quinta-feira, 27 de junho de 2024
O pálio arquiepiscopal
Padre João Medeiros Filho
No dia 7 de julho próximo, Natal presenciará um rito milenar, remontando ao ano 336 da era cristã. Trata-se da imposição do pálio arquiepiscopal a sua Excelência Reverendíssima Dom João dos Santos Cardoso, nosso Arcebispo Metropolitano, pelo Excelentíssimo Senhor Núncio Apostólico no Brasil, Dom Giambattista Diquattro. É um ritual rico de significado e tradição católica. Tal cerimônia acontece pela primeira vez em solo potiguar. Os arcebispos anteriores receberam o distintivo da dignidade de metropolita, no Vaticano. O evento é mais um marco nas mudanças dos rumos da Igreja norte-rio-grandense. Dom João tem se revelado um líder e pastor, conquistando paulatinamente o rebanho com sua simplicidade, firmeza dialogada, escuta atenciosa, responsabilidade partilhada, abertura interior, espírito fraterno e paternal, marcado por amor ao Povo de Deus. Desde os primeiros dias de seu ministério episcopal em nossa terra, tem surpreendido com gestos discretos, porém icônicos. “Bendito o que vem em nome do Senhor” (Mt 21, 9).
Pálio provém da palavra latina “pallium”, antigo manto romano que cobria os ombros, protegendo-os do frio europeu. Isso explica sua confecção em lã. Atualmente, é uma espécie de colar com dois apêndices, em forma de “Y”, com seis cruzes ali bordadas e três alfinetes fixados, lembrando os cravos do Senhor. Originalmente, era privativo dos papas. Depois, estendeu-se aos metropolitas e primazes, expressando a jurisdição delegada pelo Sumo Pontífice. Destina-se aos prelados que assumem um arcebispado. Simboliza a colegialidade episcopal, comunhão com a Igreja e a missão de coordenar uma província eclesiástica.
Conforme historiadores, começou a ser usado na primeira metade do século IV, pelo Papa Marcos. Este estendeu o uso ao bispo de Óstia (Itália), que na qualidade de decano no episcopado presidiu a investidura do Sumo Pontífice. Após o século VI, é concedido aos metropolitas, tornando-se obrigatório, desde o século IX. O ritual inclui a profissão de fé do metropolita e seu juramento de fidelidade ao sucessor de Pedro. O objetivo é recordar publicamente aos investidos com aquela insígnia seu vínculo com a Cátedra Romana, fonte de todas as prerrogativas, fortalecendo assim a comunhão com o Papa. Buscava neutralizar aspirações de alguns eclesiásticos, ansiosos de uma autonomia incompatível com a unidade eclesial.
O pálio detém grande simbolismo teológico e forte dimensão metafórica. Sua feitura com lã de ovelha alude à figura do Bom Pastor, que coloca em seus ombros a ovelha perdida. Deseja relembrar o primeiro ícone da arte cristã, uma imagem de Cristo, Bom Pastor, atribuída ao evangelista João. O arcebispo, como na iconografia religiosa, deverá pôr em seus ombros as ovelhas que lhe são confiadas por Cristo. O pálio é preparado com a lã de cordeiros brancos, criados pelos monges trapistas e posteriormente costurado pelas freiras beneditinas do Mosteiro de Santa Cecília, em Roma. A lã ovina é ofertada ao Papa no dia 21 de janeiro (festa de Santa Inês) e por ele abençoada numa missa solene na basílica, erguida em homenagem à Virgem Mártir, nos arredores de Roma. Uma vez preparados, os pálios são colocados, em 29 de junho, sobre o túmulo de São Pedro para exprimir a tradição apostólica e posterior imposição aos prelados. Inês, em latim, Agnes, significa cordeiro. O arcebispo deverá empenhar-se para que suas ovelhas sejam dóceis e santas. Eis um dos simbolismos do belíssimo ritual que nossa arquidiocese vivenciará brevemente. Será um evento memorável para a história eclesiástica norte-rio-grandense.
A parábola da ovelha desgarrada que o pastor procura no deserto – evocada na insígnia – é para os Padres da Igreja uma imagem do mistério de Cristo Salvador. Sendo veste litúrgica, o pálio deverá ser usado em cerimônias religiosas em sua arquidiocese, mormente nas celebrações eucarísticas. Este é um momento em que o celebrante se assemelha a Cristo, desejoso de que haja um “só rebanho e um só pastor” (cf. Jo 10, 16). A referida vestimenta litúrgica sempre representou a unidade com a Sé Apostólica, simbolizando também as virtudes que adornam a vida daquele que dela se reveste. A cerimônia em Natal expressará nossa comunhão com o Vigário de Cristo. Cabe lembrar a profética frase do Quarto Evangelho: “Houve um homem enviado por Deus, cujo nome é João” (Jo 1, 6).
terça-feira, 25 de junho de 2024
O ATHENEU
LEMBRANÇA QUE O TEMPO NÃO DESFEZ
Valério Mesquita
mesquita.valerio@gmail.com
Naquele tempo, o nosso mundo começava no Atheneu, um nome bonito, sonoro, poético. Era o tempo da felicidade na sua forma mais simples; dos primeiros alumbramentos; dos gestos inaugurais dos amores clandestinos. Falar sobre o Atheneu dos idos 50 e 60, é caminhar numa procissão de relembranças. "Seu Babau, quantas declinações existem no Latim". "Sei não, professor". "Sente, zero. Nominativo, genitivo, dativo, acusativo, vocativo e ablativo." Era o Cônego Luiz Wanderley arguindo o saudoso Raimundo Torquato, apelidado de Babu, mas o padre já declinava no acusativo: "Babau". Vascaíno fanático, só havia um jeito da turma se livrar da terrível chamada oral de latim da segunda-feira: elogiar o Vasco e comentar a sua vitória. No caso de derrota: delenda est Babau! Sem nenhum demérito aos atuais mestres do Atheneu norte-rio-grandense de hoje, mas será que o tempo poderia restituir essa seleção de ouro? Floriano Cavalcante (que ensinava história proferindo discurso); Protásio Melo (que nos influenciou o interesse pelos autores ingleses e americanos); Esmeraldo Siqueira professor de francês (com o seu indefectível charuto, cuja fumaça desenhava no ar os perfis de Hugo, de Daudet, de Vigny, de Balzac, de Gide, etc); Álvaro Tavares (modesto, simples, erudito); Cônego Luiz Wanderley (grande orador sacro e latinista), só para citar aqueles que nos ensinavam diretamente. Nesse universo perdido havia outras figuras inesquecíveis que não travaram contato conosco mas povoaram a mesma amorável galáxia que vai ficar na memória e na moldura do século.
Mensurar o quanto a intelectualidade do Rio Grande do Norte deve ao Atheneu é uma tarefa impossível. Desde o tempo do inexcedível professor Celestino Pimentel, de Alvamar Furtado (o Clark Gable dessa Hollywood Potiguar), Câmara Cascudo (o mais sedutor dos mestres), e toda uma plêiade de professores quase todos absorvidos mais tarde pela Universidade Federal, nos faz deduzir que o Atheneu não foi, apenas, uma usina preparatória e
educadora de gerações mas também de mestres que ajudaram a erigir o edifício de um novo tempo: uma instituição de ensino superior.
O Atheneu de Petrópolis tem o dom da dimensão entre o efêmero e o eterno. Nele há algo mais para se sentir do que para se dizer. O Atheneu é a história de uma fé que se fez realidade. Concebido pelo arrojo arquitetônico extra época, insignes diretores deram vida e estabilidade definitivas ao idealismo renovador do ex-governador Sylvio Piza Pedroza. "Ver bem não é ver tudo, é ver os que os outros não vêem". Nessa frase perfeita de José Américo, Sylvio Pedroza, quem sabe não estaria enxergando longe o embrião
da futura Universidade? Só sei que o tempo respeitou o que nele construiu para depois os próprios mestres, ao longo do tempo, se encarregarem da materialização do seu sonho. Isso porque, é na própria criação que o homem faz descobertas. O mestre Protásio Melo que teve uma vida inteira consagrada ao ensino de gerações, hoje nada "tendo nas mãos que foram pródigas", não viu a hora do silêncio e nem se calou. Abriu as asas de sua pesquisa sobre a História do Atheneu, a história de todos nós. E já entardecia para que se pudesse resgatar esse acervo rico de humanismo e tradição. Só Protásio mesmo, que cresceu nas ervas de Walt Whytm para ainda hoje, nos respingar da água benta de uma aurora, onde foi um dos protagonistas dos mistérios circundantes.
(*) Escritor
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