VIDA É COLEÇÃO
Valério
Mesquita*
Acho que todo
aquele que vem ao mundo, mesmo para ser apenas estatística, é um colecionador.
Quem não o é nessa vida? Câmara Cascudo, por exemplo, colecionava saber,
erudição, cultura popular, e, até crepúsculos. O mestre Mussulini Fernandes era
infalível filatelista. Há, ainda os que armazenam em estantes superpostas
amarguras, decepções, ingratidões e liseus intermináveis. É a pior de todas as
coleções. Conheço na praça centenas de colecionadores de promissórias,
“papagaios” e pré-datados. Na política existem compiladores eméritos de
vitórias e, principalmente, em maior número - de derrotas. Muito embora, haja
aqueles que colecionam dinheiro: real, dólar, euro, libra, etc, etc. No Brasil
quem comanda uma das mais seletas coletâneas é o político Paulo Salim Maluf,
entre muitos outros, tanto aqui quanto alhures. Não precisa nem falar sobre
muitos que colecionam objetos e mulheres como troféus emocionais.
Mas, a coleção
mais esquisita e estranha é aquela ligada as transformações da vida. Certa vez,
aconteceu na Câmara Municipal de Natal uma merecida homenagem ao ex-prefeito
Djalma Maranhão, cassado, perseguido e preso pelo Exército em 1964. O
legislativo natalense reabilitou a sua memória e homenageou igualmente vários
auxiliares e correligionários de Djalma, também, à época, penalizados como ele.
E adivinhe qual a banda musical que prestigiou o evento, executando acordes
musicais como pano de fundo: a do Exército. Quem diria que um dia, tudo isso e
outras coisas mais, aconteceria de uma forma que, não pode fugir do registro.
Vale dizer que o homem, também, coleciona impossibilidades, imprevisibilidades
e o inimaginável.
Uma coleção
bizarra, macabra, repressiva dos governos totalitários diz respeito aos órgãos
de informação e inteligência. Reúnem nos seus arquivos dossiês sobre pessoas,
fatos e projetos. Recentemente, descobriram nos arquivos do FBI e da Marinha
Norte-Americana que em 1908 o então Presidente Theodore Roosevelt, emérito
caçador e ecologista, frequentador assíduo da selva amazônica, permitiu que se
elaborasse um projeto de invasão ao Brasil, a começar pelo Rio de Janeiro
(capital do País) em defesa, segundo os ianques, da desejada Amazônia. Até o
super Djalma Maranhão figurava em 1947, nas prateleiras do FBI, disse-me o
notável pesquisador potiguar Leonardo Barata.
Geraldo Melo
Mourão, cearense, ex-integralista, ex-deputado federal, foi preso durante a 2ª
Guerra Mundial, acusado de espião das nações do eixo. Passou seis anos na
cadeia, durante o regime do “estado novo”. Saiu da prisão no alvorecer da
redemocratização em 1947, alforriado por decisão do Supremo Tribunal Federal.
Eleito deputado federal por Alagoas, foi cassado em 1964 e se exilou no Chile.
Colecionou como muitos outros, prisões e banimentos. Através da TV Senado, de
viva voz, narrou um episódio que demonstra cabalmente que o homem também
coleciona ódios. Ele e mais três companheiros, denunciados e perseguidos
tenazmente por David Nasser da Revista “O Cruzeiro”, armaram uma emboscada para
seqüestrar o famoso jornalista. Contou detalhadamente, Geraldo Mourão que
Nasser, sob a mira de quatro revolveres foi obrigado a comer, sentado à mesa,
um prato cheio de excrementos. “Se não comer morre”, diziam. “Dê-me
guardanapos”, pediu o jornalista. “Sem guardanapos”, respondeu um dos
inquisidores. Concluída a abominável refeição, um dos odientos exclamou: “Mesmo
assim vai morrer”. Contido pelos demais, liberaram David, que teria talvez,
preferido enfrentar de novo o Golias. Afirmam as más línguas que o reporte
colecionou, ao longo da vida jornalística, impiedosos inimigos. Vida é coleção.
Atualmente,
entraram na mansão do ex-presidente Trump na busca de papéis secreto da Casa
Branca. E para ratificar a assertiva de que a vida é coleção, não são poucas as
residencias de políticos e empresários brasileiros visitados pelos federais a
cata de papéis e outras drogas.
(*)
Escritor.