terça-feira, 16 de abril de 2024
Irmã Lúcia, apóstola de Caicó
Padre João Medeiros Filho
A população caicoense pranteia a perda de Irmã Lúcia Vieira, uma mulher de
palavras suaves, gestos ternos, coração misericordioso e cheia de Deus. Durante mais de
meio século, marcou Caicó, especialmente o bairro do Abrigo Pedro Gurgel. Animadora
vocacional e pastoral, amiga e confidente de muitos, evangelizadora da juventude, anjo
dos idosos e desvalidos, assim era a nossa saudosa freira. Trocou o clima serrano, onde
vivia, no Ceará pela canícula de Caicó. Revelou um amor ardente pelos pobres, tal qual a
temperatura cálida do sertão. Viveu a recomendação de São Vicente de Paulo a Luísa de
Marillac: “Tereis por mosteiro a casa dos pobres; por claustro, as ruas da cidade; capela,
o quarto dos enfermos; por hábito, a modéstia; e regra, o rosto dos sofridos.”
Irmã Lúcia irradiava felicidade, fruto de sua intimidade com Deus e seu amor à
Eucaristia. Ensinou às pessoas de seu tempo, sedentas de poder, bens materiais e
opulência, que o essencial é a caridade. “Onde estão o amor e a caridade, Deus aí está”
(cf. 1Jo 4, 8), cantamos nas celebrações litúrgicas. Ela via Cristo nos deserdados da sorte.
Estes eram seus senhores e credores. Escutava-os, servia-os, curava-lhes as chagas do
corpo e da alma. Tratava a todos igualmente, com carinho e consideração, pois vivia o
Evangelho: “O que fizerdes a um destes pequeninos é a Mim que o fazeis” (Mt 25, 40).
Encontrei Irmã Lúcia, pela vez primeira, em 1953, na missa solene de Nossa
Senhora das Graças, celebrada por Padre Guilherme Lantman, no Abrigo, onde ela havia
acabado de chegar. Anos depois, como sacerdote, estive várias vezes com a religiosa.
Quando coordenador da pastoral diocesana, tive, em diversos momentos, a alegria de
sentir a grandeza de Irmã Lúcia. Enquanto pároco de São José de Caicó, pude acompanhar
de perto o profícuo apostolado da Filha de São Vicente. Meu primeiro secretário paroquial
em Caicó, Osvaldo Oscar de Araújo, me aproximou ainda mais daquela santa freira. Certa
feita, ela pediu-me para ajudar a pagar a conta de luz do Abrigo, onde residia. O valor da
fatura era um pouco elevado. Irmã Lúcia mantinha ali uma sala bem iluminada para que
os estudantes carentes (não dispondo de boa iluminação doméstica) tivessem melhores
condições para estudar à noite. Solicitou-me ainda que mandasse fazer cópias das chaves
de entrada do Abrigo-Dispensário. Desejava que os estudantes entrassem e saíssem
discretamente sem despertar a comunidade religiosa e os idosos que lá habitavam.
Outra ocasião, pediu-me que eu solicitasse a Dr. Vivaldo Costa para atender os
velhinhos do Abrigo. Adverti que ele era pediatra. Retrucou, dizendo: “Para Deus, todos
são crianças.” De profundo respeito aos cristãos, evitava qualquer gesto de divisão
partidária. Não queria ligar a imagem das religiosas a líderes políticos. Por esse motivo,
acompanhei as primeiras visitas do médico deputado com quem sempre tive laços de
amizade. Por conta de um acaso ou desígnio de Deus, foi ela a autora do epíteto de Dr.
Vivaldo, como “médico da mãe pobre”. Ao comentar a dedicação do referido pediatra
com os menos favorecidos, usou a expressão e um jovem estudante ouviu de soslaio a
referida frase, divulgando-a, assim consagrando a alcunha do atencioso médico.
Irmã Lúcia faleceu em Natal, no dia seis deste mês, com noventa e nove anos, dos
quais sessenta e quatro, marcados pela caridade e dedicados à juventude, aos idosos, carentes,
esquecidos, doentes e excluídos de Caicó. Foi a sua grande missionária. Viveu uma “Igreja
em saída”, segundo as palavras do Papa Francisco. Certa vez, um dos líderes políticos teceu
uma crítica ao clero caicoense: “Alguns padres fazem o enterro dos importantes e ricos. Os
pobres são encomendados por Irmã Lúcia. Ela assiste e socorre os desvalidos na vida e na
morte.” A religiosa não poupava tempo e saúde. Acreditava que teria a eternidade para
repousar. Em nossa última conversa externou o desejo de ser sepultada em Caicó. Mas,
abnegadamente ponderou: “Não me pertenço. Sou de Deus e da Igreja.” Seu corpo descansa
em Natal. Sua mensagem povoa o coração dos caicoenses. Sua alma está contemplando Deus.
Indubitavelmente, ouviu de Cristo: “Vem participar da alegria do teu Senhor” (Mt 25, 21)
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