quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Texto do Professor Márcío de Lima Dantas





Olympia Bulhões: a casa de morada e seus emblemas simbólicos 

Não te fies do tempo nem da eternidade que as nuvens me puxam pelos vestidos. que os ventos me arrastam contra meu desejo! Cecília Meireles 

1. Olympia Bulhões (Natal, 24.09.1966) tem formação acadêmica em Arte Educação pela UFRN. O fato de ser sobrinha de dois artistas acabou por influenciá-la a lidar com lápis e pincéis, pois convivia com os tios desde pequena. Façamos referência ao que mais a conduziu para que viesse a ser artista visual naïf. Esse artista é Levi Bulhões, ainda em franca atividade, dotado de um papel nuclear no conjunto dos artistas filiados a essa tradução da pintura também chamada primitiva e que no Rio Grande do Norte assoma, ou seja, aparece em grande quantidade e qualidade, em uma plêiade de diferentes estilos, com suas gramáticas pictóricas inerentes à singularidade de cada um. Como não poderia deixar de ser, reverbera dessas estrelas um grande naipe de pintores que atinge um registro de não originalidade, mas lança seus vetores e estéticos para assinaturas universais. 

Para não esquecer de onde veio esse manancial que não para de verter mais pintores vinculados a essa tradição, obrigatoriamente, temos de evocar o nome de Maria do Santíssimo, aquela que foi o prelúdio dessa mina, não cessando de verter a transparente água do arroio. Dessarte, foi ela a naïf que primeiro riscou, no volumoso livro das artes visuais do Rio Grande do Norte, seu nome em um vinco, fazendo uma assinatura involuntária. Sem saber nem do que se tratava, fez saber que, mais do que um prelúdio, também fundava uma tradição, conclamando à posteridade uma espécie de desafio, alentando quem pudesse superá-la, sobretudo no que diz respeito às formas de como germina a potência de lançar o ser para uma vontade de lidar com o simbólico da estética de alguma forma. 

No caso de Maria do Santíssimo, parece ter sido regida por uma espécie de aura que ela continha desde seu despertar para a vida, desde que se fez gente, desde que se fez mulher e desde que casou. Ela passou a, involuntariamente, pintar suas cartolinas distintas de tudo o que há no nosso estado no que tange às artes visuais. Assim, temos de apreciar sua obra e a reconhecer como aquela que lançou para o tempo futuro um pomar capaz de gerar muitos frutos. A seara que lançou as sementes cresceu farta, e hoje temos uma sega com muitos trabalhadores dando respostas, quer dizer, não apenas já temos como ainda continuam a germinar artistas visuais naïfs. 

Quero dizer que, no imaginário do nosso estado, pulsa e reverbera um cabedal de artistas de que talvez poucos estados do Nordeste disponham de registro, nominados de naïfs, de ingênuos, de primitivos, ou como queiram indigitar. O importante é que uns são de razão acesa, qual frágua permanente (como Iaperi Aráujo, registro racional), e outros apresentam padrões estéticos que pontuam suas diferenças (Dona Ivanise, registro intuitivo). 

Assim, outros artistas mesclam o uso da razão com um vocabulário mais ingênuo, pintando com uma paleta plena de sentimentos e emoções. Não disse apenas para comparar mas também para mostrar a riqueza dos tantos pintores elaborando suas singularidades ou mesmo suas universalidades, erguendo-se como prova do que temos de nosso para apresentar a outras nacionalidades ou mesmo às nossas regiões do Brasil. 

2. Acredito que o melhor de Olympia Bulhões sejam as fachadas de casas modestas com seus jardins bem cuidados, plenos de flores e suas diversas maneiras de organizar os detalhes das portas e das janelas. A arquitetura pode ser de grande simplicidade, mas, para um bom observador, fica-se diante de um fato estético, pois cada uma recebe uma diferença na sua fachada como um todo. 

Ao manter-se uma distância, isso acaba por atestar o esmero como foi feita, pois em algumas casas predominam a linha curva, tanto na porta quanto nas janelas. Linhas curvas que desenham a platibanda, causando uma elegância extraída do que nos chega como simples; linhas que emolduram o contorno das portas e janelas, embora haja também pequenas casas de feitura modesta, demonstrando as condições de vida de seus moradores. 

Na verdade, são casas de antigamente, quando não havia tanta violência e as pessoas podiam ficar defronte, debaixo das árvores, varrendo as calçadas, irrigando as plantas, com sua profusão de flores. As casas receberam cores extremamente fortes, puras, o que faz chamar a atenção para também contemplar esse resplende de uma tinta luminosa. 

Com efeito, essas pequenas herdades parecem querer convidar o espectador, conclamando a se viver de maneira mais tranquila, com sossego, sem tanta preocupação com o tempo que sopra sua brisa; esquecendo um tanto as demandas de uma sociedade como a nossa, na qual predomina o narcisismo e o anonimato é combatido. Resta o valor de aparecer a todo custo (com um ridículo copo qualquer na mão). 

As redes sociais demandam ser alimentadas por fotografias o tempo inteiro. O perfil do WhatsApp é mudado de tempos em tempos, para aparecer com um sorriso que só um tolo não percebe a artificialidade: basta observar os dentes, são sempre os mesmos. A felicidade é de plástico.

Falar da casa de morada, principalmente quando lhe pertence, é lidar com sua simbologia, ou seja, com o lugar em que moramos e o modo como arrumamos seu interior, o jardim e o pomar. Isso fala de nossa identidade pessoal, escreve metaforicamente como somos no íntimo, já que a casa detém em si a dicotomia entre o interior e o exterior (a rua). 

A casa, nesse sentido, seria a síntese de uma sintaxe – um meio de organizar os diversos paradigmas (objetos) que selecionamos para viver –, quer dizer, uma dicotomia entre o comportamental do coletivo (o fora) e do pessoal (o íntimo). A casa nunca deixou de deter o simbolismo no qual nos sentimos amparados em um abrigo, no qual descansamos após a jornada do dia a dia, com seus trabalhos e sua rotina. O espírito detém segurança e conforto de sempre ter para onde retornar: alimentação, descanso e as horas de sono no decorrer da noite. Na verdade, o fora parece ser o dentro, uma casa que dispõe de seus objetos funcionais ou de adorno e que acaba por desvelar o imo dos seus habitantes. Então, podemos admirar e resguardar com esmero o lugar onde habitamos, ordenando para uma segurança e para o que sempre se diz: “qual o melhor lugar do mundo?”. Todos sabem a resposta. 

3. Creio que duas telas conseguem se destacar por se dizer algo extremamente banal: lavar roupa dentro de bacias com sabão, quarar uma parte, outra parte pendurar no varal. Há uma tela em que as roupas estão esquecidas em um varal à beira-mar. Não há ninguém. Em outra, estão lavando à beira-rio. Lavar a roupa também é uma alegoria concernente às tarefas da casa. Seria uma forma de, após lavar, passar a roupa para se apresentar socialmente. Neste escrito, tive oportunidade, amiúde, de me reportar ao naipe simbólico da casa e ao que ela representa. Afora esse caráter (ethos) das pequenas e simpáticas herdades, nas quais avultam cores fortes e firmes para reforçar, talvez, o distintivo de ser um símbolo, cujo epíteto nos acompanha desde a infância, há a dimensão funcional, prática. Afinal, não foi feita para adorno. 

4. No conjunto da obra de Olympia Bulhões, quase tudo remete ou deixa implícita a alegoria de objetos e temas vinculados a casa. Vejamos alguns desses referentes: roupa no varal, o jardim irrigado com uma mangueira, o quarto de Câmara Cascudo, louça de Ágata (representação do café da manhã; uma das mais bonitas e criativas telas representando o desjejum), as diversas santas como signo de religiosidade católica (N. Sra. do Livramento), crianças brincando defronte a casa. 

Como podemos ver, quase tudo evoca a casa como um emblema, uma metáfora e seu caráter simbólico de delinear uma identidade pessoal. Ao entrarmos em uma casa qualquer, já conseguimos decodificar uma sequência de elementos referentes a seus moradores. Isso quer dizer: os moradores organizam determinados objetos escolhidos como decoração ou também como lugar de conforto, diferentemente do que ocorre hoje em dia, em que há uma pasteurização meio ridícula de decorar as casas com os móveis que se encontram na moda. As casas são edificadas como se seguissem o mesmo padrão, pouco ou nada fogem dele, quando erguidas com cimento armado, madeira, vidro e determinadas espécies de plantas (não pode ser qualquer uma). Haja vista os condomínios fechados, parecem uma espécie de farda de colégio no seu minimalismo que a nada conflui, sobretudo em um país com forte tradição Barroca. 

Ainda com relação à figuração da casa, mesmo que tenha mudado muita coisa, como a divisão de papéis, de trabalhos no cuidar da casa, os homens ainda permanecem com sua tradição patriarcal de entregar quase tudo à mulher, com sua segunda jornada do dia: o trabalho/emprego e ainda chegar e cuidar da casa, lavar ou passar. Sei que pode não ser a regra, mas ainda persiste o lugar da mulher e o lugar do homem. Lembro aqui a quantidade de telas nas quais a pintora representou a mulher, índice intrinsicamente referenciado ao feminino. 

5. Para efeito puramente didático, isolamos uma marca da pintura de Olympia Bulhões: foi a insígnia da casa e sua simbologia. Esse tipo de interesse concerne à Antropologia Cultural; quero dizer com isso que esse domínio do saber estuda as diversas culturas e suas idiossincrasias, seus costumes, suas formas de se comportar, assim como o jeito de residir em edificações. No nosso caso, foi um estudo de um distintivo relacionado à casa, como se fosse uma Antropologia de nós mesmos, embora a casa dessa pintora tenha funcionado como matriz ulterior, quer dizer, o relato das casas e seus naipes de valor dizem respeito ao passado. 

De fato, a casa como concebíamos antes tinha a ver com o espírito da época (zeitgeist), no qual predominavam formas de ser e de se comportar. Não havia a violência e a insegurança que permeiam hoje em dia. A casa era como se fosse um distintivo onde o indivíduo podia assegurar sua rotina, escanear seu tempo em um ritmo capaz de outorgar tranquilidade, pois não havia tantos intercursos, tanta coisa que impedisse o cotidiano de fluir de acordo com o previsível. 

Verdadeiramente, a casa é o lugar no qual há um palco onde o eu e o mundo exterior reforçam a dicotomia do dentro e do fora, conduzindo o indivíduo a organizar suas emoções, a refletir em seu quarto, a cuidar do seu jardim, a provocar as necessárias rupturas de gente tóxica, a cultivar o necessário silêncio em seu benfazejo sanativo. 

Por fim, faço saber da beleza e do caráter simbólico da obra de Olympia Bulhões, com seu emblema (“o que está colocado dentro”), a casa, organizando as tantas séries produzidas pela pintura denunciadora de uma metáfora subliminar: os muitos significados da insígnia “casa”. Afinal, não precisa ir muito longe, antigamente era o lugar em que nascíamos e passávamos a maior parte da vida. Hoje tudo mudou. Temos a ânsia de morar em apartamentos com sua verticalidade, que também não deixa de ser um símbolo: por um lado, evadir-se do rés do chão, afastar-se das pessoas, não ter a obrigação de conviver com vizinhos; por outro, decorar os apartamentos de maneira exatamente igual, beirando o ridículo, com o morador detendo uma personalidade sem muita diferença dos outros, como se fosse uma série lembrando uma farda escolar.

terça-feira, 2 de setembro de 2025




 CENTENÁRIO DE MÚCIO VILAR RIBEIRO DANTAS


Valério Mesquita

mesquita.valerio@gmail.com



A bondade do dr. Múcio Vilar Ribeiro Dantas promovia-se tanto quanto a sua inteligência jurídica. Foi o eterno consultor geral não só do Estado mas de todos nós, alunos e advogados, ao longo de sua travessia. Foi político, agropecuarista, professor universitário, advogado, mas a sua marca indelével, registrada e intransferível jamais se desligará da figura maior de cultor da ciência jurídica e da cultura humanística que armazenou ao longo do tempo.

Um homem de claridades interiores. De estatura alta, porte elegante, forte sem ser gordo, olhar penetrante e fala pausada, era o nosso professor de Teoria Geral do Estado, dentro da sala de aula, na velha Faculdade de Direito da Ribeira. Constitucionalista profundo, o professor Múcio nos passava, de início, a impressão repentina de um homem rico que pouco ligava com o ensino e o destino dos seus alunos. Era o contrário. Importava-se com o que ministrava. Preparava com esmero o seu plano de aulas e estabelecia longos debates com os seus alunos sobre as ideias e teorias de Rousseau, Montesquieu, Thomas Hobbes, Bossuet, Tocqueville.

A imagem que o dr. Múcio me imprimiu foi a de um homem de bem, bondoso, amigo intransigente e de honestidade pública inatacável. Poderia ter alçado voo mais alto na política quando exerceu o mandato de deputado estadual pelo antigo Partido Social Progressista. Foi contemporâneo do meu pai, Alfredo Mesquita Filho na Assembleia Legislativa, legislatura de 1954 a 1958. O Estado do Rio Grande do Norte e a Universidade Federal passam, agora, com o seu desaparecimento, a dever um preito de gratidão a esse excepcional homem público que honrou as letras jurídicas, o ensino universitário e a própria vida política, legando um exemplo de honradez e respeito.

Como orador, assisti o professor Múcio dissecar temas jurídicos e humanísticos com primor e elegância, sem cair na vala comum do despautério. Relembro nessas impressões esparsas, o seu vulto de homem modelar e me envaideço, não só por tê-lo conhecido, privado de sua amizade que se estende ao seu filho Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, mas, também, por constatar que um jurista de sua estirpe existiu no cenário da vida pública do Rio Grande do Norte.

No ensejo do seu centenário de nascimento tributo todas as homenagens!

 

 

(*) Escritor




O amor à pátria 

Padre João Medeiros Filho 

A pátria tem um papel relevante em nossas vidas com suas tradições e histórias. O ser humano é visceralmente ligado a seu berço. Apesar da globalização, o interesse pelas nossas raízes aumenta cada vez mais. Os estudiosos de genealogia afirmam que, nesta última década, o desejo de conhecimento dos ancestrais multiplicou. A nação incorpora-se à dignidade da pessoa. Nela nossos antepassados deixaram a sua marca. Ali cresceram, construíram sua trajetória e legaram-nos valores. Tal realidade impulsionamos a amar a pátria. Aí também se inclui a preocupação com os imigrantes. Todos nós somos estrangeiros, enquanto caminhamos para o destino definitivo. “Somos peregrinos e forasteiros, mas em breve, estaremos em nossa casa”, afirma o apóstolo Pedro (1Pd 1, 1). O amor por nossa pátria e a responsabilidade pelo bem comum exigem de nós empenho na construção de uma sociedade mais justa. O povo da Antiga Aliança mostrava gratidão pela terra de seus pais. Várias passagens vetero testamentárias demonstram a predileção dos hebreus pelas suas origens. O Novo Testamento descreve o carinho de Cristo por sua gente, a tristeza e lágrimas, ante o fim iminente de Jerusalém. Amar a pátria significa nutrir carinho pelo torrão onde nascemos, crescemos, estudamos, constituímos família e do qual tiramos nossa subsistência. Implica no compromisso de lutar pela defesa dos interesses e bem-estar de todos. Requer combate à exploração e cuidados para que os governos sejam dignos, honestos e eficientes. Importa alertar contra omissões, privilégios, desrespeito e improbidades, em desfavor da sociedade. O zelo pela pátria, além de denunciar abusos, erros e desvios, implica numa contribuição consciente e eficaz para a construção de boa prática política. Esta deverá ser firmada em valores éticos de promoção e defesa da vida, com atitudes construtivas e não populistas ou demagógicas. Não raro, em muitas decisões há certa confusão entre nação e governos. Santo Tomás de Aquino afirmou: “Assim como é para a religião a adoração a Deus, deve ser a reverência à pátria e à família. É preciso prestar um culto de gratidão à terra que nos acolheu.” O Catecismo da Igreja Católica inclui o patriotismo entre as virtudes. “O amor e o serviço ao país estão na ordem da caridade.” (Nº 2.239). Mas, eles não devem ser desprovidos de uma reflexão crítica. É preciso preocupar-se com o futuro da nação sem esquecer os carentes, excluídos e invisíveis. A situação atual do Brasil é bastante complexa. O esgarçamento do tecido social e político, o radicalismo e a polarização, os bolsões de pobreza, a carência dos serviços básicos e a expansão do crime organizado demonstram o quanto ainda temos a percorrer. Pessoas doentes, famintas e inseguras necessitam e merecem tratamento adequado, justiça e condições dignas. O país requer urgentes mudanças estruturais. Os governantes não podem esquecer deveres primordiais de proporcionar trabalho, educação, saúde e segurança aos cidadãos. O empenho por uma nação socialmente justa não deve ser apenas missão de idealistas. A participação política não se reduz ao simples voto nos pleitos eleitorais, embora seja fundamental. O cidadão, mormente o cristão, não pode deixar de manter vigilância sobre o agir dos políticos e homens públicos. Importa verificar se agem realmente em prol do bem-estar da sociedade. Acontece que muitos defendem apenas os próprios interesses ou as ideologias de seus partidos, consequentemente traindo a nação. Neste Sete de Setembro, rezemos para que o povo brasileiro se conscientize de sua ingente responsabilidade social. Urge cobrar constantemente dos governantes o compromisso com a vida em todos os sentidos e fases. Mister se faz defender a dignidade humana, superar o assistencialismo e as medidas paliativas. É indispensável criar condições favoráveis para um ensino de qualidade, trabalho digno para todos, habitação, saúde e segurança. É isso que precisamos desejar para o Brasil neste 203º aniversário de sua independência. Olhemos para o passado, sonhando com um futuro melhor. Em seguida, comprometamo-nos com atitudes concretas, visando a uma nação equânime e fraternal. Queira Deus seja este o objetivo precípuo de todos os agentes públicos. Com muita fé, supliquemos ao Senhor, repetindo a prece, após a bênção do Santíssimo Sacramento: “Dai ao povo brasileiro, paz constante e prosperidade completa.”

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

 NEY LOPES DE SOUZA


Valério Mesquita*

Conheço-o há mais de cinquenta anos. A amizade remonta ao tempo do Colégio Santo Antonio dos irmãos Maristas. Concluímos juntos os cursos primário, ginasial e secundário. Na Faculdade de Direito de Natal fomos contemporâneos. Ele bacharelou-se em 1967 e eu ano seguinte. Servimos também ao governo de Cortez Pereira. Acompanhei depois à distância, a sua trajetória jornalística, a vivência universitária até vê-lo deputado federal por vários mandatos. Somente votei nele uma vez. No caminho político que escolhemos haviam diretrizes partidárias diferentes. Mas, jamais deixei de admirar a sua luta, a inteligência e o brilho da palavra. Desde o tempo da Arcádia Natalense do Marista revelava pendores oratórios. Todos vaticinavam-lhe futuro político.
Dito isto, quero me referir ao noticiário tempos passados que assisti numa emissora de televisão classificando o deputado Ney Lopes de Souza como o campeão de faltas das sessões da Câmara Federal. A reportagem não atentou para o fato do seu desempenho como presidente do Parlamento Latino Americano, cargo importante no cômputo geral dos parlamentos sul americanos. É o terceiro brasileiro a presidi-lo com muita honra para a própria Câmara, o Brasil e o Rio Grande do Norte. O exercício desse mandato exige a presença constante em países do continente e fora dele pelo caráter representativo e da própria liturgia de suas responsabilidades. Frize-se, igualmente, sem qualquer ônus para o Congresso Nacional nem para o governo brasileiro. Por que, então, a colocação perfídiosa e maledicente?
A vida pública exige, muitas vezes, sacrifícios aos protagonistas. É verdade que para uns e outros não. Como político e advogado Ney sempre palmilhou uma conduta de respeito ao povo norte-riograndense. Na história da Câmara, quando muitos se conspurcaram num mar de lama, jamais se ouviu falar dele como envolvido em maracutáias. Ao longo do tempo, sempre manteve coerência e fidelidade partidária, ao ponto, de sacrificar postulações para ser candidato a senador ou a governador de sua terra. Exerceu os mandatos com serenidade e equilíbrio. Foi considerado pelos repórteres políticos de Brasília e do sul do país como uma das cabeças pensantes do parlamento brasileiro. Sempre soube, de forma altiva, enfrentar as adversidades políticas que, na maioria das vezes, a implacável servidão partidária.
Ao tecer tais considerações, eu o faço não por razões políticas porque não mais as alimento, mas, por sentimento de amizade fraterna. E de revolta também. Percebo que a solidariedade não chegou de pronto da parte do seu mundo político aqui no Rio Grande do Norte ante a injustiça flagrante cometida pela desinformação. Ney Lopes de Souza integrou o alto clero da vida pública brasileira. Tanto assim, que ao escolher o nome do nosso conterrâneo Luís da Câmara Cascudo para patrono de um prêmio internacional do Parlatino, agiu com coragem e amor ao Rio Grande do Norte. Outros países que compõem a instituição imaginaram um Jorge Luis Borges, um Pablo Neruda, um Vargas Losa, um Gabriel Garcia Marques mas Ney pensou e decidiu por Cascudo. Poderia, também, sofrer pressão para escolher Carlos Drummond de Andrade, Eríco Veríssimo, Roberto Marinho para bajular a Globo, Gilberto Freire, além de outros ilustres nomes. Mas, elegeu Cascudo. Esse homem merece respeito.
(*) Escritor.