Abandono e solidão
Padre João Medeiros Filho
Pode-se ler no primeiro livro da Sagrada Escritura a seguinte recomendação: “Não é bom para o homem viver só” (Gn 2, 18). A solidão é dolorosa, leva à depressão e até ao suicídio. Cresce como um dos grandes males da sociedade hodierna. Em muitos condomínios, os moradores são conhecidos pelo número da unidade habitacional e não pelo nome. Por vezes, não se dão conta do que acontece a seu redor. Isso tudo resulta numa solidão povoada. O ser humano é ontologicamente relacional, necessitando de interação. A vida solitária poderá ser um atalho para a morte. O governo britânico criou o Ministério da Solidão. Considerou necessário existir um órgão para cuidar desse problema e dos efeitos desse mal oculto e silencioso. As maiores vítimas são os idosos, marginalizados pela cadeia produtiva e cuja beleza murchou. São indivíduos com atividades físicas e energias cada vez mais limitadas. Muitos não têm a quem pedir socorro, quando sentem o abismo da depressão se abrir sob seus pés. Este segmento se avoluma nas sociedades consideradas modernas e desenvolvidas.
Os idosos de hoje são órfãos de filhos vivos, esquecidos pelos familiares. Por vezes, seus descendentes moram longe com dificuldades para visitá-los. Em certos casos, os pais podem atrapalhar seus sonhos ou planos de lazer e consumo. Muitos não desejam velhos, dificultando seus fins de semana, férias, passeios, festas etc. E o idoso fica em casa, não raro, pequena e de poucos recursos. Onde estão os amigos do ancião? Doentes ou mortos, em boa parte.
As aposentadorias são exíguas, mal dão para as necessidades básicas. Com a idade verifica-se a progressão das limitações e mazelas. O aumento das despesas: plano de saúde, internações, medicamentos, cuidadores e outros profissionais consome suas fontes de renda. A alimentação torna-se mais onerosa, em razão de restrições alimentares. Os filhos ajudam? Alguns, provavelmente. Todavia, nem sempre com a generosidade almejada. Têm outras prioridades: trocar de carro, investir na decoração do lar, viagens nacionais e internacionais (como levar as crianças a Disney ou alhures), participar de eventos sociais etc. E assim, o declínio da vida de inúmeros idosos é marcado por isolamento, demência, em companhia de um cuidador desconhecido. A solidão aumenta com a diminuição das forças, a dependência, o desaparecimento dos círculos mais próximos de amizade. Atualmente, há também o agravante da violência e insegurança urbana, impedindo que haja um maior contato, deixando os idosos praticamente numa prisão domiciliar. A sociedade moderna tem esquecido o ensinamento bíblico: “Diante de uma cabeça branca te levantarás. Honrarás a presença do ancião” (Lv 19, 32).
Alguns se apegam a animais. Quando morre o companheiro de plumas ou patas, a dor é semelhante à perda de um parente. O confinamento vai aumentando. O solitário não tem com quem partilhar experiências, sentimentos, ideias e recordações de momentos agradáveis que trazem alegrias. Sente-se descartado por uma sociedade, em que predominam o utilitarismo e o egoísmo. Há famílias que progressivamente abandonam seus idosos, não lhes preparando um lugar digno. Leva uma vida em meio a pessoas que ignoram a sua existência. Um amigo nordestino, que vivia no Rio de Janeiro e amava a cidade, comunicou-me que estava voltando para a terra natal. Chegou à conclusão de que se morresse lá, só iriam perceber seu falecimento, vários dias depois, devido ao odor.
No Brasil contemporâneo, onde há uma pletora de ministérios, carece a existência de um órgão especial, voltado para os idosos e solitários. Fala-se tanto em políticas públicas, mas inexistem linhas de ação para cuidar deles com dignidade. É preciso encontrar meios para que uma faixa significativa da população não se sinta à margem da existência, empurrada inexoravelmente para a desmotivação do viver e consequentemente para a morte. Na medida em que se aprende a anular o exílio do próximo, a vida tornar-se-á mais humana. Solidária – e não solitária – deve ser a pessoa. Isso significa ter empatia pela dor e tristeza de outrem. Vale lembrar o salmista: “Mesmo na velhice, no declinar da vida, não me abandones, ó Deus” (Sl 71/70, 18).