sexta-feira, 20 de agosto de 2010

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Com as mãos cheias de poesia

Dr. Olímpio Maciel

“Sem a música, as flores e a poesia eu estaria perdida”. Ficou-me esta confissão da poetisa Ivonne Câmara, feita a uma repórter do Diário de Natal, há seis ou sete anos. De fato, música, flores e poesia têm tudo a ver com a poetisa ceará-mirinense, artista em estado de graça com a vida, de onde recolhe flores, canções e poemas com abundância.
A autenticidade da arte de Ivonne Câmara é tão evidente, tão óbvia, que rompe com a barreira entre as gerações e se identifica naturalmente com artistas das mais diversas escolas e tendências. Um Joca Costa, um Pedro Mendes, um Wigder, uma Rachel, todos se identificam de imediato com seu estilo. E as canções que ela compõe por artes e artifícios de um ouvido miraculoso que prescinde de instrumentos, são capazes de agradar ao exigente gosto musical de um crítico como Jorge Galvão.
Todos esses talentos de Yvonne Câmara parecem encontrar na poesia sua melhor expressão. É que sugere a leitura de seu livro “Mãos cheias de estrelas”, da Câmara3 Editora (Natal, 2000).
Dentre as virtudes que saltam à vista desse livro de recorte tão singular, apontaríamos um que nos chamou especialmente a atenção: a sinceridade poética, ou seja, a capacidade de transmitir a idéia que um poema encerra de forma a que cada palavra preencha uma função única e fundamental de coerência e sentido.
Esses traços ficam perfeitamente claros no poema “Constatação”, que transcrevemos a seguir, substituindo os espaços por barras. Diz o poema: “Sou terrivelmente sentimental,/ Choro por qualquer motivo,/ e às vezes mesmo sem razão de ser/ qualquer palavra amável/ me conquista/ um gesto de carinho/ me comove/ Qualquer passo em minha direção/ de apoio ou interesse por mim/ me emociona/ qualquer insinuação de ternura/ ou afeto/ Um sorriso de simpatia/ Um olhar de amor por mim/ me leva às lágrimas/ Mas, hoje, sinto-me/ miseravelmente triste/ ao constatar/ que nunca mais chorei!”.
O desfecho desse belo poema, que exprime toda a sensibilidade de que uma mulher é capaz de expressar em palavras, é ao mesmo tempo de uma cristalina sinceridade poética, o que vale dizer que ao fazê-lo, a poetisa realizou plenamente seu intento artístico.
Essa alquimia poética, essa carpintaria verbal que parece fruto de um feliz acaso é, na verdade, a síntese de uma progressão poética que chega à sua plenitude. O poema “Constatação” não é, porém, uma exceção entre os trabalhos que compõem “Mãos cheias de estrelas”. Senão, vejamos o poema “Objetivo”, poema que resume com simplicidade e precisão toda uma teoria sobre a arte de fazer versos:
“Em poesia/ o esforço maior/ é escolher as palavras/ arrumá-las/ colocá-las juntas/ umas das outras/ de tal maneira/ que não se agridam/ não se machuquem/ de tal modo/ que umas completem as outras/ e se afinem/ se harmonizem/ de tal jeito que de entre elas/ flua o pensamento,/ se manifeste/ dando-lhes vida e sentido/ e fazendo das mesmas/ veículos de suas mensagens/ de paz, amor e alegria/ de protestos e de contestações/ ou de súplicas e admoestações/ Quando não,/ apenas música e ritmo/ clima propício/ para o prazer de se criar/ algo com que realizar/ seja por alguns instantes,/ a desejada plenitude da alma”.
Poliglota, Ivonne Câmara reescreve alguns dos seus poemas em francês e italiano, o que dá um toque de requinte a uma poesia que já apresenta tantas qualidades na língua materna.
Por essas e outras tantas razões me surpreendo quando alguém, que sei que é um bom leitor de poesia, me confessa que ainda não leu os poemas de Ivonne Câmara.
Não posso negar que me entristeço por essas pessoas, porque sei o quanto elas estão deixando de desfrutar poeticamente. Mas esse é um “mal” facilmente sanável. Basta procurar o livro nas livrarias, bibliotecas públicas ou sebos. Em último caso, tomar emprestado a um amigo mais “atualizado” com a nossa poesia, a qual ainda se mostra capaz de produzir agradáveis surpresas, como o livro “Mãos cheias de estrelas”.
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Enviado por LÚCIA HELENA
CARLOS GOMES - UM PEQUENO GRANDE HOMEM

Óleo sobre tela de Alice Brandão

“Quem acende uma luz é o primeiro a se beneficiar da claridade”. (G.K. Chesterton)

Ele me diz, com voz muito grave e pousada nas palavras (como o pássaro no fio do telégrafo), que está cansado e desanimado e que agora quer descansar. Escrever suas memórias, talvez, realizar, quem sabe, um velho projeto de gravar um disco com as músicas prediletas, coisas da juventude, recolhidas nos programas da Rádio Poti...
Mas a voz sugestivamente musical que se vale da pauta no imaginário fio, é sem propósito, cavilosa, um lamento, um instante de distração do viés alinhavado da idade. Porque, percebe-se o brilho nos olhos, a firmeza da voz, a severidade com que trata a si mesmo. Até quando pede arrego, esgrima com uma retórica que nada mais é que o repositório das muitas decepções e indignações recolhidas no seu longo caminho de aprendizagem existencial.
Ele está com os braços apoiados no birô do seu escritório e olha, distraidamente, como um cacoete ou uma fuga para divagação, o retrato do seu velho pai. Percebo que desvia o olhar, certamente, permito-me a ilação, para não encarar a expressão de censura, somente captada por sua imaginação, desse notável jurista e homem público que nunca transigiu em questões de princípio, nem fugiu da liça dos bons combates.
Como se dissesse: “Que é isso, meu filho?” Ou não dissesse absolutamente nada e o olhar de censura pesasse mais que as palavras. Sei do que estou dizendo, porque era a maneira como o meu próprio pai me punia – com um olhar de doce censura, tristonho, frustrado, magoado.
No retrato, o desembargador José Gomes confronta a máquina fotográfica com serenidade, com um destemor natural, sem afetações. Talvez quisesse registrar a própria personalidade de homem simples que se conduzia segundo a sua própria essência, não quisesse aparentar algo diferente, distante daquele moço de Taipu, criado para ser um “homem de bem” segundo a cartilha dos antigamentes , especialmente do velho João Gomes.
Seu filho, Carlos Roberto de Miranda Gomes, Carlos Gomes, (Carlinhos para meia dúzia de amigos mais chegados) segue-lhe as pisadas na areia movediça da contemporaneidade, em que os valores se subvertem e a filosofia moderna se alicerça no propósito de “ter” ao invés do “ser”. Mesmo assim, ou talvez por isso, acompanha os passos do pai, evitando justapor às dele, as marcas do seu caminhar, porque embora seguindo as pisadas, marcadas indelévelmente no solo imemorial da mesma cidade onde viveram, com o mesmo norte magnético esmo balizado por Themis, a deusa da justiça, o filho forjou o própria molde, usando a mesma têmpera do pai.
Carlos Gomes é um pequeno grande homem – vou brindá-lo com o mesmo epíteto com que designei o meu pai, porque ele não comporta outra qualificação. De altura modesta, é um transcendente no seu íntimo, fato que compensa a baixa estatura, ou talvez a estatura seja um artifício, um engodo, ou um ato de humildade para não fazê-lo vaidoso por ser quem é.
Não temos uma biografia conjunta de longas jornadas. De fato, demos um com o outro na velha faculdade da Ribeira, quando cursávamos direito. Quando ele ingressou, eu estava no segundo ano. Alguém o apontou e me disse tratar-se do filho do desembargador José Gomes, um dos nossos professores de Direito Civil. E que o novo colega era um rapaz muito estudioso e esforçado. O “esforçado” ficava por conta do encargo adicional de uma ocupação formal no mercado de trabalho e de uma vida planejada para compromissos mais duradouros e efetivos.
Sinceramente, deu-me a impressão de um tipo que chamávamos de “Caxias”, equivalente, hoje, guardadas as proporções de tempo, espaço e recursos tecnológicos, a CDF ou NERD. Talvez tenha sido uma avaliação apressada e algo antipática da minha parte, que, áquela época me ocupava com coisas tão diferentes entre si e tão fascinantes quanto a filosofia existencialista, a literatura, a prática de esportes e as atividades sociais. Como me levei muito a sério na infância e na adolescência, descobrindo quem era e o que pretendia ser, realizava então a minha temporada adolescente, na contramão do meu amigo, um engajado nos batalhões da responsabilidade precoce. Alguém enredado nas malhas do exercício da maturidade enquanto os iguais viviam sonhos infanto-juvenis
Cruzávamos um pelo outro e nos cumprimentávamos formalmente. Éramos diferentes, saídos de mundos diferentes emoldurados, entretanto, pelos mesmos valores morais e intelectuais. Derivávamos. Ele, de criação rígida, disciplinada, cartesiana e positivista. Eu, oscilando entre o autoritarismo compensatório de minha mãe e o liberalismo arroubado do meu pai. Sobretudo no tocante à liberdade de pensamento, no descompromisso com doutrinas e dogmas, não apenas permitido, mas sugerido pelo meu pai, que se admitia materialista e ateu.
Mas, confesso, fascinava-me a postura de uma rigidez sem sossego do meu futuro grande amigo Carlinhos. A sua austeridade, o modo como pontificava entre os seus colegas de turma, sempre senhor de uma opinião ponderada, honesta e clarividente. Ele era estimado e respeitado, embora não cultivasse qualquer estratégia para conquistar uma ou outra posição. Nele essas qualificações eram tão espontâneas como o ato de respirar.
Destacava-se, na sua aparência, uns olhos vivos que pareciam captar tudo numa perspectiva de grande angular; o aprumo formal das suas roupas e uns bigodes negros e bem aparados. Pisava firme e decidido. Notei que tinha o hábito de falar, perscrutando ao seu redor, embora concentrado no interlocutor, como quisesse estar certo das suas possibilidades de defesa contra o imponderável, ou buscasse no vácuo uma linha de raciocínio adequada à argumentação.
Soube que trabalhava no Tribunal Regional Eleitoral, era exímio datilógrafo e dono de uma memória prodigiosa, capaz, por exemplo, de referir qualquer lei, decreto, regulamento ou ato normativo, sem consulta a qualquer texto ou repositório. E também que era casado e pai de uma filha. Já assentado no mundo, embora começasse a planejar a sua carreira.
Depois, os anos de chumbo nos afastaram. Perdi-me na voragem do desencanto e do medo, tolhendo-me, por vontade própria, a ânsia de explorar horizontes e de voar livre por espaços inexplorados. Vi-me, em 1965, no Rio de Janeiro, na Fundação Getúlio Vargas , e, retornando, fui contratado pela Prefeitura Municipal de Natal, no governo de Agnelo Alves, como Técnico em Organização e Orçamento, mercê do curso que fizera na FGV.
Em 1967 graduei-me, abandonando a velha faculdade e a convivência à distância com o meu notável colega.
(Nesse meio tempo, entre o pós-golpe militar e a ida ao Rio de Janeiro, apaixonei-me por uma colega de turma de Carlinhos com quem quase me casei, e ela reforçava a versão corrente que dava conta da inteligência, da aplicação aos estudos jurídicos e da integridade do meu amigo.)
Faço uma pausa providencial e necessária, para confessar que o cansaço existencial que atribuo como cavilação necessária ao meu dinâmico e tenaz amigo, é de fato, meu, genuinamente meu. Talvez tenha havido uma transposição motivada por uma sub-reptícia inveja do denodo e da persistência de Carlos Gomes. Cansei-me, porque me dei conta que o ser humano claudica pelo hábito de perseguir as mesmas imperfeições, e de cometer os mesmos erros. Fataliza-se à danação por conta própria.
Eis que, às vezes falta-me alento para animar os meus filhos, como muitas vezes careci de argumentos convincentes para estimular os meus alunos. Nunca Rui de Haia foi tão citado e o desalento tão incorporado ao leguleio dos desesperançados. O crime e os igualmente importantes e temerários pecados veniais das transgressões são composições triviais, empobrecendo as leituras do jornais e as audiências dos rádios e televisões. As tragédias são banalizadas. Os humanos parecem alimentar-se, como os urubus e os vampiros, da carniça e do sangue. E parecem não se importar com a corrupção e o declínio da moral.
Por isso tive a urgência de publicar uma série de perfis de criaturas que reputo comumente extraordinárias, porque conseguem permanecer pessoas comuns, alçando-se sobre os seus pares por praticarem conduta regularmente exigida pela ética, mas desprezada pela maioria.
É necessário essa amostra de modelagem para asseptizar os monturos de lixo, tonificar as mentes em crescimento e formação com exemplos dos que valem a pena, daqueles que, mesmo em minoria, valem por uma multidão.
Carlos Roberto de Miranda Gomes é um desses, dos mais destacados. Íntegro, no sentido de ser um feixe de fibras morais de incrível resistência, capaz de repelir as agressões fisiológicas dos corruptos e corruptores. Correto, na justa medida em que é capaz de aplicar a dosagem certa para cada uma das patologias sociais enfermiças e o justo incentivo à sanidade cívica.
É leal. Os que o conhecem, sabem da sua natureza solidária, fraterna, e, sobremodo combativa, quando se ombreia a alguém na veemente defesa das injustas ofensas e agressões. Eis porque a sua mediação é sempre solicitada nos conflitos corporativos e porque as suas opiniões são respeitadas como editos de sapiente jurisconsulto.
Casado há quase cinqüenta anos com a sua vizinha de ascendência italiana, Therezinha Rosso, mantém com a sua consorte uma relação de amor e de amizade, de um companheirismo bem sucedido. Pai de Rosa Lígia (de quem tive a honra de ser professor na UFRN), Teresa Raquel, Carlinhos (que é colega e amigo do meu filho mais velho, Marcos Frederico) e Rocco – todos graduados em Direito - deles recebeu outros filhos, tornando-se pai duas vezes, feito de açúcar candy, com cobertura de caramelo: Raphael, Gabriela, Lucas e Carlos Víctor, Carlos Neto e Maria Clara, que são as suas alegrias.
Família numerosa e unida, coesa, como aquele feixe de varas que o patriarca mandou os filhos quebrarem, sem sucesso, para amostrar o valor da união. Assim também o fizeram o pai, José Gomes e a mãe, Dona Lígia. Seis irmãos solidários: Moacyr, Fernando (falecido), Leda e Elza (que foram colegas de minha mãe no TRE), Socorro e José Gomes Filho (Zézinho).
Que ampliaram o patrimônio familiar com vinte e dois sobrinhos: José Neto, Flávio, Eduardo, Maria da Graça, Lúcia Maria, Renato, Maria Lígia, Fernando Filho, Clemente José, Gracinha, Rosângela, Eduardo,Itamires Filho, Gracia Maria, Tereza Cristina, José Júnior, José Henrique, Patrícia, Isaac Bruno, Flávia Luciana, Greenfell Filho, Rodrigo e Daniel.
Quem poderia aspirar uma riqueza maior?
Mantém-se como uma espécie de patriarca da família, menos por tradição e mais pelo espírito de clã, solidário, disponível, bom ouvinte e conselheiro, é também aquele cujo socorro é solicitado antes do recurso médico-hospitalar. É o enfermeiro experiente, o curandeiro milagroso que às vezes com a simples presença é capaz de afastar as idiossincrasias da saúde e do infortúnio.
É um ser Intelectual que, aproveitando a carona, como eu, segue a orientação de Chesterton quando esse nos adverte que a idéia sem a expressão, é idéia ociosa e a expressão, sem a ação é uma expressão inócua. Somos, permitam-me aproveitar novamente essa circunstância, homens de ação, executivos, embora criadores, contemplativos, líricos – numa definição, operários intelectuais.
Foi assim quando fizemos parceria para a criação do IBTJ, realizando o primeiro curso de direito para os cidadãos leigos; quando promovemos a edição de livros didáticos com metodologia inovadora, para circulação nas nossas turmas de direito da UnP; e foi assim na campanha pelas eleições diretas na OAB, já referida nos perfis de Adilson Gurgel e Paulo Lopo Saraiva.
Filiei-me a ele, a Adilson, o seu maior parceiro, e a Jales Costa. Enriqueci-me com essa adesão. Fortaleci-me porque pude dar vazão às convicções que mantinha reservadas na minha própria individualidade e encontrei identidade e ressonância nos propósitos que perseguia.
Posso, com essa série de perfis, e com o revigorante exemplo de Carlinhos, vivificar o legado de esperanças no futuro da minha terra, esmaecido e débil pelo campear das nulidades e das indignidades impunes. Porque esses modelos são contemporâneos, graças a Deus não integram ainda o “Era uma vez...” para que um cético não se refira aos exemplos como coisa passadista, sem viabilidade para sobreviver no “front” do contemporâneo.
É tão assustadora a conjuntura político-sócio-fiosófica que alguém já me disse que de nada adiantaria o retorno de Cristo, pois ele seria desprezado como visionário e inútil porque não traria teres e haveres, mas apenas palavras...
O tempo embarcou numa espaçonave no então Cabo Canaveral e, vencendo a gravidade e as distâncias, nos pôs frente a frente no Campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no final dos anos setenta, já amanhecendo os oitenta. Éramos, ambos, professores do curso de direito. Ele, vinculado ao Departamento de Direito Público e eu, ao de Direito Privado.
Até chegar ao magistério universitário, ele palmilhou muito chão de barro. O pai, juiz, fez a circunavegância no interior do estado - Angicos, Canguaretama e Macaíba - carregando na carroceria dos caminhões a mobília familiar, pois os magistrados de carreira, vocacionados para a função como o Dr. José Gomes da Costa, residiam nas suas comarcas para melhor atenderem aos jurisdicionados.
Por esta circunstância, atrasou-se nos estudos, embora os pais hajam feito fibras do coração, distribuindo-os entre casas de familiares para que pudessem estudar, já que a itinerância interiorana do pai tolhia tal iniciativa, já que cursavam o segundo grau e não existiam colégios desse nível nas cidades da judicatura paterna.
Fez o primário no Instituto Batista de Natal; o segundo grau no Ginásio Natal e o colegial no Atheneu. Graduou-se em Direito em 1968.
Teve um longo e proveitoso aprendizado no trabalho, realizado desde cedo, por decisão pessoal, consciente das dificuldades financeiras familiares, sem que tal empenho fosse solicitado pelo pai. Determinou-se a coadjuvá-lo na provisão de recursos, pela limitação financeira do ganho paterno – juiz daquela época ganhava pouco, e, se não aceitasse o subsídio dos governos municipais para manter-se independente, o salário acabava mal fosse recebido.
Tornou-se radialista, comerciário e comerciante e depois servidor do Tribunal Regional Eleitoral. De posse do título de graduação, foi Auditor do Tribunal de Contas e integrou o quadro de Procuradores do Ministério Público Especial junto ao mesmo órgão.
Foi o primeiro diretor da Escola de Contas Professor Severino Lopes de Oliveira e primeiro Controlador Geral do Estado do Rio Grande do Norte. Juiz do Tribunal Regional Eleitoral.
Por onde passou, deixou a marca do dinamismo, da correção e da eficiência. Por isso, foi tão requisitado para o provimento de outros cargos, não necessariamente remunerados, mas de suma importância para algum segmento do mister profissional a que se dedicava, a exemplo da Presidência do Núcleo de Estudos Jurídicos da UFRN (NEJUR) e do Instituto Brasileiro de Tecnologia Jurídica (IBTJ), além de integrante de diversas comissões e grupos de trabalho.
Foi Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Norte. Integra o Instituto Histórico e Geográfico do RN, União Brasileira de Escritores do RN e a Academia de Letras Jurídicas do RN. Foi agraciado com inúmeras honrarias, dentre as quais destacam-se o título de Professor Emérito e Doutor Honoris Causa concedido pela UnP e a Medalha do Mérito Universitário, concedida pela UFRN.
No entanto, confidenciou-me que, a despeito da gratidão e da honra por haver sido agraciado por homenagens tão significativas e importantes, teria sido a exposição de motivos elaborada pelo então Procurador Geral do Ministério Público Especial, professor Múcio Ribeiro Dantas, encaminhada ao governador Geraldo Melo, para concessão da sua aposentadoria, a distinção que mais o sensibilizou.
Foi Professor do Curso de Direito de quase todas as instituições de ensino superior do nosso estado (UFRN, UnP, FARN, FAL, FACEX, ESA, FESMP e ESMARN). É pós-graduado em Direito Civil e Comercial e em Direito Constitucional.
É convidado como consultor e palestrante para assuntos relacionados com a Gestão Pública e se mantém como colaborador de jornais e revistas, além de coordenar um dos endereços eletrônicos mais acessados do nosso Estado, o “Blog do Miranda Gomes”.
É autor dos seguintes livros: Da remuneração dos vereadores, Oração de despedida, A proteção das minorias nas sociedades anônimas, Cadernos de Direito Tributário* (2 vols.), Lei Orgânica dos municípios do Estado do Rio Grande do Norte*, Licitação – teoria, prática e legislação, Curso de Direito tributário*, Cartilha ABC do consumidor, Da imunidade tributária dos aposentados e pensionistas, Manual de direito financeiro e finanças, Licitação – noções elementares, Testemunhos, Cartilha de gestão fiscal e Traços e Perfis da OAB/Rn.
Primeira inconfidência – Pouca gente sabe, mas Carlinhos é dono de uma voz belíssima, que o tempo não descurou. Desde criança era requisitado para se apresentar em festas e nas rádios natalenses. A primeira vez que cantou em público foi no próprio Instituto Batista de Natal e depois no “Domingo Alegre” de Genar Wanderley.
Em 1950 ganhou o concurso da mais bela voz infantil, conquistando o título de “Campeão Vic-Maltema” e com esse galardão, foi contratado pela Rádio Poti, nela permanecendo até 1954. Integrou o elenco de cantores da Sociedade Artística Estudantil e, gravou duas faixas num disco coletivo com os artistas da Rádio Poti e um disco solo na PRE-9, Rádio Clube do Ceará, onde em certa ocasião foi acompanhado por ninguém menos que Evaldo Gouveia.
Gravou também com o Trio Irakitan. Teve um programa semanal na mesma Rádio Poti, denominado “Almanaquinho Seta”, onde também se apresentavam Agnaldo e Selma Rayol. Prosseguiu com entusiasmo a sua trajetória artística até que o Desembargador José Gomes decidisse realinhá-lo para projetos mais concretos e duradouros, exatamente quando a jovem revelação musical se preparava para vôos mais ambiciosos: havia sido convidado para integrar, como profissional, o “cast” da Rádio Tamandaré de Recife, com a promessa de gravar um disco na indústria Rozemblit, dona do famoso selo “Mocambo”
Mas esta é outra estória, e tão fascinante, que não quero roubá-la do meu amigo, que fica nos devendo um livro cujo título sugiro tomar de empréstimo do cancioneiro Luiz Vieira: “O Menino Passarinho”.
Segunda inconfidência – É de índole pacífica. Conciliador e homem contido pela educação, é daqueles que conta até mil para não perder a paciência, porque antes de tudo respeita a dignidade e a compostura alheia. Mas, depois que excede a milésima contagem, que me perdoem o despropósito da referência, mas não resisto ao meu ímpeto nordestino: é igual a um siri numa lata.
Querem ver um homem valente e destemperado, que se pise no calo de estimação: a sua honra, a sua dignidade pessoal.
Terceira Inconfidência – Há uma passagem de muita singeleza da vida do meu amigo que ele recorda com muito orgulho. Foi quando serviu ao Exército (1959) no 16º R.I, na Companhia de Comando e Serviços - CCS. O comandante do Regimento era Dióscoro Gonçalves Vale, conterrâneo do Seridó, que depois chegou ao generalato; o comandante da Companhia era Milton Freire de Andrade que muitos anos depois comandou a Polícia Militar do nosso estado.
Disse-me Carlos Gomes que no serviço militar aprendeu muito civismo e a idéia de igualdade. Recorda que, com muita honra foi distinguido com a Medalha Marechal Hermes, de aplicação e estudo, exatamente no dia da inauguração de Brasília."

Sinto-me lisonjeado e honrado por ser seu amigo. A ligação pessoal me engrandece, é referência curricular e certamente afiançará os seus herdeiros que se valerão dos laços co-sanguíneos para atestar a pureza e a excelência da linhagem.

(*) Vic-Maltema era a marca de um achocolatado dos anos cinquenta que concorria com o Toddy e o Nescau.


PEDRO SIMÕES – Professor de Direito (Aposentado) Escritor e Advogado.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

VERGONHA

ORMUZ BARBALHO SIMONETTI (Presidente do Instituto Norte-Rio-Grandense de Genealogia e membro do IHGRN e da UBE-RN)

Foi com muita tristeza que, pela segunda vez, nesses últimos três meses, visitei as ruínas do que foi, há bem pouco tempo, o Museu Nilo Pereira em Ceará-Mirim RN. No último mês de maio, lá estive no finalzinho de tarde quando voltava de minha chácara, que fica no vizinho município de Maxaranguape. Naquela ocasião fui atraído pela beleza da lua cheia que surgia por trás do casarão do antigo Engenho Guaporé. Construído em meados do Século XIX, mais precisamente em 1850, em estilo neoclássico, o casarão foi residência do segundo vice-presidente da província do Rio Grande do Norte, Vicente Nelson Pereira, genro do Barão de Ceará-Mirim.
Fazia algum tempo que não percorria aquela estradinha que lava ao casarão. Costumava visitá-lo nos anos 80 e 90, quando trabalhava no Banco do Brasil e fazia fiscalização nas propriedades rurais da região.
Aproveitei o ensejo para ver de perto, a situação em que o mesmo se encontrava, pois naquela semana havia me chegado, por e-mail, uma filmagem de vândalos atirando pedras nos vidros que adornavam portas e janelas. Era uma cena deplorável. Uns rapazes filmavam os outros, que naquela euforia bestial, se revezavam em atirar pedras, ao tempo que deliciavam-se com a destruição do patrimônio público e a memória da cidade. Fiquei horrorizado pela cena e lamentei que aquilo estivesse sendo praticado por jovens, que pareciam ser estudantes que para ali tinham se dirigido com esse propósito, já que o museu está localizado em uma área que não é passagem para lugar nenhum.
Infelizmente a situação em que se encontrava o Museu, era pior do que eu havia imaginado. A guarita que fica na entrada, estava em ruínas. Suas portas e janelas foram arrancadas, e parte o telhado já havia caído. A estrada, calçada com blocos de cimento, que dá acesso ao Solar, estava totalmente coberta pelo mato, assim como o estacionamento.
Aproximei-me da porta, mas não tive coragem de entrar, pois como disse, já estava escuro e as casas de marimbondos caboclos, pendiam das portas e janelas em posição ameaçadora. Eram eles, junto com morcegos os guardiões daquele patrimônio. Na entrada principal, impávido, lá estava um grande sapo cururu, bem postado na soleira, como se fosse o mordomo a espera do visitante. Esperava, talvez, alguma mariposa descuidada que por ali passasse em busca dos canaviais, que lhe complementaria sua refeição diária. Fiz algumas fotografias e prossegui viajem.
Hoje, como retornei da chácara mais cedo e estava acompanhado por alguns amigos, resolvi percorrer novamente aquele caminho coberto de mato, que leva ao Museu, com a intenção de mostrar aos amigos que me acompanhavam a situação de abandono que se encontrava aquele patrimônio de inestimável valor histórico. Novamente me senti desconfortável diante daquelas ruínas, principalmente por ele ser parte da história da cidade de Ceará-Mirim, cidade que aprendi a amar e respeitar desde que aqui cheguei no início dos anos 80, para inaugurar a Agência do Banco do Brasil. Fiz e faço parte dessa cidade onde trabalhei durante 23 longos anos e conquistei grandes amigos.
Diante daquele quadro desolador, não pudemos deixar de nos perguntar: onde estão os Órgãos Públicos encarregados de manter e conservar aquele patrimônio? Porque deixaram a situação chegar até esse ponto? Que foi feito do mobiliário antigo que aqui existia? Onde estão as várias peças, confeccionadas em jacarandá, e o belo piano de calda que adornava a sala principal? É bem provável que hoje faça parte da mobília da casa de algum esperto, do tipo que considera o patrimônio público, como privado.
Adentramos ao casarão e pudemos constatar o que já imaginávamos quando chagamos próximos a entrada principal. Um verdadeiro espetáculo de destruição. Para todos os lados que olhávamos e por todos os cômodos que passávamos a visão era a mesma. Cheguei ao pé da bela escada de madeira que lava ao sótão e resolvi subir. Temeroso pela minha segurança, pois não sabia o estado que ela se encontrava, prossegui degrau por degrau até chegar lá em cima. A todo tempo me desviando de morcegos e marimbondos, consegui chegar são e salvo até a parte mais alta do velho casarão.
O sótão, composto por vários cubículos, é beneficiado por uma boa ventilação. Uns compartimentos com mais altura e outros, acompanhando o telhado, terminam em locais tão baixos que não permitem uma pessoa ficar em pé. No centro, onde fica a parte mais alta, uma janela para o nascente e outra para o poente, compõem sua arquitetura. Daquele local a visão é deslumbrante. Para o nascente se descortina o verde vale com seus canaviais ondulados ao sabor do vento. Para o poente vemos alguns coqueiros centenários e por trás deles o verde escuro da mata, que esconde aos pouco o crepúsculo que chega com o final da tarde, também constitui uma visão maravilhosa.
Ainda foi possível observar que a última seção do corrimão da escada, que também servia de parapeito, havia desaparecido. O piso ainda apresenta bom estado, em virtude de ter sido feito com madeira de lei. Entretanto, não pude deixar de notar que algumas tábuas estavam soltas, como se alguém as tivesse “preparado” para lavá-las em outra oportunidade. Talvez a mesma pessoa que se apropriou indevidamente do corrimão da escada.
Quando já me preparava para descer, fui surpreendido com uma visão inusitada. Num canto do corredor, que separa as duas extremidades da casa, quase despercebido, lá estava imóvel e bem acomodado, o velho cururu. Não sei como o batráquio conseguiu chegar até aquele local, pois para isso, teve que vencer três lances de uma escada íngreme e de degraus muito estreitos.
Mas, o importante é que ele conseguiu, pelo simples fato de ter tentado. E nós porque não tomamos o exemplo daquele velho morador do museu e também tentamos fazer algo para salvar aquele monumento enquanto as paredes ainda resistem ao abandono, ao descaso das autoridades e ao ataque dos vândalos?
Por que não tentamos conseguir um pouquinho do nosso suado dinheiro, que principalmente nessa época, é usado na compra de votos e consciências desse nosso povo sofrido e culturalmente ignorante, para recuperar uma parte da nossa memória? É justamente MEMÓRIA o que mais nos falta. Está literalmente em nossas mãos a oportunidade de mudar, escolhendo administradores comprometidos com a melhoria da Nação, principalmente no que se refere à educação. Um povo sem educação é presa fácil e sempre será refém de políticos espertalhões.
Natal, 13 de agosto de 2010.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

domingo, 15 de agosto de 2010


A GENIALIDADE DE NEWTON NAVARRO

Odúlio Botelho Medeiros-ex-presidente da OAB/RN



Tive o prazer e a felicidade de ter conhecido e convivido com o pintor e poeta Newton Navarro. Vivenciei, portanto, o seu lado boêmio e o seu valor cultural. Quando em estado de “graça”, apesar de não lhe fugir à genialidade, tornava-se irônico e, de uma certa forma, polêmico. Todavia, esse comportamento diferenciado é próprio dos poetas, que são rebeldes por natureza. E esse conviver esporádico com o grande artista deveu-se à amizade que ele manteve com meu irmão Emanoel Botelho (Maneco, que se foi para o Estado do Pará e nunca mais voltou) e com Nei Leandro de Castro, tudo nas décadas de 50/60, nos velhos tempos do Granada Bar, que funcionava na Avenida Rio Branco em Natal.

O Granada era, com toda certeza, o centro cultural da boêmia natalense. Nos seus corredores e nas suas mesas não era difícil àqueles da minha geração encontrar figuras como Câmara Cascudo, Luís Carlos Guimarães, Nei Leandro, Jurandyr Navarro, Berilo Wanderley, Diógenes da Cunha Lima, Nilson Patriota, Sanderson Negreiros, Moacir Cirne,Veríssimo de Melo, o próprio Newton Navarro, talvez o seu mais assíduo freqüentador, Luis Rabelo, que fez escola na literatura norte-riograndense, na opinião dos críticos da época.

A minha geração, essa geração do pós-guerra, foi muito rica em valores intelectuais e boêmios famosos, como Roldão Botelho, Luís Tavares, Alexandre Garcia, Valter Canuto, Nei Marinho, Antônio Elias França, e seu filho Glicério, Gil Barbosa, Luís Cordeiro, Castilho, Raimundo do Cartório, Albimar Marinho, a figura mais pitoresca da cidade. Ao encontrar o advogado João Medeiros Filho, indagava-lhe cheio de prosopopéia: “e então, Dr. João Medeiros, o direito continua líquido e certo?”. Isso era ótimo! Peço venia aos outros que aqui não foram mencionados. Eram tantos e tantos que os seus nomes não comportariam nesse pequeno espaço. Natal era uma festa!

Na verdade, o que me inspira mesmo a escrever essas reminiscências é a grandiosidade de Newton Navarro. Entendo que Natal esqueceu muito cedo o seu maior artista, ou melhor, possivelmente um dos mais completos intelectuais na modesta maneira de eu enxergar a cena urbana da cidade. Sendo um intelectual polivalente, Newton foi o mestre maior da pintura nordestina. Além disso, era excelente cronista, com as suas estórias curtas, ricas de beleza e criatividade. E que dizer de sua poesia? Lembro-me que foi ele quem desasnou o grande Nei Leandro para a vocação poética, ao dar-lhe régua e compasso para esse difícil campo das atividades humanas. Além das citadas qualidades, ainda escreveu peças teatrais, literatura infantil, perfilando no campo da oratória, a meu ver o mais completo orador de sua geração, com atuação em todos os campos do discurso: sacro, popular, em recinto fechado, em palanques públicos, em grandes eventos sociais e, principalmente, nos bares da vida. Nesses é que os homens revelam os seus melhores sentimentos e os seus dotes humanitários.

Destacou-se, também, como novelista...(De Como se Perdeu o Gajeiro Curió). Não se pode esquecer o Newton folclorista, cultor dos fandangos, cheganças, bumba-meu-boi, lapinhas, pastoris, cocos de roda, maxixes, xotes, e tantas outras manifestações populares atualmente esquecidas e em desuso.

Tudo isso, Djalma Maranhão incentivava na condição de Prefeito de Natal. Foi, inegavelmente, o mais lírico e popular prefeito desta cidade de xarias e canguleiros. A obra deixada pelo genial escritor é significativa, por ser variada e múltipla; Poesias: Subúrbio do Silêncio; ABC do Cantador Clarimundo. Crônicas: 30 Crônicas Não Selecionadas. Contos: O Solitário Vento do Verão; Os Mortos são Estrangeiros (o seu livro preferido); Do Outro Lado do Rio, Entre os Morros. Novela: De Como se Perdeu o Gajeiro Curió (o escritor Nilo Pereira afirmou que esta novela deveria ter sido filmada). Teatro: Um Jardim Chamado Getsemani; O Caminho da Cruz – uma Via Sacra encenada ao ar livre, em Natal, pioneira nesse ramo teatral; Hoje tem Poesia, encenada no TAM; O Muro, encenada no TAM. Além dessas, existem muitas outras peças inéditas que sua mulher Salete Navarro esperava que fossem publicadas, por quem de direito. Salete lutava ardentemente pela criação de uma fundação para que a obra do grande escritor não viesse a perecer.Morreu sem poder realizar o seu sonho!

Inesquecível Newton Navarro, falecido aos 63 anos de idade, receba esta crônica pelo menos como uma homenagem da minha geração. Ainda bem, que agora, o atual governo prestou-lhe merecida homenagem ao denominar Ponte Newton Navarro, essa grande obra de integração urbana e social. Somente assim Newton, essa cidade continuará sempre sua.