A beleza da Palavra divina
Padre João Medeiros Filho
Em setembro, comemora-se o mês da Bíblia, em homenagem a São Jerônimo, cuja festa litúrgica é celebrada no dia 30. Esse notável exegeta e linguista dotou a Igreja de uma tradução latina da Sagrada Escritura, partindo dos originais em grego, aramaico e hebraico. O texto passou a ser chamado Vulgata, ou seja, versão para a língua da população (“vulgus”) do Império Romano. A Bíblia é revelação divina e literatura. Entretanto, contém peculiaridades distintas de outras produções literárias. Por vezes, verifica-se uma visão distorcida dos textos sagrados, concebidos por alguns apenas de forma denotativa, sem análise conotativa. Há também o seu aspecto metafórico. É preciso saber até onde se estendem a inerrância e a inspiração bíblicas. Tais características não abrangem necessariamente estilos, formas literárias, elementos culturais e tradições do tempo dos hagiógrafos. Há dados questionáveis, contributos das comunidades da época, advindos de sua cultura. Os escritos bíblicos são uma obra em coautoria. O homem colabora com o modo de narrar, escrever e outras informações de seu universo. O prólogo do Evangelho de João assegura-nos que “o Verbo Divino se fez homem e habitou entre nós” (“Verbum caro factum est et habitabit in nobis”. Jo 1, 14). Assumiu a humanidade, encarnando-se em nossos gestos e externando-se em nosso modo de falar. Somos sacramentais e instrumentos de sua teofania, isto é, manifestação transcendental.Certa feita, Salomão sonhou com o Onipotente, oferecendo-lhe auxílio para o seu governo. Então, fez-lhe o pedido: “Dai-me, Senhor, capacidade de escutar e discernir” (1Rs 3, 9). Saber ouvir e deixar-se interpelar pela Palavra Sagrada deve ser uma constante na vida dos cristãos. Isto poderá levar à sabedoria. Quanto mais se aprofunda o contato com o Altíssimo, por meio de sua revelação bíblica, melhor o fiel conhecerá a si mesmo. Santo Agostinho suplicava: “Senhor, que eu Te conheça, e eu me descobrirei melhor.” No coração da Igreja – que pulsa fortemente na vida litúrgica – a Escritura possui um lugar eminente. Entretanto, nem sempre tomamos consciência dessa realidade. Durante a missa, Deus nos fala na liturgia da Palavra. Na Eucaristia, Cristo renova misticamente o mistério de sua encarnação e presença entre nós. A Sagrada Escritura é um livro que não deve apenas ser lido, como qualquer escrito. Requer releituras e meditação: “Ao Eterno falamos quando rezamos, ouvimos o Senhor quando lemos o Livro Santo”, escreveu Santo Ambrósio. Ao nos deparar com os escritos bíblicos, podemos perceber que a vida do povo hebreu era semelhante à nossa. Assim como Ele protegeu outrora a nação escolhida, continua nos assistindo e amando. É necessário tratar os textos inspirados com toda a reverência. Não devem ser banalizados em seu anúncio, esquecidos nas estantes das bibliotecas ou instrumentalizados para fins ideológicos. É oportuno lembrar o que afirmara São Jerônimo: “desconhecer as Escrituras é ignorar o próprio Cristo.” Nossa espiritualidade nutre-se também dessa seiva divina, pois o Deus da Bíblia é o mesmo que pelo seu Filho nos sacia na Eucaristia. Fortalecidos por esse alimento espiritual, peçamos ao Mestre que sejamos sempre fiéis aos seus ensinamentos e possamos transmiti-los com fidelidade. Expressando a sua Palavra, Deus sai do seu silêncio recôndito, entrando em nossa intimidade. Penetra no código dos sons e sinais gráficos para possibilitar o nosso diálogo com Ele. A sua infinita misericórdia torna-nos capazes de entendê-lo e responder-lhe. Eis o mistério de fé patente na Sagrada Escritura, que a Igreja coloca em evidência, no mês de setembro! A Bíblia aponta-nos o caminho certo, a opção correta e sensata a ser assumida por nós. “Tua palavra é lâmpada para os meus pés e luz para o meu caminho” (Sl 119/118,105), proclama o salmista. Pertinentes são igualmente a pergunta e resposta encontradas no mesmo salmo (v. 9): “Como pode o ser humano levar uma vida pura? Guardando a tua palavra!” A Bíblia é canto, louvor, súplica, ação de graças, fonte de sabedoria e poesia. Não há como negar a beleza de tantos de seus versículos e passagens, tais como: “Quando vejo os céus, obra de tuas mãos, a lua, as estrelas e tudo que criaste, pergunto: o que é o homem, Senhor, , para dele te lembrares?” (Sl 8, 4).
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