sexta-feira, 2 de junho de 2023

VOLUME MORTO DA MORALIDADE

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Se um golpe nas instituições democráticas desmoraliza ponderavelmente  o país, pior do que ele é a corrupção de um governo. Outra constatação deplorável reside na legislação punitiva que continua frouxa, lasciva e insuficiente. A Polícia Federal, o Ministério Público fazem a sua parte. Descobrem, flagram, prendem, exibem os ladrões, processam, ouvem delações, depoimentos, testemunhos. Tudo!! Mas a lei, - assim como a carne – ela é fraca, volúvel, iníqua. Não é do bem. Dorme de mala e cuia na cama com o defensor do réu.  O benefício da dúvida faz o advogado botar sempre no bolso. Mas, o dinheiro público foi roubado! Acontece que o povo, apenas, é um detalhe. Pra que tornozeleira eletrônica? Melhor para os gestores desonestos é o supositório eletrônico.

Qual o brasileiro que diante de todos esses escândalos não perde a autoestima? Até mesmo o sentimento patriótico porque o Brasil está desmoralizado dentro e fora das fronteiras. A dimensão do assalto no país é o maior da história político-administrativa universal. Se existissem critérios, princípios, sensatez, os gestores desonestos, renunciariam, mesmo que não tivessem praticados os atos ou serem responsáveis diretamente. Mas, por vergonha, para provar que são honestos e que desejam a apuração isenta de todos os crimes contra o patrimônio do país. Permanecendo nos postos, repassam a nítida impressão que no fisiologismo com os congressistas contaminados e magistrados e ministros poderosos (do próprio governo e de outros poderes), o tráfico de influência deturpa a busca da verdade. Por muito menos, nas democracias de países civilizados da Europa, gabinetes de governo são depostos naturalmente, sem crise, sem crase e sem cruzes. A democracia é soberana. O caráter superior. Mas, a lei do toma lá dá cá, é prostituição.

Outro fato aberrante é a tática do político denunciado ou empresário corrutor negarem permanentemente. “Não sei”,  “Não conheço o delator”, “Nunca o vi”, “A imputação é falsa”, “Essa prática, vem desde os governos anteriores...”.

O abuso da desfaçatez cabe na carapuça de muitos. Acho que a maioria dos brasileiros chegou a exaustão com o noticiário da mídia nacional e da rede social. Entrevistar essa gente é pura carniça. Prefiro o canal musical da tv, que diariamente nos brinda com canções do tempo da jovem guarda. E o de forró daquele época? Vixe... É bom demais.

Ninguém pode negar que hoje existe uma guerra civil, gerada pela droga em toda nação, cujas estatísticas de homicídios exibem uma juventude devastada por revolucionários sociais bem municiada e ocultos, cuja guerra a polícia vem perdendo, paulatinamente. Um país desorientado e com essa multidão de marginais não pode suportar tanta dor e tantas perdas. Sem contar as mortes para o Covid e acrescente-se a falta de assistência de médicos e medicamentos nas UPAS e nos hospitais as filas quilométricas para cirurgias em pobres da rede social do INSS.

E o pugilo da saúde pública nos hospitais da capital? Esse merece veemente repulsa. É um libelo à competência dos administradores. A situação deplorável me infunde a convicção de que ninguém mais se comove com a dor humana. O melhor homem é o homem morto. Vivo é desprezível. Doente e pobre, ele fede. Onde deveriam remunerar melhor, paga-se pior e se gasta menos. Hospital público é a antessala da morte iminente porque está desprovido das mínimas condições de higiene e serviços. Denunciar o estado de calamidade não constitui o meu propósito. Mas, apenas, lembrar ao leitor que o ser humano coisificou-se. Deixou de ser carne inteligente. Hospital - lugar de repouso e cura - virou empório do estado, verdadeiro guardador de rebanho, onde o pobre, sem nenhum plano de saúde, tem defeito de circulação do sangue no corpo à alma. Tenho dito.

(*) Escritor



DO PASSADO E SUAS ANTIGUIDADES


Horácio Paiva * 



Relendo velhos escritos de meu irmão Daltro, que morreu em 1996, eis que fixo a atenção nesse curioso soneto que escreveu provavelmente no início da década de 1960 e que trata da morte de um gatinho que criávamos em Macau, de nome Ariel. Todos gostávamos desse gatinho amarelo e branco. Tínhamos também outro, inteiramente branco, no qual pusemos o nome do centauro mitológico Quíron... mas esta é outra história...


No soneto em destaque, Daltro intercala versos de Augusto dos Anjos, Camões e Baudelaire, entre os seus próprios, produzindo um bom efeito estético.


O GATO ARIEL


Vinte e dois de setembro. Madrugada.

Nem uma névoa no estrelado véu...”

Banhei a face despreocupada,

respirei forte, contemplando o céu.


A Morte se apaixona. Enamorada,

vai-nos a vida para o seu vergel.

Safo de Fáon foste desprezada...

Cavalga a morte fúlgido corcel.


Se lá no assento etéreo se consente,”

Vive tranquilo, as nobres atitudes

de esfinge a olhar além das solitudes...”


Deixaste a vida prematuramente

para melhor cingir justo laurel,

pobre amigo querido, meu Ariel!


(Daltro de Paiva Oliveira – n. 04/07/1937; m. 29/05/1996)


Sobre a lenda de Fáon, escreveu o professor Jônatas Batista Neto, em seu blog JONATASNETO’S BLOG, edição de 08/10/2011:


Fáon, Safo e Alceu: três personagens da ilha de Lesbos, envolvidos numa trama meio histórica, meio mitológica. Os antigos diziam que o barqueiro Fáon - um velho pobre e feio - tinha dado, um dia, carona à deusa Afrodite (Vênus) sem lhe cobrar passagem, naturalmente. Agradecida, a divindade presenteou-o com um frasco de unguento mágico: esfregando-o repetidas vezes sobre o corpo, Fáon recuperou a juventude e ainda conseguiu tornar-se o mais belo homem da ilha, a ponto de deixar todas as mulheres caídas por ele. Até a célebre poetisa Safo apaixonou-se pelo barqueiro, só que, por alguma razão, não teve sorte: rejeitada, atirou-se da falésia de Lêucade e encontrou a morte “nas ondas verdes do mar”. Aristóteles diz que foi castigo porque, um pouco antes, ela havia descartado o notável poeta Alceu, que também morava na ilha.”


A propósito de Safo e Alceu, dois grandes poetas da Grécia antiga, recolho esse interessantíssimo e curioso diálogo poético que se encontra na antologia POESIA GREGA E LATINA, organizada e com traduções de Péricles Eugênio da Silva Ramos (Clássicos Cultrix, Editora Cultrix, São Paulo, 1964), na página atribuída a Alceu:



PALAVRAS DE ALCEU A SAFO


Ó cheia de pureza,

ó Safo coroada de violetas

que docemente ris:


eu te diria de bom grado certa coisa,

se não fosse a vergonha que mo impede.


RESPOSTA DE SAFO A ALCEU


Se quisesses tão só o bom e o belo,

se em tua boca más palavras não tramasses,

não haveria essa vergonha nos teus olhos

e poderias exprimir-te francamente.



A antiguidade clássica grega ressurge, aos nossos olhos modernos, no brilho de uma coroa formada por nove musas humanas, nove grandes poetisas, segundo o saber da tradição e citadas no Epigrama 26, do poeta Antípatro da Tessalônica (sécs. I a.C. – I d.C.) - Safo, Corina, Anite, Erina, Telesila, Praxila, Mero, Nóssis e Mírtes -, mas, de sua produção poética, pouco resistiu à corrosão do tempo e das “intempéries” humanas, às vezes movidas pela intolerância, ficando-nos, porém, fragmentos que atestam a sua grandeza. Assim como este, ainda de Safo, na tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos, que é a nossa chave de ouro no fecho desta breve notícia:


A lua já se pôs,

as Pêiades também:

meia-noite, foge o tempo,

e estou deitada sozinha.”



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(*) Horácio de Paiva Oliveira - Poeta, escritor, advogado, membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN, da União Brasileira de Escritores do RN e presidente da Academia Macauense de Letras e Artes – AMLA.


quinta-feira, 1 de junho de 2023

Mais uma Outra Carta Avulsa de outono (2023)

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes


    Quase no iniciar do inverno, tomo de volta a coragem de escrever, desta feita movido pelos fatos sociais e políticos que ocorrem nesse nosso querido Brasil.

    Primeiramente, deploro inúmeras mensagens recebidas pelo WhatsApp em que se coloca o nome do nosso País como Brazil - perdemos a nossa identidade perante o resto do mundo?

    Pelo lado político parece que sim, nosso governo cantando loas para as pessoas e doutrinas estranhas ao nosso sentimento nativo, este sempre albergado na Cruz de Cristo.

    Os recentes acontecimento no Planalto nos impele a termos vergonha de sermos honestos quando se vê em um dia o firme propósito de parlamentares em não reduzir os mecanismos de salvação da nossa natureza através de Ministérios que lutam pela preservação e, no outro dia, contrariando as notícias de uma imprensa insegura, aprovando uma medida provisória que desmonta um Projeto de Estado que teve peso na hora da escolha dos novos governantes, mediante outra notícia de que mais de um bilhão de reais havia transitado nos acordos para obtenção desse resultado.

    Este meu blog jamais se intrometeu em questões políticas partidárias e assim continuará, mas como cidadão e homem político na percepção Platônica, sou forçado a dar meu testemunho, fazer o meu protesto, em nome do futuro dos meus netos.

    Outro relance desta Carta prende-se ao comportamento social, que claramente se corrompe em todos os vértices da caminhada existencial - no percorrer as ruas (tão diferente quanto aquela foto que recebi do meu irmão do coração Adilson Gurgel, onde se vê a rua do Ouvidor com transeuntes bem vestidos, sem pedintes ou maltrapilhos), sem nenhum preconceito com os mais desvalidos, mas como denúncia da falta de empregos, de política econômica que permita o cumprimento da tarefa mais sagrada do ser humano, o direito ao trabalho e à dignidade humana.

    Esse trajar já não existe no mundo atual, seja nas ruas, nas igrejas, nas reuniões, nos velórios e até nas sessões magnas acadêmicas, onde não se dá ao traje a indicação de respeito ao ambiente.

    Sei muito bem, que estes são os últimos atrevimentos de um homem velho, descendo aceleradamente os degraus da existência, que deixa como legado poucos haveres e muitos saberes e quer ser lembrado sempre como um homem honrado, simples e solidário.

    Para tirar o amargor desta minha Carta, gostaria de enfatizar que, apesar da pouca saúde e de uma idade provecta, ainda consigo laborar em benefício das instituições às quais pertenço até o canto final da jornada. Mas, só deixo o meu Cariri no último Pau de Arara.



quarta-feira, 31 de maio de 2023

 

Voz, palavra e silêncio

Padre João Medeiros Filho

Santo Agostinho, com sua sabedoria e profundidade teológica, mística e poética, discorre em um dos seus sermões sobre a voz e a palavra. A primeira é a sucessão de sons e tons. A segunda, o pensamento organizado. Uma é instrumento; a outra traz conteúdo ou mensagem. A reflexão agostiniana poderá servir de remédio para a verborragia descontrolada do tempo presente, facilitada pelas redes sociais. A pletora de falas nem sempre equivale a diálogo e solidariedade. Na aludida homilia, o Bispo de Hipona refere-se a dois personagens bíblicos: João Batista e Jesus. Aquele denominava-se “A voz que clama no deserto” (Jo 1, 23). E no prólogo do quarto evangelho, identifica-se Cristo como a Palavra. “No princípio era o Verbo e este estava em Deus” (Jo 1, 1).

A voz é efêmera, submete-se à matéria e temporalidade, “sendo uma das últimas coisas que mudam no ser humano”, consoante a brilhante professora Cleonice Berardinelli. A palavra é irreversível. Sem a verbalização consciente e lógica, tudo não passa de ecos. A prédica agostiniana constitui-se em rico ensinamento para a sociedade hodierna, carente de diálogos mais harmônicos e assertivos para garantir a verdadeira liberdade de expressão. O saudoso Dom José de Medeiros Delgado, quando chegou à diocese de Caicó (RN), repetia aos oito padres que integravam o seu presbitério: “Deveis ser “homens de palavra e da Palavra. Chega de falas inócuas.”

Para os cristãos há necessidade de jejum da língua e tirocínio do silêncio, uma das delicadezas divinas para os seres humanos. Na Babel da contemporaneidade tornam-se ainda mais urgentes atitudes de conversão, convergência e unidade. Para isso, requer-se silêncio. A palavra é sua filha. O Verbo divino brotou da eternidade tácita de Deus. Fala-se muito, mas pouco se constrói com a disseminação atual de discursos despidos de sentido e luz. Na verdade, corre-se o risco de prejuízos relevantes. A voz desvinculada da verdade poderá compor um coro de inutilidades. E desnudada da sabedoria ressoa ao ouvido, mas não alimenta o nosso coração.  

Apegar-se ao direito de usar a voz para expressar simplesmente juízos e opiniões não pode ser considerada uma atitude ética e cristã. Para o cristianismo a prerrogativa de expressar-se é indissociável do compromisso com a veracidade dos fatos e falas edificantes. É um dos requisitos para seguir o Evangelho. Hoje, prega-se o direito à liberdade de expressão a qualquer preço, não importando quando, nem como. Mas, censura-se, cala-se, oprime-se e pune-se quem possui discurso discordante. Convém lembrar que a cruz de Cristo é o ápice da censura. A comunicação só faz sentido se construir e não demolir. Não raro, invoca-se o direito à liberdade de expressão para reivindicar, agredir, destruir e não edificar. Os discípulos de Jesus Cristo devem levar mensagens do Bem. Por coerência e fidelidade ao Mestre, o cristão não detém o apanágio de falar o que é alheio à edificação do próximo e à construção da unidade. Imbuído do espírito evangélico, tem a missão de expressar o que pode gerar lucidez e esperança ao mundo. Deste modo, contribuirá para o fortalecimento da fraternidade e dos vínculos sociais. “Quem guarda a própria boca preserva a vida, quem se descuida no falar, causa a própria ruina”, assevera o Livro dos Provérbios (Pr 13, 3).  

Segundo Santo Agostinho, João Batista “era semelhante a um sino, acenando para o Verbo encarnado.” Promoveu o seu acolhimento, revelando-o como “lâmpada para os nossos pés e luz para as nossas veredas” (Sl 119/118, 105). Sendo um discípulo exemplar, o Precursor indicou a Palavra, tornando-se assim referência e modelo de seguidor do Nazareno. É inspiração para aqueles que assumem o compromisso de proclamar a Boa Nova, possibilitando o encontro com Cristo. João se considerava uma fagulha, temendo que o vento do orgulho pudesse apagá-la. Inspirados no exemplo do Filho de Zacarias, os cristãos procurem ser mais simples, valendo-se humildemente dos lábios para anunciar a Palavra, seguindo a recomendação do apóstolo Paulo: “Proclama-a, insiste oportuna e inoportunamente, convence, exorta com toda a longanimidade e empenho em instruir” (2Tm 4, 2). 

terça-feira, 30 de maio de 2023

 

Minha passagem pelo América FC



Atento aos acontecimentos do futebol potiguar e vibrando com mais uma conquista da equipe do América FC (2023), me vem a boa e rica lembrança do ano de 1967, quando, atuando no time rubro, me sagrei campeão da cidade.

Após ter sido bicampeão pelo Alecrim FC (1963 e 1964), iniciei o meu caminho de despedida do futebol profissional motivado pelo meu ingresso no curso médico, aprovado no vestibular do ano de 1964.

Não foi fácil essa separação. E, assim, permaneci atuando no futebol até o ano de 1967, dois anos antes da minha formatura (1969).

O América FC tinha pedido um afastamento temporário do campeonato da cidade, só retornando cinco anos depois, em 1966. Em 1967, o time foi melhor preparado e procurou voltar a lutar por títulos com o seu maior rival, o ABC FC.

Tinha como treinador o ex-atleta Osiel Lago, que, com um trabalho brilhante, conseguiu fazer o América ganhar e levantar a Taça de campeão no ano de 1967.

Apesar de toda dificuldade para encontrar tempo para treinamentos e concentração, aceitei e assumi o desafio.

Fizemos um campeonato impecável e decidimos o certame contra a boa e eficiente equipe do Riachuelo Atlético Clube (RAC) pertencente à Marinha de Guerra, treinada pelo competente Tenente Level.

Tivemos uma final em jogo realizado em uma noite de 4ª feira, com Estádio Juvenal Lamartine super lotado, quando nos sagramos campeões com o resultado de um empate de 1X1.

Naquela noite de 4ª feira, fiz a minha despedida definitiva do futebol potiguar, com um balanço positivo: com dois títulos pelo Alecrim (1963/1964) e 1967 pelo América; e a minha participação honrosa na seleção do Rio Grande do Norte, no certame nacional de seleções estaduais, em 1962.

E, assim, tudo aconteceu em seu tempo certo e oportuno na minha trajetória inesquecível no futebol potiguar. Que fique registrado nos anais do futebol potiguar e não caia no fosso do esquecimento para jamais ser lembrado.

A vida sem história é como um poeta sem poesia, na escuridão e no vazio do tempo.