quinta-feira, 27 de abril de 2023



OCTACÍLIO ALECRIM

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Octacílio Alecrim nasceu em Macaíba (RN), em 17 de novembro de 1906. Seus pais eram o coronel Prudente Gabriel da Costa Alecrim e Ana Pulchéria de Melo Alecrim, comerciantes bem situados da região. Aprendeu as primeiras letras na sua cidade, vindo depois para Natal continuar os estudos no Colégio Santo Antônio e no Atheneu Norte-Rio­grandense. Formou-se em Direito no Recife no ano de 1934, tendo sido um dos líderes acadêmicos mais atuantes do seu tempo. Nessa época, fundou a Revista Cultura Agitação com Álvaro Lins, Aderbal Jurema e outros contemporâneos.

Depois de formado, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se aproximou do Grupo Brasileiro de Estudos Proustianos, formado por intelectuais como Otto Maria Carpeaux, Sérgio Buarque de Holanda, Lúcia Miguel Pereira, e outros. Assim que foi possível, viajou para a França, onde passou uma temporada aprofundando seus estudos sobre Proust.

Octacílio Alecrim escreveu e publicou vários artigos em jornais e revistas, como Diário de Pernambuco, Correio da Manhã, Jornal de Letras (RJ), Revista de Antropofagia (SP), Revista Nordeste (PE), e Revista Branca (RJ), sendo a maior parte deles sobre o tema da escrita proustiana. Na Revista de Antropofagia (2ª edição, 1929), ele publicou um texto — “Miss Macunaíma” — que trata com extrema ironia da viagem de uma pseudo-­escritora, do Sul ao Nordeste. Logo nas primeiras linhas, o leitor mais atento percebe que, na realidade, ele está referindo-se a Mário de Andrade e à sua viagem às terras potiguares, de 1928 e 1929. A ironia, o preconceito e o tom bem agressivo que perpassam pelo texto evidenciam o posicionamento do autor junto a Oswald de Andrade, no embate literário que este desencadeou contra o autor de Macunaíma.

Em 1957, Octacílio Alecrim publicou um livro de memórias intitulado Província Submersa (Reeditado pelo Senado Federal juntamente com o Instituto Pró-Memória de Macaíba). Esse livro pode ser considerado uma autobiografia. Nele, o autor realiza um verdadeiro retomo, à moda de Proust às suas origens e ao tempo da infância, resgatando com  sensibilidade inúmeros tipos e costumes da sua terra. O livro está organizado em cinco partes, assim respectivamente denominadas: Zumbido de Berimbau, Parafuso de Redemoinho e Almanaque de Lembranças; segunda parte: Brevetes do Fabulário; terceira parte: Fogueira de Guia, Evocações de estrelas cadentes e Nostalgia do infinito; quarta parte: Signo de escorpião; e quinta parte: Sobrevivência de Anteu. Ao final do volume, há ainda uma série de depoimentos sobre o autor, assinados por escritores e historiadores da literatura, tais como Mauro Mota, Nilo Pereira, Celso Kelly, Afrânio Coutinho, Veríssimo de Meio, Américo de Oliveira Costa e Peregrino Júnior.

Afrânio Coutinho, por exemplo, afirma que Octacílio Alecrim é o ensaísta delicado e penetrante que tem o prazer das sensações intelectuais refinadas. Daí sua atração por Proust, a quem são dedicadas algumas de suas melhores páginas.

Octacílio Alecrim faleceu no Rio de Janeiro, cidade em que residiu parte da vida, em 02 de setembro de 1968 e foi enterrado no Cemitério São João Batista.

Em Macaíba, uma escola estadual, em homenagem tem o seu nome.

(*) Escritor.



quarta-feira, 26 de abril de 2023

 H O J E




 A poesia do Sermão da Montanha 

Padre João Medeiros Filho 

Deus é sapientíssimo. Não fui contemplado com o carisma da poesia e o talento de uma bela voz. Porém, fui escolhido para a divina missão de um “aboiador do Evangelho”, como me chamava Oswaldo Lamartine. Quando eu era criança, causou-me forte impressão o cantador Dimas Batista, ao denominar os cordelistas “anjos e profetas do Eterno.” O artista piauiense João Cláudio Moreno confessa que tinha o desejo de ser repentista. Chegou a comprar uma viola. O repente é a salmodia do poema. Parafraseando aquele renomado violeiro pernambucano, considero os seresteiros, cantadores e poetas seres celestes, passeando pelas ruas dos homens. Sempre os admirei e exaltá-los-ei. Segundo Jean Giblet e vários exegetas, Jesus foi um exímio repentista. Infere-se de passagens bíblicas neotestamentárias em aramaico e hebraico. Para eles, o enunciado de cada Bem-aventurança apresenta a estrutura morfológica e literária dos motes. No ápice de sua pregação, Ele brinda-nos com ensinamentos densos de poesia, contidos no Sermão da Montanha (Evangelho de Mateus, capítulos 5-7). Enaltece as virtudes da mansidão, paz, justiça, misericórdia e capacidade de servir. Suas lições contêm metas existenciais audaciosas para a sociedade: amar os inimigos e perdoar a quem nos ofende. Não basta obedecer às leis e normas, ancoradas no cumprimento dos preceitos morais para evidenciar a dignidade do homem. Os fariseus exigiam tal observância. Jesus vai além, convidando seus seguidores a buscar a nossa beleza poética. Desta forma, é possível tornar-se instrumento a serviço da vida em suas diferentes etapas. Há lirismo nas expressões do Filho de Deus, ao proclamar: “Olhai os pássaros do céu, não semeiam, não colhem, nem ajuntam nos celeiros. Aprendei dos lírios do campo. Não trabalham, nem fiam. Entretanto, nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles” (Mt 6, 26; 28- 29). Belas são as metáforas: “Vós sois o sal terra; vós sois a luz do mundo” (Mt 5, 13;14). Conhecedor profundo da alma humana,Jesus ensina a sabedoria própria da poesia da vida, nascida da contemplação. Esta é o seu vestíbulo. A leveza da ode do existir não é uma simples brisa para amenizar a dureza de nosso dia a dia. É fonte sapiencial que poderá corrigir conceitos distorcidos, apontar caminhos para soluções urgentes, respeitando a grandeza do homem. É capaz de facilitar percepções que curam desequilíbrios. Também possibilita deter constantes ameaças que conduzem a fracassos humanitários e ecológicos, contaminando cada vez mais os processos sociais. O mundo contemporâneo não deve balizar a sociedade por qualquer mesquinhez que comprometa a sublimidade do dom da vida. Urge investir na sensibilidade poética de nosso ser a fim de brotar uma lucidez espiritual que permita reconhecer o sentido da existência. Assim, chega-se ao encontro e ao culto da fraternidade. O Nazareno assegurou-nos: “Vinde a mim todos vós que estais cansados. Eu vos darei descanso. O meu fardo é leve e meu jugo é suave” (Mt 11, 28;30). Deste modo, retirou a amargura do cotidiano, inserindo ali um sorrir poético. Assim, é possível recuperar o sentido genuíno de humanidade e solidariedade. Com poesia e espiritualidade consegue-se viver melhor. E quando se é simples e generoso, o resultado é gratificante. Assevera-nos o Mestre da Galileia: “Dai e vos será dado numa medida plena e transbordante” (Lc 6, 38). A recomendação da poetisa goiana Cora Coralina talvez nos incentive a cultivar tais sentimentos: “Torna a tua vida um poema. Viverás no coração dos jovens e na memória de gerações futuras. Esta fonte é para uso de todos os sedentos. Toma a tua parte. Vem e não entraves seu uso aos que têm sede.” Sem a poesia do viver poderá crescer, cada vez mais, o número daqueles que desistem da própria existência. Aumentarão os segmentos que buscam apenas o seu bem-estar sem pensar em outrem. Despontarão atitudes insensíveis que segregarão ainda mais os velhos, doentes, sofridos, indefesos e carentes. A força poética, brotada de Jesus Cristo, era tanta que o apóstolo Mateus concluiu da seguinte forma aquela parte do seu evangelho: “E as multidões ficaram maravilhadas com as suas palavras” (Mt 7, 28).