O texto é grande, mas vale a pena
ler. Foi escrito pelo meu irmão, Pedro Simões Neto, um homem que teve 7 filhos
e que também criava 5 cachorros. É de se pensar sobre o assunto...
Esta foto é da sua cadela Dara,
uma akita que morreu no mesmo dia em que ele partiu, a 01/02/2013.
"Estou ao lado dos que lutam
pela defesa dos animais e da natureza.
Mas, como sempre faço, pauto a
minha atuação pelo equilíbrio, sem exageros, nem fanatismos. Meu pai me dizia
que o equilíbrio estava no meio e o que ofendia a saúde física e mental era o
abuso, nunca o uso.
Amo os animais, especialmente os
cachorros, os pássaros, as lagartixas (não tenho explicação para esta última
afeição) e os vegetais, em particular as flores. Até onde posso intervir, não
permito nenhum saque à natureza. Respeito as rocambolescas investidas do Green
Peace em favor das baleias e contra a matança dos animais em geral, das Ongs
que recolhem animais abandonados, cuidam das espécies em extinção e montam
casas de recuperação para tratar dos bichos feridos. Dedico sincera admiração
por aqueles que chegam às lágrimas diante de cenários dramáticos de extinção em
massa de algumas espécies e dos que põem em risco a própria vida na defesa
desses ideais.
Até concordo com a destinação das
reservas ambientais nas áreas potencialmente dedicadas à agricultura e,
especialmente, à agricultura de subsistência, embora acredite que o planeta é o
habitat do ser humano e que, à parte o exagero ou o abuso, só cumprirá essa
função na medida em que é sua serventia.
Afinal, em última análise, não é
somente a consciência preservacionista ou o instinto de sobrevivência que nos
impele à militância ecológica, é o compromisso que temos com os nossos
descendentes de instituir o legado de um mundo defeso do caos.
Mas, creio, no recôndito da minha
consciência, que a espécie mais ameaçada é a humana. Porque, desgraçadamente,
somos antropófagos. No topo da cadeia alimentar, entretanto, somos dizimados pelos
semelhantes. Entredevoramo-nos. Por isso, questiono-me porque não salvamos a
espécie sujeita à nossa própria sanha? Precisa de alguma justificativa moral
mais vigorosa que a prevenção ao extermínio patrocinado por nós mesmos?
Então? Por que não recolhemos as
crianças abandonadas, atiradas nas ruas à própria sorte, porque não alimentamos
os que vão morrer de fome porque estão abaixo da linha da pobreza, cuidamos dos
que vão a óbito porque não têm assistência médica ou vivem ao relento, sem um
teto para morar, os desempregados que morrem de vergonha pela dignidade que
lhes foi negada...será que é mais difícil lutar pelos semelhantes?
É possível que haja certa
dificuldade em ampará-los, porque, diferentemente dos animais, os seres dessa
espécie pensam, reagem, emitem valores às vezes não condizentes com os nossos,
ou porque são independentes e valem-se do seu próprio arbítrio. Ao invés, os
animais são tão submissos na sua irracionalidade, tão devotados a nós pela sua
fidelidade incondicional, tão subservientes aos nossos humores... Já houve quem
me mandasse um PPS amostrando as vantagens de se adotar um cãozinho ao invés de
decidir-se pelo casamento, exatamente pela máxima sujeição do animal em
contraposição à rebeldia das mulheres.
Devemos dotar-nos de uma
consciência humanística, e não somente a ecológica. Aprendendo a conhecer,
respeitar e conviver com as diferenças existentes entre nós. Exercitar a
tolerância e um sincero sentimento de fraternidade. Não temer ficar em “off” em
relação aos modismos. É..., porque há quem pense que o humanismo é coisa do
passado, é criação ideal dos pensadores medievais, coisa da igreja do Betinho e
do Boff, remodelada do Jacques Maritain... uma doença do “esquerdismo” que
teima em sobreviver ao maremoto neo-liberal.
Vamos resistir a essas
(perdoem-me a expressão) idiossincrasias porque a proposta humanística é boa e
tem tudo a ver com a febre salvacionista do planeta defendida pelos
ambientalistas.
Comecemos pela adoção de uma nova
vertente na temática dos direitos humanos - o estatuto psicossocial das
vítimas, a consideração de uma vitimologia, tal como fazemos com os animais,
dando precedência às vítimas em confronto com os seus predadores. Por que estar
sempre atento à defesa dos direitos dos agressores, sem qualquer consideração
aos direitos das vítimas?
Sejam quais forem os
transgressores - bandidos, policiais, maridos que agridem as esposas, pais que
maltratam e matam os filhos - eles escolheram o seu lado no contexto
sócio-humanitário, exatamente à margem da sociedade, e por isso são
propriamente denominados marginais. Reconhecê-los como sujeitos de direitos é
uma coisa, outra é elegê-los como se fossem eles os agredidos, negligenciando
ou subalternizando as verdadeiras vítimas.
Mantendo o foco e guardando as
proporções, confundir os extremos seria o mesmo que premiar aquele que executa
um animal de estimação, ou o submete a maus tratos, ou o abandona.
(Bem a propósito, só para
esclarecer, evitando que se cometa equívocos, o dicionário eletrônico Houaiss,
no verbete “vítima”, define-a como sendo: “pessoa ferida, violentada,
torturada, assassinada ou executada por outra”, ou, “pessoa que é sujeita a
opressão, maus-tratos, arbitrariedades”.)
Perdoem-me os sociólogos,
antropólogos, cientistas sociais e economistas, mas cansei-me da tese que nos
coloca permanentemente em estado de culpa - aquela que denuncia a sociedade
como responsável pela gênese das transgressões. Seria então a injustiça social
a criadora dos Frankensteins. Mas, meu Deus do céu, onde há justiça social
neste planeta, e se houver um simulacro desse modelo, digam-me se nesse paraíso
a criminalidade é inexistente?
Cansei-me também daquela desculpa
amarela, que nos é conveniente, segundo a qual cabe aos governos cuidar dos
necessitados. Bullshit. Nós somos o governo. Nós somos responsáveis pela
tessitura humana semelhante à nossa. Então, façamos a nossa parte, como os
defensores da ecologia que não aguardam e não requisitam os governos.
O ser humano é predador por
natureza. Foi o processo civilizatório que reprimiu esse instinto, a partir do
despertar de um procedimento racional. Mas, dentro de nós mesmos, habita um
animal que, feito certas doenças, mantém-se em estado latente, aguardando um
momento para se manifestar.
Vamos agir com os humanos como o
fazemos em relação aos animais. Avançando, afoitos, contra os predadores,
agindo sem preconceitos.
Alguém já discriminou um animal
por sua cor – branca, preta, amarela, parda? Por ser macho ou fêmea?
Observe-se que a legislação
ambiental é mais severa com os detratores do meio-ambiente que a ordenação
criminal com os homicidas, seqüestradores, estupradores, pedófilos e
traficantes de drogas.
Essa constatação trouxe-me à
memória um episódio ocorrido em pleno Estado Novo. Quando Luiz Carlos Prestes
amargava as mais cruéis torturas, confinado a um dos porões da ditadura, o
advogado Sobral Pinto, sem alternativas para a defesa do seu cliente, por
verificar que os seus pedidos de habeas corpus de nada adiantavam, com a
suspensão do Estado de Direito, em desespero, decidiu invocar a Lei de Proteção
aos Animais para preservar a incolumidade física do seu maltratado
constituinte.
Vamos “adotar” as crianças sem
lar, famintas, desamparadas, dedicadas aprendizes da escola do vício e do
crime; apoiar o assistencialismo, sim! Por que deixar de dar um pedaço de pão,
um copo d´água ou a ajuda financeira para a compra de um remédio aos esmoleres
que tanto se curvam à humilhação da mendicância para sobreviverem? Será que aqueles
que são implacáveis com os pedintes, chamando-os de vagabundos ou lhes
acenando, por pura provocação um serviço doméstico que não tem a intenção de
oferecer, fazem o mesmo com os animais abandonados, negam comida e socorro aos
gatinhos e cachorros desgarrados, aos peixinhos do aquário?
Que tese “desenvolvimentista”
pode prosperar às custas da inanição, e muitas vezes da morte dos necessitados
que buscam um socorro imediato para a sua emergência? E, se a morte é
anunciada, como a do personagem de Garcia Márquez, por inevitável fatalidade,
argumento usado como desculpa útil para os que entendem a inutilidade do apoio,
então que ao menos seja adiada. Um dia a mais fará muita diferença para quem
não quer morrer.
Recorro sempre a um episódio
relatado por Helena, mulher do notável pensador humanista e escritor grego
(Cretense) Nikos Kazantzakis, que, em fase terminal de uma leucemia agressiva e
impiedosa, teria dito que gostaria de se postar diante de uma imponente
catedral para poder esmolar dos transeuntes e fiéis, um minuto de suas vidas,
para que tivesse tempo suficiente para concluir a sua obra.
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Pedro Simões (Professor de
Direito aposentado. Advogado. Escritor. Cristão e Humanista,
principalmente)"
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O crepúsculo de Dara Fidelíssima na sua irracionalidade, Dara, a cadela Akita do meu amigo Pedro Simões, levou-me a refletir sobre dois diálogos da peça Hamlet, de William Shakespeare. O primeiro, Ato I, Cena V, quando o príncipe faz a Horácio a seguinte observação: “Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que pode sonhar tua filosofia.” O outro, na última cena do Ato V, quando diante do corpo inerte de Hamlet, Horácio exclama: ”Assim estala um nobre coração! Boa noite, gentil príncipe! Que legiões de anjos te conduzam, cantando, ao eterno descanso!” o que aconteceu com Dara é comovente e faz chorar. Mais de um ano distante de Pedro a quem era muito apegada, resistiu numa bravura que desconheço. Na semana decisiva parece que sentindo o abatimento de Jailza, Joventina, Adriana, Maria e Pedrito, Dara deu sinais de que compreendia que o lume da vela enfraquecia perigosamente. Buscou os cantos solitários, recusando o alimento, como se estivesse doando ao dono a própria vida, num gesto solidário que me faz estremecer de emoção. No dia das exéquias, Dara não respondeu ao chamado das pessoas da casa porque acompanhara o falcão no seu voo ao sol. Impossível esquecê-la, branca, linda, meiga, quieta, deitada no terraço enquanto conversávamos. Agora, nos labirintos do universo Pedro e Dara caminham juntos procurando desvendar mistérios. |