sexta-feira, 9 de outubro de 2020
A democracia, as
eleições e a cidade
Tomislav
R. Femenick
– Jornalista
Dentre os
inúmeros presentes que recebemos dos gregos (falo dos presentes genuínos, e não
do cavalo de Troia), a democracia talvez tenha sido o mais precioso. Todavia,
como muitas outras coisas – tais quais o ar e a água – é frequente não nos
darmos conta de sua importância. A democracia é como a liberdade, a sua irmã
siamesa; falamos muito sobre elas, porém só “sentimos” a sua importância quando
as perdemos.
Como
já deu para notar, o assunto de hoje é a democracia, explicitada nas eleições
que se aproximam. Mas, afinal de contas, quem é essa senhora? Teórica e
filosoficamente, a democracia (do grego: “δῆμος”, povo; “κράτο”, poder) é o regime
político em que todo o poder se origina do povo. Em nossa Constituição está
dito: “Todo o poder emana do povo, que o
exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. É lindo, não é?
Ela, a
democracia, parece estar presente em todo o processo eleitoral, mas somente
parece. Acontece que, no Brasil, os partidos políticos têm donos que se
assenhoram da máquina e impõem sua vontade, prostituindo o conceito de
democracia. Esses senhores fazem o que querem, escolhem os candidatos e a
distribuição dos recursos do fundo partidário. E o povo? Ora, o povo! O povo é
apenas massa de manobra desses senhores que transformam os partidos políticos
em verdadeiros feudos, nos quais eles mandam e, mais que isso, desmandam.
As eleições que
se aproximam são um exemplo clássico desse proceder. Para angariar votos, vale
tudo, inclusive candidatos inexpressivos, sem plataforma nenhuma, mas que são
simpáticos e possíveis puxadores de votos para reforçarem a votação das legendas.
As redes sociais das quais participo dão um exemplo típico. Tenho recebido
mensagens pedindo meu voto, oriundas de pessoas que conheço e, também, de outras
que não conheço e de quem nunca ouvi falar. Tem de tudo. De pagodeiro a
doutores, de intelectuais a gente do povo, de políticos profissionais a
estreantes, dos que apresentam enredos de planos de ação aos que apelam para a
excitação de sentimentos. No entanto, a grande maioria se apega a nomes como
Bolsonaro ou Lula.
O que esses
senhores e senhoras se esquecem é de que as próximas eleições têm caráter
municipal, têm a ver com o cotidiano da cidade em que moramos; aqui, no nosso
caso, a cidade de Natal, uma urbe cheia de problemas que nunca são resolvidos,
dos mais simples aos mais sérios. Por exemplo: quase ninguém fala do nosso
eterno problema de saneamento básico, do desmantelo que é o transporte público,
da desatualização do Plano Diretor que engessou o desenvolvimento urbano. Há,
dirão, mas esses são problemas que exigem grandes recursos ou grandes trabalhos.
Sim, no entanto é para resolver grandes problemas que existem prefeitos e
vereadores. Os pequenos, os funcionários burocráticos resolvem sozinhos.
O que falta é
vontade política para resolvê-los, inclusive os pequenos assuntos controversos.
Quer exemplos? Temos aos montões. Entram e saem governantes e ninguém resolve a
questão da numeração das edificações de nossas ruas, avenidas e praças.
Localizar um número é enfrentar uma loucura organizada. Em alguns logradores, não
há um segmento lógico, há repetição de números, um número alto é seguido de um
número baixo e assim por diante. Para completar a loucura, a maioria das ruas
não têm placas nos cruzamentos.
Outra loucura é
a altura das calçadas. Saindo dos bairros centrais, encontramos calçadas de
todas alturas, umas baixas e outras altas, umas seguidas das outras. Completam
o quadro da desordem os rebaixamentos ou as elevações para as entradas dos
carros. As pessoas, principalmente as com deficiência de locomoção, que se
lixem.
Não vi nem ouvi
nenhum candidato falar nesses problemas; são pequenos
demais para eles se envolverem. O foco deles é se apresentarem como simpáticos
ou seguidores dessa ou daquela corrente, de direita ou de esquerda. A maioria
pensa apenas em se dar bem.