quarta-feira, 22 de setembro de 2021

 

PROCESSO ELEITORAL PERVERSO

Valério Mesquita*

Msquita.valerio@gmail.com

Jesus Cristo, o amado mestre, falava através de parábolas. O ser humano comum, quando muitas vezes quer dizer uma verdade, escreve por linhas tortas. Esse preâmbulo indefectível vem esbarrar num assunto que desejo abordá-lo via deduções preterintencionais, comparativamente a uma bula medicamentosa. Repleta de disse-me-disse. Falo do famigerado coeficiente eleitoral, a mais afiada faca de dois gumes do processo eleitoral brasileiro. Modelo injusto e antidemocrático, que eleva ao podium o lanterninha em detrimento do mais votado. O resultado, muitas vezes, de uma eleição, não reflete a manifestação da maioria, princípio fundamental de qualquer processo decisório.

O escorre das votações ou proclamação de resultados, em qualquer atividade institucional ou não, baseia-se na lógica numeral dos sufrágios. Nos plenários do Legislativo, do Judiciário, dos Tribunais de modo geral, no placar das competições esportivas, no Vaticano, no sindicato, na OAB, no ABC, no grêmio escolar, enfim, em qualquer seguimento coletivo, a expressão dos mais sufragados - é a respeitada. Até a lei de Gerson é a da vantagem. Somente o processo eleitoral brasileiro é liquidificado, diluído, triturado, para inverter e subverter a escolha popular que deu três mil votos a um candidato mas o que se elege é aquele dos quinhentos. Acho perverso esse sistema. A maioria dos pequenos partidos que abunda o elenco eleitoral é useira e vezeira na prática de registrar candidatos fajutos apenas com o intuito de alimentar a legenda.

O coeficiente eleitoral, assim, é semelhante a bula medicamentosa. Esta tem efeitos colaterais pois ofende a todo organismo da eleição. Elege quem não devia. Retira do eleitor a primazia de escolher o melhor, retirando do túmulo do processo o opaco e o onomatopaico. Envia para a casa do povo o que não deve ir – o lôgro. Verifique o resultado das urnas, à luz mortiça das reações adversas que o coeficiente eleitoral tem provocado nos legislativos de modo geral só para atender ao cálculo equivocado que premia o caricato partido político e derruba o valor pessoal, humano e majoritário do candidato. Ainda dentro da posologia sobre o assunto as minhas precauções residem no fato de entender que o homem deve ficar acima da agremiação. A proliferação das legendas tem trazido mais problemas para a democracia do que o político solitário. Afinal, o mensalão e outros escândalos foram obras da proliferação de partidos, de legendas.

A superdosagem de corticóide no coeficiente eleitoral mascara o exercício da democracia. Além de alarmante, a sua aplicação penaliza, deturpa a face das urnas, a liquidez da escolha, a lisura da lei. Vamos construir um Brasil eleitor. Respeitando o direito da maioria do povo e não o artifício matemático, algébrico, trigonométrico do computador eleitoral. O voto é algo numeral e ordinal. Sentar na cadeira do eleito o menos votado é invenção escabrosa. É gambiarra, “morcego” e tapeação. Voto é maioria e não medicamento controlado e manipulado. Tarja preta para o coeficiente eleitoral! Aceito tudo o que for eletrônico numa eleição menos o coeficiente digitalizado porque nega o direito da maioria.

(*) Escritor

 

terça-feira, 21 de setembro de 2021

 

Duas cabeças da justiça
Embora seja sua face mais brilhante, no que toca à presença do direito, não é só de Franz Kafka (1883-1924) e do seu “O processo” (1925) que é feita a literatura em língua alemã. Outros rostos devem ser iluminados, como o de Jakob Wassermann (1873-1934), em especial pelo seu romance “O Processo Maurizius” (1928).
Jakob Wassermann nasceu em Fürth, cidade industrial próxima de Nuremberg, na Alemanha. Era filho de modestos comerciantes judeus. Abandonou o comércio e foi viver sua juventude aventureiramente. Começou a escrever artigos, contos e pequenas novelas. Era um democrata. Como judeu, sofreu bastante com o antissemitismo da época. Com o nazismo, foi para o exílio, sendo também destituído de sua cadeira na então Academia Prussiana de Letras. Faleceu em Alt-Aussee, na Áustria.
Wassermann é considerado um representante maior da ficção psicológica. Seu primeiro romance foi “Os Judeus de Zindorf”, de 1897, no qual ele trata da história judaica na Alemanha, o que vem, claro, a ser uma temática comum nos seus primeiros textos. Mas é sobretudo uma “segunda fase” na carreira literária de Wassermann que nos interessa, esta focada na relatividade e nos problemas da Justiça. Começa com “Caspar Hauser ou A Preguiça do Coração”, de 1900. E “Christian Wahnschaffe”, de 1918, obra já à moda de Dostoiévski (1821-1881), coloca seu nome definitivamente nos círculos intelectuais de então.
É dessa segunda fase, já em 1928, a sua obra-prima “O Processo Maurizius”, que, em síntese, cuida da estória de um erro judicial e do empenho de um jovem idealista (Etzel Andergast) para libertar o homem (um tal Otto Leonardo Maurizius, que dá título à obra) condenado injustamente, há quase duas décadas, à pena de prisão perpétua, pelo seu próprio pai (o íntegro promotor/magistrado Wolf Andergast). O jovem Etzel não admite o contraditório. Ele quer a justiça perfeita (e ela existe?) em lugar da justiça possível. E, sobretudo, sua luta padece de uma ilegitimidade original: sua motivação principal não é fazer justiça, mas se vingar do pai, a quem atribui os males do mundo, inclusive os padecimentos da mãe adúltera.
Para o direito, “O Processo Maurizius” é interessante por incontáveis aspectos.
De logo, segundo registra a minha edição do dito cujo (Abril Cultural, 1982), “o romance constitui um soberbo retrato da época da República de Weimar”, e sabemos nós a importância dessa república na história do direito, sobretudo pela sua célebre Constituição, tida pioneira na previsão dos direitos fundamentais sociais e cujo legado acabou se espalhando mundo afora.
Ademais, é obra inspirada por um grande senso ético e de Justiça (perfeita ou imperfeita). Como anota Otto Maria Carpeaux (1900-1978), em “A história concisa da literatura alemã” (Faro Editorial, 2013), trata-se de “um romance deliberadamente tendencioso, ético, como o são de tendência ética todos os grandes romances da literatura universal”. E mais: “Der Fall Mauritius [seu título no original] precede por pouco a ruína da sociedade alemã pelo nazismo”.
Não obstante as nuanças da trama, sobretudo as motivações e intransigências das personagens, “O Processo Maurizius” deve ainda ser interpretado como uma advertência – e mais do que isso, como um libelo – contra o erro judiciário, que é tão desprezado por um certo grupo de pessoas, sejam juristas ou só idiotas da aldeia, que passam a vida ruminando ódio. Erro judicial, proposital ou não, isso não importa, devemos repeli-lo, já que ninguém – ninguém mesmo – deve ser condenado, assim privado de sua liberdade, ainda mais levado à morte (da qual, que eu saiba, não há volta), injustamente.
Por fim, de interesse mais geral, temos os aspectos geracionais e os motivos psicológicos que condicionam a trama/processo, condições que o autor conhecia e fabulava tão bem. Duas mentalidades. Duas motivações. Duas faces da Justiça? Dois direitos? E tudo forjado por um drama familiar na forma de diversos conflitos. Mas isso aí já lembra outro grande russo, Tolstói (1828-1910), e a sua Ana Karênina (1877): “Todas as famílias felizes são iguais, mas as infelizes o são cada uma à sua maneira”.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
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O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa

Padre João Medeiros Filho

Há algumas semanas, foi lançada a sexta edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa – VOLP, atualizando as palavras do idioma nacional e sua grafia, somando agora 382 mil verbetes. A publicação anterior – que data de 2009 – voltava-se especialmente para a escrita correta das palavras, em obediência ao Acordo Ortográfico Internacional, firmado pelas nações integrantes da comunidade de língua portuguesa. A atualização revela a dinâmica do vernáculo e a inclusão de neologismos úteis aos lusófonos brasileiros. Demonstra o zelo da Academia Brasileira de Letras – ABL, como guardiã da língua pátria. Houve acréscimo de mais de mil novos vocábulos ao português que falamos e escrevemos. Desde a quinta edição, a equipe do filólogo Evanildo Bechara – coordenador da Comissão de Lexicologia e Lexicografia da ABL, responsável pela redação do trabalho – vinha se dedicando a reunir novos termos (e significados), colhidos em textos científicos, literários e jornalísticos. Houve também sugestões enviadas por linguistas. Não basta o surgimento de uma palavra para que ela seja automática e oficialmente incorporada ao VOLP. Para tanto, necessita ganhar consistência linguística, bem como ser compreendida e largamente usada.

Vários termos adicionados ao Vocabulário dizem respeito à Covid-19. Inegavelmente, a pandemia mudou a vida de muitos brasileiros, inclusive no emprego cotidiano de expressões. Além de palavras técnicas, geradas em decorrência do Sars-Cov-2, foram adicionados estrangeirismos, como “home office”, “lockdown” etc. De acordo com o professor Bechara, “nos últimos anos houve uma aproximação dos países, não só em termos políticos, sociais e econômicos, mas também por conta da pandemia.” Tal proximidade abriu a porta para o acréscimo de vocábulos, oriundos de vários idiomas, especialmente do inglês. Verifica-se o caso de “necropolítica” e “necropoder”, expressões cunhadas pelo filósofo camaronês Achille Mbembe.

O momento político vivido pelo Brasil gerou para o nosso idioma novas acepções de vocábulos, tais como: negacionismo, terraplanice, lacração, pós-verdade, invertida etc. Das pautas ideológicas – alheias à semântica latina e à história do vernáculo – vieram feminicídio (assunto abordado em artigo já publicado neste jornal) e sororidade, em oposição a fraternidade. No entanto, em latim, “frater” (do qual se origina fraternidade) não significa somente o consanguíneo masculino. Para indicar este familiar a genuína palavra latina seria “germanus”, originando em português irmão – “hermano”, em espanhol e “germain” (hoje pouco usual em francês) – do qual provém irmandade. Sororidade torna-se um termo redundante, por conseguinte, desnecessário, expressando mais uma carga ideológica do que semântica. O mundo digital legou-nos também criptomoeda e ciberataque. Eis apenas alguns exemplos de étimos incorporados ao VOLP.

Consoante os antropólogos, a sociedade é pautada pela cultura, que varia ao longo do tempo. Por vezes, surgem mudanças comportamentais e morais, modificam-se juízos de valor, influenciados pela tecnologia. A língua segue a cultura e tende a acompanhar as suas variações. Alguns períodos da história – como o que atravessamos – apresentam mais reviravoltas. Inegavelmente, há momentos de maior estabilidade, provocando menos novidade quanto à criação de termos. Há épocas caracterizadas por transformações bruscas. Nem sempre os étimos existentes descrevem acuradamente a realidade presente e vivida. Daí, a necessidade de criar vocábulos, importar ou ressignificar palavras antigas. Isto ocorreu, por exemplo, após a Primeira Guerra Mundial e, mais recentemente, com o advento da globalização, na década de 1980.

Causou estranheza a certos estudiosos do idioma nacional a demora em atualizar o Vocabulário. Argumentam que em doze anos de pós-modernidade muita coisa aconteceu. Verificam-se várias modificações individuais e sociais, causadas pelos avanços tecnológicos. Além das transformações sociopolíticas, vive-se uma transição do modelo de sociedade industrial para uma pós-industrial, desencadeando uma alteração estrutural bem mais profunda. A variação nos padrões éticos ocasionou situações difíceis de descrever pelas terminologias vigentes. Isso repercutiu sobre a cultura e, portanto, sobre a língua. Sociólogos, cientistas políticos, jornalistas e antropólogos falam de uma ressaca da globalização, proporcionando o retorno de uma fase mais conservadora e nacionalista, enfatizando maior respeito e defesa de valores morais e culturais dos quais a língua é integrante. Dessa luta resulta igualmente uma alteração na linguagem acadêmica, social e religiosa. A palavra da Sagrada Escritura faz-nos refletir: “A língua tem poder sobre a morte e a vida!” (Pv 18, 21).

 

 


foto de Ormuz Barbalho Simonetti

Minhas Cartas de Cotovelo – versão de 2021-41

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

Vivemos mais um tempo de lua cheia. Os amigos e amigas enviam poesias, fotos, slides e comentários sobre a beleza do astro dos poetas e isso me faz lembrar o fascínio que a minha eterna musa THEREZINHA tinha por ela.

Enquanto todos evocam a beleza das noitadas dos “luais”, tranco-me em minha fortaleza chamada saudade para compartilhar, sozinho, a lembrança da companheira que partiu.

Por isso, às vezes choro, mas a maior parte do meu caminhar contemplo, faço orações, revivo momentos lúdicos, e até lamento não ter a habilidade dos poetas para ser mais impactante com o meu amor que partiu e virou estrela, mas que vive “Sempre No Meu Coração”, como nos versos da bela canção-poema de autoria de Ernesto Lecuana e Mário Mendes, consagrada na voz de Orlando Silva, o cantor das multidões:




Sempre no meu coração
Perto ou longe estarás
E ao cantar esta canção
Sei que jamais me esquecerás

Sempre no meu coração
Na alegria e na dor
Lembrarei com emoção
Que um dia tive o teu amor

Sempre no meu coração
O teu nome guardarei
E na minha solidão
Em minhas preces rezarei

E se nunca mais voltares
Pra ter fim os meus pesares
Guardarei teu vulto, então
Sempre no meu coração

Sempre no meu coração
O teu nome guardarei
E na minha solidão
Em minhas preces rezarei

E se nunca mais voltares
Pra ter fim os meus pesares
Guardarei teu vulto, então
Sempre no meu coração

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Não foi sem motivo, que em 13 de fevereiro de 1958, por algum motivo banal de “briguinhas de amor”, tive um momento de inspiração, sem a métrica dos verdadeiros trovadores, e ousei escrever:

A Teca

E outra noite chega.

Escuro e sombrio está meu coração,

Apesar que a lua

Que no céu flutua

Esteja a iluminar a amplidão.

Se olho a lua

Te vejo nela,

Se olho o céu

Nele também estás,

Tenho ciúmes até do firmamento

Pois no pensamento não te verei jamais.

Fico sombrio em minha cadeira,

Fico a ver a lua, em seu caminhar,

Fico vendo a ti, oh! Minha querida

Fico sonhando sempre,

De sempre te amar.

domingo, 19 de setembro de 2021

 

Honras aos médicos

Daladier Pessoa Cunha Lima
Reitor do UNI-RN


O Conselho Regional de Medicina do RN prestou singular homenagem aos médicos que exercem a profissão e se mantêm inscritos no CRM, no mínimo, há 50 anos. Chamei de singular porque foi um evento inusitado, uma feliz ideia de prestar honras a quem dedicou ou ainda dedica uma vida inteira a esse ofício, que exige muito amor ao próximo e vontade de refazer alegrias e esperanças. Ao mesmo tempo, também pode-se chamar de homenagem plural, pois envolveu dezenas de nomes, porém, sem perder o valor intrínseco do mérito de cada um e do grupo como um todo. Aliás, esse Diploma pessoal de Honra ao Mérito pareceu até que contemplava uma corporação, dada a afinidade que unia os corações e as mentes dos agraciados, naquele instante solene, mesmo virtual, da entrega coletiva da láurea. Atente-se que essa distinção honorífica reveste-se de alto significado, porquanto foi uma concessão do órgão que assegura uma boa prática da medicina, valorizando aqueles que a exercem de forma ética.

O Cremern, em boa hora, escolheu o médico Gilmar Amorim para proferir a saudação aos homenageados, em nome do Conselho. Depois da saudação de praxe, quando referiu-se ao Presidente Marcos Jácome e aos Conselheiros Marcos Lima e  Jeancarlo Fernandes, Gilmar expressou o reconhecimento público e a gratidão do Conselho a todos os médicos homenageados, e afirmou que o dia 31 de agosto de 2021 se transformou num marco especial, pois possibilitou o resgate de um preito devido a muitos heróis da medicina do RN. O brilhante orador, numa sutil alusão à vida desses médicos, citou o belo trecho do Sermão da Sexagésima Hora, do Padre Antonio Vieira: “As flores, umas caem, outras secam, outras murcham, outras leva o vento; poucas que se pegam ao tronco e se convertem em fruto, só essas são venturosas, só essas são as que aproveitam, só essas são as que sustentam o mundo”. Gilmar Amorim, então, concluiu: “Muito obrigado pela doação de suas vidas em benefício da coletividade”.

Na minha fala, aludi à dupla homenagem que recebera, uma pelo Diploma de Honra ao Mérito, a outra pelo convite para agradecer em nome do conjunto dos ilustres colegas. Referi-me a nossa bela profissão que tem a figura histórica de Hipócrates como símbolo maior, e ao primeiro dos seus famosos aforismos. A seguir, numa ênfase à grandeza da homenagem, voltei-me ao livro bíblico Eclesiastes, talvez o mais sábio ensinamento e a mais poderosa expressão da vida humana sobre a terra. Ao final, disse que aquela homenagem chegava no momento oportuno para resgatar e relembrar em cada um dos homenageados a certeza do dever cumprido, além do reconhecimento de quantos são testemunhas dos seus exemplos de amor à profissão, e citei alguns versos do Eclesiastes, entre os quais esses dois: “Há tempo de lutar e tempo de viver em paz. Há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu”.

Texto publicado na Tribuna do Norte, em 16/09/2021

Bom dia!
Tenho a satisfação de enviar aos confrades da ANRL o texto de minha autoria “Honras aos Médicos”, publicado em 16/09/2021, no jornal Tribuna do Norte.  Daladier Pessoa Cunha Lima.