sexta-feira, 12 de abril de 2024
QUANDO TUDO COMEÇA APODRECER
Valério Mesquita*
mesquita.valerio@gmail.com
O homem social hoje virou ambiguidade ficcional. Previna-se o leitor: não confundir amizade social com solidariedade humana. São manifestações caracterológicas do vivente completamente heterogêneas. O egoísmo, a acomodação, modificadas pelo tom da luz reinante destruíram o sentimento cristão do mundo. O homem cresce, vive e morre numa jaula, limitado às imposições de sua vida miúda, repleta de frustrações e às circunstâncias. Há pessoas que pensam que não vão morrer nunca. Principalmente os que são ricos ou que, pelo menos, pensam. Assim imaginam muitos empresários, políticos, socialites, médicos, usineiros, juristas e outros nomes, renomes e pronomes suspeitos.
Às vezes, diante do infortúnio alheio, ancoram suas amarras no mais profundo silêncio e na mais abominável indiferença. A postura ante o mundo é de desamparo e desalento. Não há lógica própria nessa conduta centrada unicamente na anormalidade do desvio comportamental porque a amizade virou interesse, esbulho, vantagem, lucro.
A humildade e a caridade cristã teriam sido substituídas pelo messianismo dos “pobres de espírito”? Seria ataraxia, morbidez ou equívoco trágico imaginar que ninguém seu morrerá nunca? Mas a vida é um labirinto movida por difusa fluidez temporal, constituída de fases e de fezes (no sentido consumista, digestivo da palavra).
E eu pensava nesse turbilhão do tempo, dos modismos, que o exercício da amizade fosse contínuo, mas é tão “imortal” quanto a hipocrisia de acreditar nos homens que integram as instituições públicas e privadas (culturais, políticas, empresariais, etc). Daí deduzir que toda celebridade quando não é célere e celerada. A corrosão cotidiana da busca pelo dinheiro e pelo poder enferruja com rapidez as “glórias e grandezas” de alguns profissionais que se julgam donos do mundo, quando pensávamos justos e coerentes. As mutações históricas dos valores da personalidade humana, ao que me parece, foram provocadas pela “revolução” dos costumes sociais, principalmente o comodismo, a apatia pelo semelhante, o medo de morrer, as fobias e a falta de religiosidade.
Aí instaura-se um jogo de buscas. O coração desumanizado do selvagem habitante da cidade, que segrega o próximo jamais conhecerá qualquer modalidade de amor, principalmente na noite sem face e derradeira do ataúde, porque em vida foi ausente, insensível, reduzido à condição de bicho. Esse será o calvário do insensato, do que utiliza o poder público como negócio, como moeda de troca. Vai vagar como Caim na noite gelada do tempo sem jamais achar abrigo.
Vale relembrar a canção de Chico Buarque de que “apesar de você, amanhã há de ser novo dia, sem precisar de pedir-lhe a licença para este dia amanhecer...”. É preciso preconizar mudanças, alternância de poder, não a reeleição... O poder nas mãos de um só ou de uma família, sem interregno de oposição, de luta, de sofrimento, vira casta, vício redibitório, potestade maligna e imoralidade insepulta. Vale relembrar aqui a desfaçatez de Frederico II, rei da Prússia, que poderia ser brasileiro: “Tudo para o povo, mas sem o povo”.
Judas Iscariotes começou furtando um pouco o dinheiro da bolsa comum. Isso não parece dizer nada para certos gestores, prefeitos, vereadores, dirigentes de autarquias e demais autoridades parlamentares.
O dinheiro é o verdadeiro inimigo e único rival de Deus. O dinheiro é o “deus visível” em oposição ao verdadeiro Deus que é invisível. Em 1 Timóteo 6:10, “O apego ao dinheiro é a raiz de todos os males”. Daí a mudança ser tão convidativa em nossos dias quando enxergamos, à olho nu, certos administradores do dinheiro público.
(*) Escritor.
quinta-feira, 11 de abril de 2024
Radicalismo e polarização
Padre João Medeiros Filho
O Brasil contemporâneo sofre de fortes manifestações de radicalismo. Talvez não
tenha aprendido as lições do passado. A violência tem estado presente nas últimas
décadas. As conquistas científicas e tecnológicas não impediram a disseminação de
barbáries. Verifica-se o crescimento de irracionalidades, manifestadas em fanatismos,
preconceitos raciais, sociopolíticos, econômicos, religiosos e culturais. Necessita-se de
sólidos investimentos humanísticos para combater tal fenômeno. Sem isto, a pátria, apesar
de tantos avanços técnicos, continuará padecendo de inconcebíveis retrocessos. Dentre os
males que abrem feridas sociais está o extremismo, nutrindo insanidades ideológicas,
absurdos partidários e provocando perdas irreparáveis. Problemas conjunturais agravamse e o Brasil hodierno não consegue dar novos passos, indispensáveis à dignidade
humana. Conta muito a formação das consciências para superar os descompassos
alimentados na mente das pessoas. A busca por grupos com força destruidora é a opção
de parcela da sociedade. Tais segmentos acreditam que seus juízos sobre a realidade são
intocáveis e irrefutáveis. Trata-se de uma postura que faz propagar arrogância, opressão,
injustiça e desigualdade pelos recantos do país. Cabe citar Exupéry: “Para alguém
compreender melhor e tocar outrem, necessita de uma transformação interior.”
Há quem crie um ambiente propício a agressões e ataques demolidores, ao definir o
próprio ponto de vista como o exclusivo critério de objetividade, realismo e verdade. Tomado por
um espírito beligerante na defesa de suas convicções, perde o irrenunciável compromisso com o
respeito ao semelhante. O postulado de muitos é destruir quem diverge e pensa diferente. Há
cristãos que trocaram a espiritualidade pela ideologia, a prece pelas reuniões, a teologia pela
sociologia, a fé pelo tecnicismo, a ética pela conveniência, a solidariedade pelo interesse grupal,
a verdadeira caridade por atos demagógicos. Existe uma cegueira, impedindo de identificar
corretamente perspectivas divergentes. Faltam ações que construam alicerces para o convívio
humano. Os dissensos e discordâncias podem existir, mas nunca justificar agressões, violências e
destruições. Cristo pregou abertura e compreensão: “A nós, portanto, cabe acolhê-los para sermos
cooperadores com a verdade” (3Jo 1, 8). É necessário investir no respeito à vida, superando
divergências e intolerâncias. Nesse caminho, importa cuidar para não eleger sua própria
concepção como norma absoluta na interpretação da realidade. Apegar-se cegamente aos
próprios conceitos, desconsiderando o semelhante, é pavimentar a estrada da polarização. Esta
sói expressar-se de muitas formas, mormente no partidarismo intransigente, levando a
movimentos agressivos e disputas fratricidas. É preciso edificar as bases da estima pelo outro.
Sem o compromisso com a paz e o apreço ao próximo, simples divergências poderão
agigantar-se, desencadeando ataques à integridade humana. O partidarismo aceita apenas o
que endossa ou reforça a sua visão, negando outras perspectivas sobre os fatos. Percebe-se
que para superar o extremismo é necessário exercitar a crítica das influências abscônditas nos
porões do pensamento. Nesse exercício, deve-se cultivar o que gera a paz. Para isso é preciso
estar vigilante para não se tornar hospedaria de ressentimentos motivados por opções
ideológicas, inviabilizando a amizade social. Assim é possível ver com mais nitidez. Mister
se faz contribuir para transformar a própria casa num território de fraternidade.
Não se derrota o mal com a maldade, que sempre conduz a combates violentos e
desavenças homicidas. O bem é alcançado com a bondade, rompendo o círculo vicioso da
mágoa e do ódio. As virulências do radicalismo, não raro promovidas por interesses
econômicos e políticos, pela vaidade da fama, por uma busca pela manutenção das “zonas de
conforto” e por desvios psicológicos, deverão ser enfrentadas com verdade e justiça. A procura
pela promoção do autêntico humanismo apresenta-se como um importante caminho nesse
desafio. A sociedade pode aproximar-se dessa visão humanista ao reconhecer a sacralidade de
cada pessoa. Nisto consiste igualmente a espiritualidade cristã e a mensagem do Evangelho.
Esses passos dependem do cuidado com os códigos que regem o coração humano, o qual não
pode deixar-se contaminar por pessoas e movimentos, eivados de hostilidades. Necessita-se
pautar a convivência pelo respeito às diferenças, contribuindo para consolidar no mundo a paz
e a amizade social. Tenhamos sempre diante de nós a recomendação do apóstolo Paulo:
“Suportar as fraquezas e não buscar em outrem apenas o que nos agrada” (Rm 15, 1)
Assinar:
Postagens (Atom)