sexta-feira, 13 de outubro de 2023

 

CONTANDO HISTÓRIAS DO MEU SERTÃO.
O crepúsculo já começara o seu flerte com a Dama da noite. O velho Góis, de forma pontual estava em festa natalícia de um de seus aldeões. Guinés nativos, moqueados em óleo queimado e torrados em panela de barro. Completava era, o velho Chico de Basta, correndo o decênio dos oitenta anos, curtindo o banzo de uma viuvez que já dista mais de dois anos, quando se fora para o além, Márcia de Chiquinha de Domingo dos Pedro Raimundo, sua esposa.
Chico de Basta, é neto do Velho Ramilo e Dina do Maracujá. Gente de sangue e linhagem dos Gonçalves, que aqui aportaram no início do Sec. XIX, nas terras do Riachão de baixo, Amparo pelo favo genético dos Batistas x Araújo, com a alcunha de Pedão, Carabodé, Eloi, e no Maracujá com a expressão da Matriarca Dina.
Mas, voltemos a festa natalícia de Chico de Basta. Que volta e meia falava de sua esposa Márcia de Chiquinha de Domingo. Uma história bonita e de muita cumplicidade. Chico de Basta, nos seus primeiros dezoito anos de vida, foram quase todos vividos na Fazenda Três Riachos, pertencente ao Velho Manoel Ambrósio e a matriarca Generosa. Disse Chico de Basta o aniversariante, que logo na idade tenra, tinha função naquele feudo dos Ambrósios: Toda hora de rancho: Almoço às 9:00 horas da manhã, janta às 15:00 horas e ceia às 19:00 horas. Dava cabo de velho, grande e pesado búzio, produzindo a sonoridade chamativa dos homens braçais, que acorriam à Casa Grande, como formigas velozes para forrarem suas barrigas.
Grassava a década de cinquenta, já com 22 anos de idade, deixa os Ambrósios, e vem morar no Góis, Casa de taipa. A dona da gleba, vez por outra, convocava o Chico de Basta, para pilar arroz em casca. O Dueto era completado com a jovem Márcia, mulher bonita, nova, disposta, a herdeira daquelas terras. As tarefas ocorriam de três em três dias, sobre uma porção de meia cuia de arroz. A sicronia das batidas, e os olhares frontais e harmoniosos não tardaram produzir, aquilo que os literatos chamam de “cio em cupido”. Paixão voraz, platônica, arrasadora. Mas, tinha um problema grande. Márcia era bonita, dona de semente de gado, filha da patroa dos pais de Chico. Chico, enamorado, com uma roupa feita de “arranca touco”, batendo e vestindo, sem teréns para sobreviver, quanto mais para pagar o dote. Descoberto o romance, que entrava de noite à dentro, porém, sem as carnes tremerem. A futura sogra dar as contas do enamorado.
Mas, que depressa, Chico de Basta, corre até o atelier de um artesão da arte de vestir, Luiz Eloi de Souza, o velho troxote, e entrega seis metros e meio de fazenda, para a confecção da roupa de casamento. Na data do casamento, teve direito a ir de carro de passeio preto, do velho marinheiro Saldanha, com chofer de nome Padre Eterno.
Falecida há dois anos, Dona Márcia deixara seu retrato com um perfil de uma das moças mais bonitas dessa ribeira e muito roer do Velho Chico de Basta. Parabéns, Parente velho, pelo natalício, e por continuar sendo o eterno namorada de Márcia. Se você pilou duzentas cuias de arroz olhando para ela, tenho certeza que hoje, se ela voltasse, bateria mil.

segunda-feira, 9 de outubro de 2023

 A NUDEZ DA SOLIDÃO

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Existe uma doutrina defendida pelos monges trapistas do Tibet – até hoje não superada –  de que ninguém administra sozinho. E uma corrente mais ortodoxa complementa: não se ganha eleição sozinho. No Brasil, desde 1947, os pleitos majoritários e democráticos que elegeram Getúlio, Juscelino, Jânio, Fernando Henrique, Collor de Melo, Lula da Silva, Dilma Rousseff e Bolsonaro, resultaram de uma miscelânea de partidos. Todos governaram (?) com as facções que davam suporte político, não apenas no Congresso mas também nos aluguéis dos ministérios. Os novos tempos da Lava a Jato e seus registros criminais sepultaram as disputas ideológicas além das político-partidárias. Abriu-se uma fenda abissal na cabeça do povo que sepultou imenso contingente de seletos malfeitores. Posturas de governos de cama e mesa morrem todo dia vítimas da inexorabilidade do tempo e do fastio do povo.

Levantando-se voo do aerofágico campo de aviação de Brasília, aterrisso no aeroporto Aluízio Alves. Logo na pista de pouso pergunta-se: pode um governante administrar o Rio Grande do Norte sem o apoio popular e com o silêncio do poder legislativo? Nesse quadro de incertezas costura-se o longo caminho de alianças partidárias, políticas, lotéricas, familiares, sindéticas, assindéticas, históricas e histéricas. Fica evidenciado que governo não pode ser de um homem só. E que a política nesse verão é um mar de naufrágios fatais. Para o povo, o político continua sendo aquele indivíduo fraco e defeituoso. E não somente ele, mas todos os poderes institucionais. A máquina estatal tem que diminuir de tamanho e extirpar os privilégios. Vai ter que poupar mais ou tanto quanto a mulher de Patufas que era tão econômica em todas as coisas, que, mesmo fazendo amor, poupava o gemido.

A preocupação hoje é com a voz rouca das ruas para que não se torne amanhã uma bronquite pneumônica. É quando o verbo votar passar a ser intransitivo e irrefletido. Dir-se-á que os políticos abominam mudança eleitoral. O sufocamento da verdade e da transparência nessas transações eleitoreiras, eles consideram um charme e não uma feiura, uma paranóia, tal o corporativismo. No Rio Grande do Norte há um cheiro de pólvora no ar. As aparências não enganam. Vultos furtivos, à espreita, preparam escaramuças. Mãos anônimas tecem fios de discórdia. Há muita vaidade em jogo. A praça 07 de Setembro lança labaredas mais altas que as torres da telefonia celular lá nas dunas que serpenteiam Natal. A meu ver, a aliança da governabilidade está trincando. O compadrio do poder deixa escapar surdos gemidos e não nega, sequer, as flatulências. A temporada gastronômica que precede os abalos sísmicos da política estadual já começou. Querem almoçar bacurau ao molho pardo. E numa churrascaria um grupo de partisans pediram tucanos ao vinagrete.

O fato é que os observadores da cena política, mesmo sendo dezembro um período natalino, estão se surpreendendo sem razão. O ano da graça de 2024 está às portas. Aqui, hoje, sorrisos punhais escondem. Nessas incertezas, se outra for a leitura é porque tá todo mundo enrolando. E a sucessão governamental? Li numa coluna de estudos científicos que a seca no Rio Grande do Norte possui um estranho desígnio de engravidar os partidos políticos. As alianças repentinas sem uso de preservativo podem produzir efeitos deformadores. Estudiosos no assunto já classificam a promiscuidade política como transtorno de conduta. E se ocorrer inverno no início de 2024, a sua fúria pode romper adutoras e até velhos compromissos que não são eternos. Por enquanto, disse-me um prefeito, que “é melhor sofrer no poder do que longe dele”. Lembre-se o gestor público que o verdadeiro dono do mapa da mina é o povo.

(*) Escritor.