sábado, 17 de julho de 2021

 

 

 

Minhas Cartas de Cotovelo – versão de 2021-35

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

       Na sexta passada deixei Natal para o refúgio de Cotovelo, buscando, na solidão da minha vida, um pouco de paz de criança dormindo resultante do silêncio que sempre permanece neste pequeno torrão do Município de Parnamirim.

       Chego ainda claro, isto é, antes do sol se por, e sou logo recepcionado por Luma – a cadela de Carlinhos, que me tomou um pouco de tempo antes que arrumasse os meus petrechos pessoas.

       Um jantar trivial; assisto a missa da Matriz de São Pedro, com o Padre Motta através do celular e subo ao meu quarto onde leio mais uma parte do texto do recente livro de Renan II, um pouco de TV, alguns vídeos de Rick Vallen até que chega o sono e me conduz às dimensões cosmológicas da imaginação.

       Tudo coerente com a minha busca do silêncio. Contudo, como bebo muita água, tenho necessidade de verter líquido com maior frequência quando, já na entrada do novo dia – um pouco antes da hora Zero de hoje, escuto um batuque estressante na rua dos fundos da minha casa. Os mesmos, na mesma praça, na mesma rua num jardim sem flores e me vem à tona a situação do meu filho Carlos que dorme num apartamento nos fundos da casa e nos meus amigos que residem na Rua Parnaíba ou Humberto de Campos, cercanias dos batuqueiros do mal.

       Não dormi mais, fiquei a meditar e marcar palavras para um texto a respeito deste desrespeito, este que estou agora a escrever. A tirânica farra terminou quando os ponteiros do relógio iam ao encontro das 5 horas, até já se ouvia o assobio dos primeiros pássaros, que aqui são abundantes, Graças a Deus.

       Deitei novamente no seio da minha rede até ser acordado quando o marcador das horas caminhava para as 8.

       Ligo o celular, notícias más da fuga de 12 presos de Alcaçuz, presídio aqui vizinho e café da manhã pronto para o velho chefe da família que relata ter ouvido na madrugada o galopar de cavalos pela rua atrás.

       A camioneta das frutas e verduras caminha na rua, como nos tempos de outrora – fiz os meus pedidos e em seguida um pulo na rampa de acesso à praia onde contemplo a beleza da enseada de Cotovelo e sua maré cheia, em vazante.

       Agora é a vez de ler as mensagens do celular, fazer comentários ou respostar alguma coisa, com cautelas para não ferir suscetibilidades.

       No meu computador tomo assento para começar a viajar no tempo e espaço, dando asas aos pensamentos e ao culto da saudade dela, minha namorada que partiu, a quem já dialoguei na sala de refeições. Vamos ver o que sou capaz de fazer durante o dia. Amém.


 

quarta-feira, 14 de julho de 2021

 

 



Leitura teológica do Auto da Compadecida
 
Padre João Medeiros Filho

Entende-se por auto uma composição teatral, que remonta à Idade Média. Transita do profano ao sagrado, geralmente de cunho moralizante. 

Na língua portuguesa, o seu representante mais renomado é Gil Vicente, cuja obra situa-se entre os séculos XV e XVI. 

No Brasil, o Padre Anchieta introduziu os Autos Indianistas, considerados precursores do teatro brasileiro. 

Na década de 1950, o monge beneditino e acadêmico Dom Marcos Barbosa procurou divulgar este tipo de dramaturgia, com destaque em “A noite será como o dia – autos de Natal”. 

Em 1955, foi publicado “Morte e Vida Severina – auto de Natal pernambucano”, de João Cabral de Melo Neto.

 No mesmo ano, Ariano Suassuna lançou “O Auto da Compadecida”. Segundo os mais próximos, o escritor paraibano, por influência de sua esposa Zélia, abraçou o catolicismo, nutrindo especial devoção à Virgem Maria.

Os personagens da Compadecida são pessoas de moral e ética questionáveis. Verificam-se posturas luxuriosas, avarentas, violentas, soberbas, gulosas, mentirosas e preguiçosas. Trata-se de comportamentos compatíveis com os pecados capitais do cristianismo. 

Não nos cabe analisar a crítica social do autor. 

Nossa pretensão é tão somente abordar aspectos religiosos. 

A peça teatral culmina com o veredicto, após a morte dos participantes do drama. Reveste-se de elementos da escatologia cristã. 

Os envolvidos encontram-se no Além, recepcionados por Satanás, desejoso de enviá-los para “os quintos dos infernos”. 

Temeroso de ir para o Lugar de Castigo, João Grilo, representando os demais, apela para Cristo, que atua como juiz nesse pós-morte. O tribunal foi instaurado. 

O Demônio apresenta seus argumentos. Emanuel (Jesus) ouve as considerações. João Grilo recorre a Nossa Senhora, advogada de defesa dos indiciados.

Tudo acontece em sintonia com o imaginário religioso e o devocionário de nossa gente, formados a partir de matrizes catequéticas da colonização cristã-católica europeia. 

O Diabo acusa. Maria Santíssima vem em socorro dos culpados. Jesus, representante de Deus Pai, é o responsável pela sentença. Conforme a narrativa, nenhum dos personagens possuía um passado limpo e incontestável. 

Do relato, infere-se que, no juízo final, todos serão transparentes quanto às suas condutas. Estas deveriam ter contribuído para as pessoas serem mais honestas e justas em relação ao próximo. Ariano revela no texto a fragilidade humana, que sensibiliza a Virgem Maria. Esta é a Compadecida, invocada como “Refúgio dos Pecadores” e “Consoladora dos Aflitos”, títulos marianos da Ladainha. 

A obra literária descreve o cumprimento do julgamento definitivo, inserido na lei da própria vida. 

A maldade e o pecado são marcas de nosso destino sobre a terra. Isto é um fato – explicável pela religião – que iguala todos os humanos num rebanho de pecadores. 

Verifica-se neste aspecto a face da doutrina cristã do pecado original.

Ninguém escapa da morte, mas a misericórdia infinita de Deus resgata o destino de cada um na outra vida. Todos carregam seus erros e serão julgados pelo que fizeram de suas existências. 

A morte é o umbral pelo qual ter-se-á uma consciência mais nítida do que se fez, enquanto peregrino neste mundo. A perspectiva literária desenvolvida é suficiente para afirmar que a obra pode ser lida sob um enfoque teológico. 

No desfecho do julgamento, o autor esboça traços de Mariologia, especialmente de Nossa Senhora Medianeira. Após a intercessão da Mãe Celestial em favor dos acusados, Jesus os libera da condenação infernal. Para Ariano Suassuna “Maria Santíssima é a esperança dos desvalidos e a revelação da ternura divina”.

Por fim, Jesus trava um breve diálogo com sua Mãe: “Se você continuar intercedendo desse jeito por todos, o inferno vai terminar virando uma repartição pública: existe, mas não funciona”. Nesse ponto, Ariano aproxima-se do teólogo jesuíta Teilhard de Chardin, em “Le Milieu Divin”: “O inferno é uma verdade teológica, mas não creio que seja muito habitado, pois a misericórdia divina é infinita”. 

O teatrólogo revela um Cristo indulgente, compassivo e sensível. 

Ele se enternece diante dos sofrimentos e dores dos irmãos porque um dia experimentou a maldade e a fraqueza humanas, que condicionam a existência terrena. 

O saudoso Oswaldo Lamartine, certa feita, confessou-nos: “Vigário, se eu tivesse o amor e a fé de Ariano pela Compadecida, teria muito mais paz interior”.

domingo, 11 de julho de 2021

 


Minhas Cartas de Cotovelo – versão de 2021-34

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

         Pois é, as estações do ano passam e o meu exílio voluntário de Cotovelo continua a iluminar a minha vida, com a força da natureza e, igualmente, com a possibilidade de, no silêncio assimilar as construções literárias que o tempo me permite ter.

         Em recentíssima passagem por Natal, fui ao Sebo Vermelho do meu amigo Abimael para saber das novidades. Ali tive a oportunidade de conhecer uma figura já vetusta na cultura potiguar, mas que o destino não havia permitido um encontro pessoal – Francisco Ivan, agora relacionado  entre os meus bons amigos.

         Entre bons papos, adquiri algumas edições do Sebo – algumas de poucas páginas, o que nada desmerece para mim, porquanto a literatura não é boa pelo peso, mas pelo conteúdo. Prova disso é o livreto de Ferdinand Lassalle - “A Essência da Constituição”, (conferência para intelectuais e operários da Prússia em 1863), considerada precursora de muitos debates centrais dentro do constitucionalismo moderno, sempre consultado de geração em geração pelas classes jurídica e política.

         Adorei o trabalho de Francisco Ivan - “De Góngora a Garcia Lorca’, em que considera que a fenomenologia da poesia transcende ao ambiente social fechado pela tirania: “Passam as ideologias; desmoronam-se os poderes autoritários; desaparecem os impérios, não sobrevivem ao tempo ao tempo como a este vive e sobrevive a alta poesia.”

         Temos provas evidentes nos dias atuais, onde respeitáveis escritores comentam os fatos sociais e lhes dão uma conotação política, Acredito que, no tempo, somente sobrarão as narrativas sociais e históricas de um tempo confuso e polêmico.

         Outros títulos, alguns estão aqui comigo em Cotovelo e já os li: “Cartas de Drummond a Zila Mamede”, “O Terço dos Paulistas do Mestre-de-campo Manuel Álvares de Morais Navarro e a Guerra dos Bárbaros”, do saudoso amigo Olavo de Medeiros Filho. Igualmente dele “Os Tarairiús, o Rio Grande do Norte e a Guerra dos Bárbaros”, de Daniel Oliveira Mosca: “O Bem, O Mal e a Polícia” – considerações entre as estruturas dramáticas do western e do nordestern e “Presença Norte-Riograndense na Alçada Pernambucana”, do meu querido e inesquecível professor de Literatura, Raimundo Nonato da Silva. Por derradeiro e não que tenha menor importância, as “Confidências na fé”, do meu amigo Renan II de Pinheiro e Pereira, livro intimista que apresenta “Conversas com grandes Santos da Igreja”, muito interessante para o espírito.

         A destacar, ainda, os artigos recebidos pelo celular da Revista virtual “Navegos”, editada pelo jornalista e escritor Franklin Jorge, que quebram a monotonia de um lugar onde se sobressai a natureza em oposição ao grande barulho da cidade grande.

         E assim vou vivendo os dias amenos, oceânicos e silenciosos.