infância chegavam
com uma nitidez impressionante. Dos passeios na Praça Pedro Velho quando
podíamos encontrar os fotógrafos da época, munidos com suas modernas rolleiflex
como também os lambe-lambe que pacientemente, sentados em tamboretes em baixo
dos fícus benjamina, aguardavam os clientes. Também era comum encontrá-los no Quitandinha no bairro do Alecrim e na Av. Rio Branco em frente ao
antigo Mercado da Cidade, onde atualmente funciona a Agência do Banco do
Brasil.
Na Ribeira faziam ponto em frente a
CR – Circunscrição do Serviço Militar - aonde recrutas chegando principalmente
do interior de estado, se aglomeravam desejosos para se alistarem nas fileiras
das forças armadas, ou “assentar praça”, como costumava definir os que residiam
no interior do Estado. E esses candidatos a praças,
normalmente se valiam dos serviços do lambe-lambe, bem mais em conta que os
fotógrafos convencionais e com a vantagem de receber a fotografia em poucos minutos.
Não pude deixar
passar aquela oportunidade de registrar tão curiosa figura. Invertendo os
papeis, solicitei ao retratista permissão para fotografá-lo junto com sua
câmara lambe-lambe.
Percebendo seu
sotaque portenho perguntei a cidade onde nascera. Disse chamar-se Daniel Doval
e que havia nascido no ano de 1961 na província de Entre Rios ao norte de
Buenos Aires. Revelou que nunca gostou
de trabalhar em estúdio e sempre foi fotógrafo de rua, com predileção em
fotografar turistas. Começou sua carreira profissional tirando fotos pelas ruas
e avenidas de Buenos Aires principalmente no bairro de San Telmo onde morava. Conversa
vai, conversa vem, foi-me contada um pouco de sua história de vida.
Certo dia resolveu mudar o estilo e arriscou
atrair os pretensos clientes nas fotos de “minuteira” como é conhecido nosso
lambe-lambe na Argentina e aí já se vão quinze anos. A denominação vem, desde que
foi criado no século XIX, pois as fotos eram reveladas em minutos. Já a denominação
de lambe-lambe faz alusão ao fato do profissional lamber a foto após o processo
de lavagem, identificando a qualidade da revelação, quanto à eliminação dos
sais. Se a fixação tiver sido completa, os sais doces solúveis
serão eliminados facilmente na lavagem da foto. Esse processo tornará o tempo
de vida útil da fotografia indeterminado.
Caso contrário, os sais amargos, insolúveis, bem como os de sabor
metálico não poderão ser eliminados. Neste caso, a vida da fotografia estará
seriamente comprometida.
Nas
ruas de Buenos Aires trabalhando com a “minuteira”, percebeu que a grande
maioria dos seus clientes era composta por brasileiros em passeio turistico àquele
pais. Então pensou: “se aqui está dando certo, lá será muito melhor”! Não teve
dúvidas: botou a viola no saco,
deixou para trás três esposas, quatro
filhos e rumou para o Brasil.
Em
2009 chegou em Paraty no Rio de Janeiro, onde trabalho por dois anos. Com
espirito de giramundo parte para a região nordeste e vai oferecer seus serviços
profissionais em Olinda-Pe, cidade turístia que muito ouvira falar quando ainda
morava na Argentina. Naquelas ruas entre um instantâneo
e outro, soube da praia da Pipa. Dias
atrás desembrcou em nossa praia e se descobriu, segundo ele, num verdadeiro paraíso.
E a exemplo de vários outros que aqui chegaram, também demonstrou grande desejo
de fixar residência.
No dia
seguinte ainda o vi vagando por entres as barracas na beira da praia com sua
“minuteira” descansando em cima do ombro, atraindo a atenção dos turistas. De
quando em vez atendia a solicitação de um freguês que desejava registrar à moda
antiga e em preto e branco aquele momento de descontração. Depois disso, não
tive mais notícias do “Don Ruan” argentino. É bem possível que tenha retornado ao
seu país, afinal quando partiu deixou para trás, quatro hijos e três mujeres loucamente apaixonadas.
__________________________Fonte fotográfica: Blog Genealogia e História, de Ormuz Simonetti
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