sábado, 6 de janeiro de 2018


Carlos Heitor Cony morre aos 91 anos no Rio

  


Cony durante entrevista em sua residência localizada na Lagoa, na zona sul do Rio de Janeiro - 

MAURO PIMENTEL / FOLHAPRESS (6/1/2018)


O romancista, escritor, jornalista e colunista da Folha, Carlos Heitor Cony morreu por volta das 23h desta sexta-feira (5) aos 91 anos, no Rio de Janeiro. Ele estava internado no Hospital Samaritano e morreu em decorrência de falência de múltiplos órgãos. A informação foi confirmada pela ABL (Academia Brasileira de Letras), da qual ele era membro desde 2000.

O Carlos Heitor Cony que conhecemos -cronista ácido e lírico, romancista prolífico de texto ágil e conciso- forjou-se de uma brincadeira e de uma clausura. A primeira se deu aos oito anos de idade, quando o garoto, que por problemas de formação pronunciava ditongos com dificuldade e trocava letras ao falar (o "g" pelo "d", por exemplo), foi desafiado pelo irmão mais velho e amigos, numa festinha, a dizer "Dona Jandira adora um fogão".

Ingenuamente, disse-o, e foi objeto de agressiva caçoada. Angustiado, em seguida escreveu "fogão" inúmeras vezes numa folha de papel e mostrou-a ao mesmo grupo, que nisso não viu graça alguma. Donde o menino concluiu que, se não falava direito, podia escrever corretamente e ter, na escrita, uma forma de defesa e de manifestação da qual ninguém podia caçoar.

Nascido em 14 de março de 1926, em Lins de Vasconcelos, zona norte do Rio de Janeiro, Cony fora considerado "mudo" pela família até os quatro anos de idade. Só emitira o primeiro som ao levar um susto na praia de Icaraí (Niterói) ante o surgimento de um hidroavião vermelho vindo do mar em direção à areia. Em 1941, quando já estava com 15 anos, uma cirurgia poria fim ao problema.

Já a clausura -segundo pilar do Cony que conhecemos- foram os anos passados no Seminário Arquidiocesano de São José, no Rio Comprido, de 1938 a 1945, período em que estudou os clássicos gregos e romanos, praticou diversas línguas, conheceu música lírica e, principalmente, trocou muitas idéias, em especial consigo mesmo.

Do seminário, onde ingressara por vontade própria e de onde saiu aos 19 anos e meses antes de obter a tonsura, Cony herdou grande capacidade de concentração e o hábito de sempre se ocupar com alguma coisa, o tempo inteiro, além do gosto pela liturgia. Mas conheceu, também, o valor da dúvida, a experiência dolorida da ruptura e o alto custo a pagar pela livre expressão de pensamento e opinião.

Em "Informação ao Crucificado" (ficção com tonalidade autobiográfica em forma de diário publicada em 1961), o jovem seminarista João Falcão relata o tenso e decisivo diálogo no qual, acuado, respondendo a uma pergunta do Senhor Arcebispo ("por que você quis ser padre?"), explicava: "Porque achei bonito ser padre. Bonito e difícil". Pouco a ver com "levar almas a Deus" ou com apego religioso, portanto. Réplica do Arcebispo: "...ou você muda radicalmente sua maneira de pensar, ou faça-me o extraordinário favor de abandonar o quanto antes o Seminário".

Ao longo dessa experiência, solidificou-se uma personalidade marcada pelo ceticismo, alérgica a grupos -fossem ou culturais-, assumidamente individualista e, por isso mesmo, também errática, imprevisível. Em maio de 2000, no discurso de posse da cadeira número 3 da Academia Brasileira de Letras, Cony definiu-se, citando Eça de Queiroz, como um "anarquista entristecido, humilde e inofensivo". "Não tenho disciplina suficiente para ser de esquerda, não tenho firmeza suficiente para ser de direita e não tenho a imobilidade oportunista do centro".

Em 1946, aos 20 anos, como quem busca um novo eixo, o ex-seminarista ingressa na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Abandona a instituição, porém, no ano seguinte. De 1948 a 1950, frequenta o Curso de Preparação de Oficiais de Reserva (CPOR). Nesse intervalo, casa-se em 1949. Nascem as filhas Regina Celi (1951) e Maria Verônica (1954). Ao longo da vida, Cony teve mais três casamentos formais e duas uniões informais -além de um filho, André Heitor, nascido em 1973.

Jornalismo

Filho de Julieta de Moraes e do modesto jornalista Ernesto Cony Filho -morto em 1985 aos 91 anos e celebrizado em 1995 como protagonista de "Quase Memória"-, Cony ingressa oficialmente no jornalismo aos 26 anos, em 1952, como redator na Rádio Jornal do Brasil. Antes tivera passagens como "setorista" da Gazeta de Notícias na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em substituição ao pai. Foi também no lugar do pai -vítima de uma isquemia cerebral- que Cony passou a ser credenciado pelo "Jornal do Brasil", em 1955, na Sala de Imprensa da Prefeitura da cidade.

O primeiro romance ("O Ventre") é escrito nesse ano. Em 1956, o autor o inscreve sob pseudônimo para o Prêmio Manuel Antonio de Almeida, concurso da Prefeitura. A comissão julgadora considera o livro "muito bom", mas nega-lhe o prêmio por achá-lo forte demais para um certame oficial. Em apenas nove dias, para cumprir o prazo de inscrição, o autor produz seu segundo romance, "A Verdade de Cada Dia", e com ele vence o concurso, em 1957. Com "Tijolo de Segurança", recebe o mesmo prêmio, em 1958.

Os três romances viriam a ser publicados respectivamente em 1958, 1959 e 1960 pela Civilização Brasileira, dirigida por Ênio Silveira, que "adota" Cony como autor de ponta da prestigiosa editora. Seguem-se "Informação ao Crucificado" (1961), "Matéria de Memória" (1962) e "Antes, o Verão" (1964).

Nessa inusitada avalanche de romances, a crítica observou a composição de um retrato impiedoso da classe média carioca, em compasso existencialista com elevada dose de autocomiseração, assim como a expressão do vazio individual, da incomunicabilidade e da ausência de perspectivas coletivas -tudo isso, na perfeita contramão da euforia da era Juscelino Kubitscheck. Voluntária ou involuntariamente, Cony já assumia, em todas essas obras, a postura muito própria de enfrentamento que marcaria toda a sua trajetória pessoal e profissional.

Ao comentar "A Verdade de Cada Dia" em 1961, o crítico Paulo Rónai classificava os romances de Cony como "chocantes e pungentes", com um "lugar definitivo na história da ficção brasileira". Na "História Concisa da Literatura Brasileira", Alfredo Bosi via a obra do autor como uma "experiência cortante de neo-realismo psicológico".

O projeto inicial do ficcionista, segundo confidenciou o próprio em diferentes ocasiões, era compor um conjunto de dez romances, uma série sobre a "condição humana". Auto-ilusão, sem dúvida, pois Cony, desde o início, sempre foi, acima de tudo, uma máquina humana de escrever; vulcânica, acelerada, infatigável, fora de controle do próprio dono.

Não só produziu bem mais do que dez romances (foram 16 no total), como enveredaria incansavelmente pela crônica e outros vários gêneros: romance-reportagem, biografias, ficção infanto-juvenil, adaptações de clássicos nacionais e estrangeiros. No total, sua produção reúne 65 publicações, sem falar naquelas realizadas em parceria ou a participação em coletâneas.

Certamente não tinha preocupação de fazer obras-primas. Escrevia, simplesmente, de modo compulsivo, como extensão, no papel, de sua fisiologia. Muitas vezes se classificou como um autor "sem estilo" -embora, segundo diferentes críticos, isso esteja longe da realidade. Sempre auto-irônico, disse numa entrevista: "Acho que já poluí demais o mercado editorial. O Ibama deveria tomar uma providência contra mim".

Cronista

Se o reconhecimento literário veio cedo, expresso em prêmios e resenhas elogiosas, foi como cronista -cuja estreia se deu em 1962 no "Correio da Manhã" (onde fora contratado em 1960 como copidesque e depois editorialista)- que Cony surgiu para uma faixa mais ampla de leitores. A coluna, em revezamento com o escritor Otávio de Faria (1908-1980), chamava-se "Da arte de falar mal".

Quando de sua reunião em livro, em 1963, o crítico Fausto Cunha destacou o domínio da língua e a temática individual, elogiando-lhe, entre outros aspectos, a "audácia da afirmação", uma qualidade, segundo ele, ausente em "nossos cronistas".

A explosão pública de Cony, porém, ocorreria no ano seguinte, logo após a implantação da ditadura militar, em 1964. E não por acaso. Avesso a grupos, sem laços partidários nem compromissos programáticos, o cronista pôde se dar o luxo de, a partir de abril daquele ano, agir por instinto, atirar sozinho, expor-se como e quando achasse melhor em reação à implantação do regime militar.

As crônicas dos dias e semanas imediatamente posteriores ao Golpe são de uma ousadia sem igual em toda a imprensa. Cony dava nome aos bois. Chamava o golpe de "quartelada", ironizava a presença político-militar dos Estados Unidos no país, investia contra os altos comandantes do novo regime. O impacto de seus textos era proporcional ao pasmo que tomara conta da maior parte dos setores atingidos pelo golpe, ainda mais por serem provenientes de um autor antes freqüentemente tachado de "alienado" e individualista -rótulos que ele próprio, diga-se, nunca rejeitou.

"Era o nosso respiradouro", escreveu em 1996 Moacyr Scliar. Testemunha o também escritor Luiz Fernando Veríssimo: "Em pouco tempo, aquele ato, ler o Cony, se tornou um exercício vital de oxigenação para muita gente, e a sua coluna uma espécie de cidadela intelectual em que também resistíamos -mesmo que a resistência consistisse apenas em dizer "É isso mesmo!", ou "Dá-lhe, Cony!", a cada duas frases lidas. "Leu o Cony hoje?", passou a ser a senha de uma conspiração tácita de inconformados passivos cujo lema silencioso seria "Pelo menos, eles não estão conseguindo engambelar todo o mundo".

Os relatos da noite de autógrafos de "O Ato e o Fato, livro que reuniu essas crônicas poucos meses depois de publicadas em jornal, dão conta de um sucesso retumbante: mais de 1.600 exemplares vendidos na ocasião; edição esgotada em poucas semanas.

Aquilo que socialmente aparecia como protesto politizado, engajamento determinado e firme, tinha para o autor, porém, um sentido diferente, particular: mais dever de consciência do que atitude programática. Cony explicou certa vez: "(...) não tive motivação política alguma para escrever como escrevia (...) não estava em jogo o fato político: estava em jogo, em grande parte, um lado humano. Pessoas que trabalhavam comigo desapareciam, eram espancadas nas ruas, eram torturadas... Foi um espetáculo deprimente, abominável (...) Isso tudo me enojou de uma tal maneira que eu comecei a escrever sobre o assunto. E com uma violência toda pessoal".

A ousadia valeu-lhe fama e simpatia, mas custou-lhe, também, inúmeros transtornos. As filhas foram ameaçadas por militares, que rondavam o prédio onde Cony morava, no Posto 6, em Copacabana. O então ministro da Guerra, general Costa e Silva, moveu ação com base da Lei de Segurança Nacional, considerando as crônicas ofensivas às Forças Armadas. Mais tarde, a defesa do jornalista conseguiu que o processo ocorresse sob a Lei de Imprensa (em que as penas eram menores). Cony foi condenado a três meses de prisão, com direito a sursis.

De 1964 a 1972, sofreria 12 processos, sendo detido em seis oportunidades; na mais grave delas, ao final de 1968, com a decretação do Ato Institucional N° 5, chegou a ficar quase um mês na prisão. Em 1965, sob pressão, o escritor deixa o "Correio da Manhã" e começa a trabalhar nas Edições de Ouro (Ediouro) -fazendo adaptações de clássicos, traduções e prefácios-, além de colaborar com diferentes publicações. Chega a escrever uma telenovela ("Comédia Carioca") para a TV Record, censurada.

No começo de 1966, sai o romance "Balé Branco", dedicado a Carlos Drummond de Andrade, Austregésilo de Athayde, Alceu Amoroso Lima e Fernando de Azevedo, os quais haviam deposto em favor de Cony na Justiça durante o processo que sofrera pela ação de Costa e Silva.Nesse período publicaria, entre outros livros, uma coletânea de contos ("Sobre Todas as Coisas", 1968) e produziria, para a Bloch Editores, reportagens que mais tarde redundaram no livro "Quem Matou Vargas?" (1972).

A Civilização Brasileira edita em 1967 o mais polêmico dos romances do autor: "Pessach: a Travessia", obra que tematiza o drama vivido por boa parte da esquerda e da intelectualidade em relação ao engajamento ou não na luta armada contra a ditadura. Embora com uma orelha assinada pelo filósofo Leandro Konder, um dos responsáveis então pela política cultural do Partido Comunista Brasileiro (PCB), o livro é explicitamente crítico quanto ao papel desempenhado por essa organização no enfrentamento ao regime.

Primeira ficção com fundo político de Cony, "Pessach" causou debate até mesmo na sua reedição, em 1997, oportunidade em que o autor afirmou ter sido boicotado à época pelos jornalistas e intelectuais ligados ao PCB na difusão do livro -denúncia contestada por dirigentes comunistas daquele período como Ferreira Gullar e o próprio Konder.

Em circunstâncias políticas e pessoais desconfortáveis, Cony viaja ao exterior, passando por Paris, Moscou, Praga e Havana. Na capital cubana -inicialmente como jurado do concurso Casa de Las Américas-, permanece durante onze meses, entre 1967 e 1968.

Sem perspectiva profissional, na volta ao Brasil Cony aceita o convite de Adolpho Bloch para trabalhar no seu grupo editorial -cujo apoio aos governos militares era explícito-, onde permaneceria por cerca de 30 anos. No dizer do próprio jornalista, foi uma opção por ajustar-se a uma espécie de "prisão de luxo", com bons salários e viagens constantes ao exterior.

Ali, de início, ajudou a finalizar o livro das memórias de Juscelino Kubitschek, para depois exercer sucessivamente diversos cargos executivos, dirigindo revistas de entretenimento como "Ele & Ela", "Desfile" e "Fatos & Fotos". Em meados dos anos 1970, passaria a escrever para a "Manchete", carro-chefe da Bloch, datando de 1976 a entrevista que realizou com o delegado Sergio Paranhos Fleury, do Dops, então símbolo maior da aplicação da tortura no Brasil, fato que lhe rendeu ainda mais animosidade por parte da oposição ao regime.

Para a esquerda, ao integrar o grupo de Bloch Cony fizera uma espécie de pacto com o diabo. Para a geração mais nova, que começava a entender alguma coisa apenas em meados dos anos 70, seu nome já se associava, ainda que indiretamente, à zona de influência do regime -o mesmo que ele combatera anos antes de modo tão escancarado e impetuoso.

Mas o "lobo solitário de feroz individualismo" (expressão de Ênio Silveira) não estava nem um pouco incomodado com tudo isso. Arredio, reagiu de maneira bem própria, bem "conyniana", escrevendo o romance "Pilatos" (1974). Trata-se de um livro cáustico, com traços escatológicos e pornográficos, cujo protagonista, um sujeito que fora castrado depois de sofrer um acidente, perambula pelas ruas do Rio com seu pênis preservado num vidro de compota.

Um texto "originalíssimo (...) não tem semelhança com nenhuma outra obra da literatura brasileira", nas palavras de Otto Maria Carpeaux. "(...) Este romance pede inteligências abertas, capazes de descobrir, em meio à falação desabrida, ao grotesco à la Goya ou à mordacidade à Daumier, o quanto há de humano, sofrido e pungente nessa parábola escrita antes com sangue e lágrimas do que com riso", analisava Mário da Silva Brito.

Cony sempre viu em "Pilatos" o seu melhor livro. Não tanto pelas qualidades literárias, mas principalmente por ser, segundo dizia, o único que o expressava integralmente e que só ele poderia ter escrito. Com essa obra, ele "chuta o pau da barraca", à esquerda e à direita. Lava as mãos e se despede da ficção.

Nesse período, segundo contava, vivia feliz, um "clone às avessas do seminário". Sentia-se bem casado, passou a andar com rabo-de-cavalo, vestia calça vermelha, pintava quadros, viajava. Teve um filho e uma neta. Assessorava Bloch em assuntos pessoais e profissionais. Publicou livros-reportagem e pequenas obras infanto-juvenis. No final da década de 1980, chegou a assumir o departamento de teledramaturgia da TV Manchete e a esboçar sinopses de novelas como "Kananga do Japão" e "Dona Beja".

Por que deixou de produzir literatura? Ele mesmo respondia: "Preferi viver. A vida estava boa, divertida, foi uma fase em que não senti necessidade de escrever". Como o publicitário Augusto Richet de "A Casa do Poeta Trágico" (1997), porém, Cony "se recusava ao crepúsculo".

Colunista da Folha de S.Paulo

Em março de 1993, por sugestão do colunista Janio de Freitas, ele volta a ficar sob os holofotes da mídia, assumindo a coluna "Rio de Janeiro" da página A2 da Folha de S.Paulo, antes assinada por Otto Lara Resende. Seu público mais antigo retoma o contato diário com uma verve ímpar, independente, carregada de anedotas curiosas e vastas experiências, sem ser, no entanto, saudosista. Para os leitores mais jovens, surge uma prosa cuja contundência, vivacidade e agilidade nem de longe denunciam tratar-se, na verdade, de um retorno.

A energia produtiva de Cony, que de novo se manifestava em crônica diária, serviu-lhe, também, para retomar a ficção num momento de infelicidade, dois anos depois, quando obrigou-se a permanecer noites acordado a cuidar de sua setter Mila, gravemente adoecida. Nesses momentos, sem premeditação, acabou por escrever, num período intensivo de três semanas, o livro "Quase Memória" (1995), misto de romance, reportagem e crônica centrado na figura de Ernesto Cony Filho, obra que marcou a sua volta ao mundo da ficção. Mais do que elogio à personagem pitoresca do velho jornalista, trata-se de um lírico pedido de desculpas do filho pelo desprezo que sempre alimentara em relação ao pai. Mila, a cadela, morreria poucos dias antes de encerrar-se o livro, que é a ela dedicado.

O êxito de crítica e de público desse "quase romance" levou Cony a deixar para trás a promessa, feita mais de vinte anos antes, de abandonar a literatura. Aos 70 anos de idade, ele inaugura uma nova avalanche de romances: "O Piano e a Orquestra" (1996), "A Casa do Poeta Trágico" (1997), "Romance sem Palavras" (1999), "O Indigitado" (2001), "A Tarde da sua Ausência" (2003) e "O Adiantado da Hora" (2006).

Com esses livros, receberá sucessivamente oito prêmios literários, dentre eles o "Machado de Assis", da Academia Brasileira de Letras (ABL), pelo conjunto da obra, em julho de 1996. No mesmo ano, em agosto, passa a integrar o Conselho Editorial da Folha de S.Paulo e a assinar uma coluna na Ilustrada aos sábados. Retoma a rotina de conferências em universidades ou instituições culturais, passa a fazer comentários em rádio.

Em 1998, recebe do governo francês, em Paris, a comenda de Chevalier da Ordre des Arts et des Lettres. Em março de 2000, é eleito para a cadeira número 3 da ABL, com 25 dos 37 votos possíveis. O pessimismo desabrido e incisivo, os comentários ferinos e a postura amarga de "soy contra" -em especial dirigida os governos de plantão (antes João Goulart ou os militares, depois FHC ou Lula)- certamente levou muita gente a imaginar Cony como um homem intratável e rabugento. Nada mais falso, porém.

Divertido, com um brilho quase infantil nos olhos pequeninos, fácil de fala, Cony era um sedutor de conversa rica e sempre prolongada. Um galanteador irreverente, cético e meio cínico. Brincalhão e autoirônico. Quase sempre calçava tênis, trajes descontraídos, com um discreto charme nos onipresentes suspensórios. Em palestras, era envolvente e fazia rir com facilidade.

Alimentava muitas histórias, às vezes sugestivamente fantasiosas, sobre si mesmo. Entre a memória e a invenção, seus textos -seja na crônica seja no romance-e suas entrevistas transpiram essa figura. Em 2016, em entrevista à Folha de S.Paulo, disse que havia retomado o projeto do livro "Messa pro Papa Marcello", espécie de continuação de "Informação ao Crucificado" (1961).

Nas instituições por que passou, Cony sabia aliar o estilo informal, às vezes galhofeiro, ao rigor cerimonial das reuniões e ao cumprimento dos prazos imperativos da produção editorial. Assim nos tempos da "Manchete" e mais tarde na Folha de S.Paulo; assim nos compromissos da Academia.

Embora agnóstico, mantinha em casa uma pequena imagem de Santo Antônio. Nos últimos anos, especialmente a partir de um problema grave de saúde sofrido em 1991 que o levou à UTI de um hospital e a sofrer uma anestesia de nove horas de duração, tornou pública uma revisão interna a respeito do tema (religiosidade). Em depoimentos, manifestou apego a santos (José e Maria, além de Antônio) e uma aproximação com a idéia da existência de Deus.

Tal movimento deveria se expressar, ou melhor, deveria burilar sua própria definição na escritura do romance "Messa pro Papa Marcello", um projeto de décadas, sintomaticamente inacabado. Nele, o ex-seminarista em crise João Falcão, de "Informação ao Crucificado", ressurgiria muitos anos depois, buscando resolver seu "drama" religioso, o mistério íntimo que Cony -homem que sempre escreveu com rapidez e facilidade- aparentemente nunca logrou solucionar.

Em 2001, surgiu outro problema de saúde, que o acompanhou até a morte: o escritor foi diagnosticado com um câncer linfático. Com a quimioterapia, perdeu força nos braços e nas pernas. Em 2013, levou um tombo na Feira de Frankfurt. O impacto gerou um coágulo em seu cérebro.

* Bernardo Ajzenberg, jornalista e escritor, ex-ombudsman da Folha de S.Paulo, é autor de "Gostar de Ostras" (Rocco), entre outros..

Dia de Reis

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.


O Dia de Reis, segundo a tradição cristã, seria aquele em que Jesus Cristo recém-nascido recebera a visita de "alguns magos do oriente" (Mateus 2:1) que, segundo o hagiológio, foram três Reis Magos, e que ocorrera no dia 6 de janeiro. A noite do dia 5 de janeiro e madrugada do dia 6 é conhecida como "Noite de Reis".

Histórico

A data marca, para os católicos, o dia para a veneração aos Reis Magos, que a tradição surgida no século VIII converteu nos santos Melchior, Gaspar e Baltazar. Nesta data, ainda, encerram-se para os católicos os festejos natalícios - sendo o dia em que são desarmados os presépios e por conseguinte são retirados todos os enfeites natalícios.

Tradições

Em Portugal e na Galiza, o bolo-rei ou bolo de Reis possui grande tradição e é confeccionado com um brinde e uma fava. A pessoa que encontra a fava deve trazer o bolo de Reis no ano seguinte. Por todo o país, as pessoas costumam «cantar as janeiras», «cantar os Reis» ou as «reisadas», de porta em porta. São convidadas a entrar para o interior das casas, sendo-lhes oferecidas pequenas refeições como doces, salgados, charcutarias, vinhos, etc. Neste dia eram também muito comuns os autos dos Reis Magos, peças de teatro popular.
No Brasil, geminado culturalmente com Portugal, esta tradição tem muito do que se faz no velho país. A festa é comemorada com doces e comidas típicas das regiões. Há ainda festivais com as Companhias de Reis (grupo de músicos e dançarinos) que cantam músicas referentes ao evento, as conhecidas festas da Folia de Reis.
Galette des Rois
Em alguns países, como Espanha, é estimulada entre as crianças a tradição de se deixar sapatos na janela com capim antes de dormir para que os camelos dos Reis Magos possam se alimentar e retomar viagem. Em troca, os Reis magos deixariam doces que as crianças encontram no lugar do capim após acordar. A tradição também consiste em comer o Bolo de Reis.
Na França e em Quebec (no Canadá), come-se o Galette des Rois (Bolo de Reis), que contém um brinde no seu interior. O bolo vem acompanhado de uma coroa de papel e quem encontrar o brinde na sua fatia, será coroado e terá de oferecer o bolo no ano seguinte.
CARTAS DE COTOVELO versão 2018 - 02
CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES, veranista.
       Hoje, em que se comemora o Dia dos Santos Reis, escrevo esta nova Carta, desta feita para enfatizar que mercê do que reclamamos na anterior, o Prefeito de Parnamirim Rosano Taveira e seu Secretário Gaspar concederam audiência aos dirigentes da PROMOVEC Esam Elali, nosso Presidente e Octávio Lamartine, encarregado da Segurançae, com os quais ficaram acertadas as seguintes providências:


Segurança: foi questionada a possibilidade de termos uma viatura da Guarda Municipal na praia de Cotovelo, o Prefeito informou que hoje não tem equipem as está recrutando e ainda levará um tempo até que haja seleção, treinamento e início das atividades, previsão só para 2019; Iluminação pública: a licitação foi anulada por falta de interessados. Contudo o Prefeito ao seu Secretário Gaspar ir ao encontro de Octávio na praia de Cotovelo para juntos realizarem um levantamento dos postes que estivessem apagados e providenciar o imediato reparo; Limpeza pública:  Projeto de Urbanização da Orla: o Prefeito afirmou que o projeto já estava aprovado na Caixa, e por se tratar de verba Federal, deverá iniciar após o carnaval e terá as ruas que ligam a Rota do Sol à avenida Praia Grande (beira mar), inclusive a própria avenida, com calçadão. Quanto ao mirante, foi acatada a sugestão do Presidente Esam de construí-lo sobre as falésia; Quanto às demais ruas de Cotovelo, a prefeitura se comprometeu a pavimentar assim que a primeira etapa estiver concluída; Acessos à praia: existem projetos para a execução de novas escadarias e rampas para acesso de pessoas PNE. O secretário entrará em contato para apresentar os detalhes e expor na Promovec; Eventos em Cotovelo: existe uma vasta programação de eventos para o veraneio, o Prefeito solicitará ao secretário da pasta para nos encaminhar as atividades e datas; A história dos 30 anos da Promovec: nos foi solicitado que encaminhássemos o projeto de confecção do livro diretamente ao Prefeito; Tatame do judô: Alex ligou comunicando que havia conseguido um tatame emprestado e quando poderia ocupar a sede, sendo informado que imediatamente. No mesmo dia da ocupação da sede com as atividades da ONG Attitude, Esam, Octávio e Floriano deram início às instalações das luminárias e refletores de LED na sede e já foram adquiridas 20 mesas e 80 cadeiras de plástico. Por último foram realizadas inspeções para localização das lâmpadas apagadas e locais onde existe acúmulo de lixo e danificação no calçamento (com a presença do Secretário Gaspar).
       Atendidas essas providências de emergência, a longo prazo precisamos solucionar dois problemas cruciais: o primeiro é a necessidade de se estudar um desvio da estrada que conduz os veranistas para as demais praias do sul, a partir de Pirangi, que poderá acontecer através de uma superestrada nas cercanias de Alcaçuz, livrando Cotovelo dos terríveis engarramentos no trânsito nos finais de semana, trazendo atropelos e perigo para os que ali residem; o segundo problema é o abuso no som das casas de espetáculo de Pirangi até a madrugada, importunando os moradores e veranistas e ferindo a lei do silêncio à partir das 22 horas. Esse abuso vem se repetindo a cada ano.
     No mais, até agora tudo está indo muito bem, com um fluxo de turistas record, fazendo da nossa Praia uma das mais procuradas pelos visitantes, graças ao comportamento dos moradores, pessoas ordeiras e ambiente pacífico dentro das possibilidades.
       A finalidade das minhas Cartas é tão somente apontar os problemas, reivindicar soluções e aplaudir as coisas certas e as belezas eternas da nossa Cotovelo.





quinta-feira, 4 de janeiro de 2018


A CONSERVAÇÃO COMO NECESSIDADE PERMANENTE

Valério Mesquita

O exercício perene da conservação deve ser revelada em todos os seguimentos da atividade humana. Seja pública ou privada. Como navegar – conservar é preciso. A conservação dos bens administrativos, culturais, patrimoniais, econômicos, morais, de uma sociedade dignifica a própria condição de humanidade. Os ativismos do processo da atual gestão pública de muitos prefeitos e governadores, têm induzido manter a estrutura urbana e suburbana das cidades em completo descaso e predação incessantes. É raro o gestor público que recupera obra herdada do seu antecessor. O prejuízo é contundente para a família e a comunidade. Seria inveja mórbida? Monocratismo perverso, porque não está ali refletido o seu ego?
O ser humano está em constante evolução como tudo no planeta e no universo. Mas, o que existe de bom e de bem, em favor da sociedade, e ainda de belo, de amor à vida, não pode ser desdenhado. Tapar buracos em ruas e estradas; conservar as escolas e os hospitais, deixando-os aptos a prestar os seus serviços; conservar as ruas limpas, iluminadas, abastecidas com água e gás; conservar, restaurando o patrimônio histórico da cidadania popular dos seus casarões; conservar a conquista da ética, dos direitos individuais, lembrando o passado com gratidão, alegrando-se com o presente e encarando o futuro sem medo; conservar as crenças cristãs principalmente aquelas nascidas do Novo Testamento; conservar a natureza, as praças e os jardins que os outros construíram é sempre preferível essa conduta do que o mito administrativo de ser único.
Não sou conservador, nem tradicionalista. A conservação que me refiro não é hostil às inovações políticas ou sociais. Mas àquelas que propugnam resguardar de danos, decadência, deterioração, prejuízo, etc., os prédios do domínio da união, estado e municípios constituídos de edificações tombadas pelo patrimônio histórico ou não. Observe o caro leitor, a situação das repartições oficiais hoje, frente, fundo, verso e inverso. São construções de vinte, trinta, quarenta anos passados. Compare com as de outros entes federativos. Natal, que já recebe e divulga suas potencialidades turísticas; armazena em suas ruas, praças e logradouros, lixo, fezes, fedentina, drogas, violência e corrupção. Conservação, por conseguinte, invertida da que se espera e se propõe.
Por fim, tudo é relativo. Tem causa e efeito. O orçamento estadual é hoje refém do colossal tamanho da máquina funcional, verdadeiro monstro Leviatã do qual falou o teórico político filosofo inglês Thomas Hobbes no século XVII. Sem comentar os desperdícios do estuário caudaloso da má gestão explícita e implícita que sempre atormentaram os governantes de todos os níveis (de federal à municipal), depreende-se que é difícil e distante o conserto ou reparo da máquina. O arcabouço legalista que gerou todo esse emaranhado é um “nó de jabá” indesatável, catimbado, mijado em cima porque foi criação do homem, pelo homem para o homem. Fisiológico, pantagruélico, corporativo, elitista, fome zero.


(*) Escritor.

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

CARTAS DE COTOVELO versão 2018 - 01
CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES, veranista.
       Outro veraneio se inicia e Deus me concede a graça de continuar sendo testemunha ocular dos acontecimentos da paradisíaca Praia de Cotovelo, meu xodó há quase 30 anos.
      Este ano não inicio com tanta euforia, pois o Estado do Rio Grande do Norte, novamente, vive momentos de caos no começo do ciclo turístico, repeteco do que aconteceu no ano que passou com a rebelião de Alcaçuz, no mesmo período.
Não vou perder muito tempo – é incompetência mesmo e a escolha equivocada de um secretariado sem criatividade.
      A situação desagradável atingiu também, e pelo mesmo motivo, a Prefeitura Municipal de Parnamirim, que deixou a comunidade de Cotovelo com extrema deficiência de iluminação pública, apesar dos apelos e advertências da PROMOVEC.
O que vou agora dizer decorre da minha experiência no serviço público, onde atuei quase 50 anos. Fui servidor público especializado no controle externo, quando trabalhei no Tribunal de Contas e no controle interno, quando ocupei o cargo de Controlador Geral do Estado, instrumentalizando a Control, que serviu de modelo para a criação de várias outras Controladorias, nos município deste Estado e em outros, criadas à nossa sombra; ministrei dezenas de cursos sobre gestão pública, como professor da UFRN, UnP, FARN (Uni-RN) e em cursos privados e posso afirmar que o problema da Edilidade Parnamirinense é também falta de visão.
Não tem justificativa licitar o serviço de iluminação pública de uma praia turística no início do veraneio! É o mesmo descaso que acontece em geral com as reformas ou limpeza das escolas exatamente quanto se inicia o ano letivo. Se foi o MPE que determinou o cancelamento de contratos então existentes, é porque a coisa não foi feita de acordo com o figurino legal!
E agora, vamos esperar? Sugiro que os proprietários e comerciantes de Cotovelo e Pium tomem a iniciativa de instalarem refletores diante de suas casas ou estabelecimentos para garantir a iluminação pública e dar suporte a uma convivência pacífica e efetiva nessas comunidades, mantendo normal o fluxo do turismo e do veraneio, e continuarmos com a segurança privada, pois a pública vem sendo negada pelos administradores.
Depois poderemos acionar os dirigentes públicos incompetentes para nos ressarcirem ou mesmo pedirmos indenização por prejuízos que tenham causado com suas omissões.
Iluminação pública é serviço essencial, pois é elemento fundamental para a segurança e, nesta emergência, poderá haver contratação sob o pálio da dispensa de licitação por emergência, pois está caracterizada a urgência de atendimento de situação que ameaça as pessoas e o patrimônio.
Se quiserem vamos realizar uma audiência pública e nela eu direi tudo isso é mais alguma coisa na frente dos gestores, pois sei que alguns têm sensibilidade e conhecimento, como é o caso do Secretário José Jacaúna, homem de experiência inquestionável. Do contrário não terá valido a pena ter sido professor tantos anos, verdadeiramente pregando no deserto.
E que seja logo, pois a vida é breve, pelo menos em relação aos que já ultrapassaram a idade bíblica, mas ainda pretendem ter uma velhice amena e sadia.
Coragem e energia de todos para protestar e dar o troco nas próximas eleições. BASTA de tanta enganação!



segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

COMECEMOS 2018 COM EMOÇÕES




SETE ELEGIAS DE UM ANO FINDO

                               1

Vestida de azul levaram a infanta
e a sua casa ficou vazia

                               2

                A Luiz Maranhão Filho, mártir do povo:

Sob o peso da noite
                e do vinho amargo
bati à porta da treva
                e gritei o teu nome

mas nada ouvi senão ecos
                a fulminar
                               a memória

                               3

Dois olhos vazios
                bebem sonolentos
as águas do rio

                entre eles a ponte
recolhe o choro inútil
                da argila molhada

                               4

Noite
                noite fria

o vento traz a lembrança
                da poeira pisada
e do estrume dos currais

                a lua e o vento
brincam na rua deserta
                e o som do chocalho
desmaia
                nas cinzas do passado

                               5

Alguém chora
                mas não há lágrimas

exceto vagalumes
                náufragos aéreos
que à deriva espalham
                luzes
                               do éden perdido

                               6

Há um abismo doce
                nesses beirais que falam
da chuva que veio do mar
                e que esqueceu
a velha paixão do sal
                abandonado
no leito secreto
                dos amores soterrados

                               7

Não voltarão mais
                essas águas que passaram
levando no asfalto
                folhas caídas
das sete colinas de Lisboa
                no último dia do ano findo

mas a passar vejo-as ainda
pois na eternidade nada finda


                                               (Horácio Paiva)

FIM DE ANO

convém a um velho jovem
celebrar
o fim e o começo

convém
preparar o banquete
(e sobretudo o vinho)
do último
e do primeiro instante

convém
celebrar com alegria
a partida
e a chegada

a antiga
e a nova aliança

e no ocaso celebrar
o triunfo da vida

afinal
o velho foi necessário
ao advento do novo


                        (HORÁCIO PAIVA)

PAN Y LUZ

con lápiz invisible
describo en la oscuridad
lo que no veo

y puesto sobre la mesa
creo haber un pan
a la espera de la luz


PÃO E LUZ

com lápis invisível
descrevo na escuridão
o que não vejo

e posto sobre a mesa
creio haver um pão
à espera da luz

                                      (Horácio Paiva)




                                                Lis

domingo, 31 de dezembro de 2017

FELIZ ANO NOVO




FELIZ ANO NOVO, DE VERDADE

PADRE JOÃO MEDEIROS FILHO


O tempo é um enorme desafio, emoldurando a vida. Não se trata apenas de uma sucessão de dias, revelando a impotência humana para detê-lo. Apesar do progresso da ciência e de suas conquistas, não conseguimos pará-lo. A sua realidade fugaz é uma complexidade, que não se explica por um conceito meramente cronológico. Porém, a humildade, que desnuda o coração humano de toda pretensão, é capaz de criar a possibilidade de não o tornar um aguilhão que aponta diariamente a verdade de cada um. A simplicidade faz-nos aceitar os enganos das escolhas. O tempo passa inexoravelmente. Ninguém é capaz de segurá-lo. E hoje se tem a impressão de que ele é mais veloz. Há avalanches de solicitações, propostas, informações, possibilidades, necessidades criadas etc. que nos assaltam, muitas desprovidas de interioridade. Os mestres da espiritualidade, filósofos e místicos ensinam que o tempo é, antes de tudo, uma questão interior. Se concentrarmos tudo na exterioridade e nas aparências, ele não só passa mais rápido, como também se esvai à nossa revelia. Sem interioridade, adota-se um modo egoísta de existência, sem compromisso com o próximo.
O desejo de um verdadeiro “Feliz Ano Novo” necessita de algo a mais. Urge cultivar a sensibilidade humana e social, desenvolvendo outro estilo de relacionamento humano. O profeta Isaías, para despertar a consciência do povo sobre a novidade do tempo, fala do sentimento e do propósito de Deus a ser assumido por todos. Afirma que o Onipotente, por amor e solidariedade a seu povo, não descansa enquanto “não surgir na sociedade, como um luzeiro, a justiça, e não se acender nela, como uma tocha, a paz” (cfr. Is 62, 1). E isso é o novo para o profeta. Deste modo se desenha o caminho para que se possa trazê-lo, na contramão de interesses egoístas, grupais, partidários e até religiosos, por vezes mesquinhos e alienantes.
Para que haja realmente um Ano Novo, vamos reduzir a insensibilidade, a violência, o pessimismo, o ódio, e regar de ternura nossos sentimentos mais profundos. Não podemos nos mirar totalmente nos outros. A inveja mina a autoestima e fomenta o ressentimento. Em 2018, empenhemo-nos a todo custo por crer em nós mesmos e em nossa criatividade para superar crises e dificuldades, bem como abraçar os desafios. Acreditemos que carregamos dentro de nós a força maior da esperança, do amor e da fé. Esforcemo-nos para estender aos outros as mãos, como pessoas livres e não reféns do egoísmo. Para que o ano seja realmente novo, é necessário cuidar daquilo que falamos. Não pronunciemos difamações e injúrias. O ódio destrói a quem o carrega na alma, não o odiado. Troquemos a maledicência pela benevolência. Comprometamo-nos a expressar alguns elogios por dia, em troca das críticas e condenações.
Para haver novidade e ano novo é preciso não desperdiçar nosso tempo e nossa vida hipnotizados pela televisão. É necessário não navegar irresponsável ou aleatoriamente pela internet, naufragados no turbilhão de imagens e incontáveis informações que não conseguimos absorver e silenciar. Não deixemos que a sedução da mídia anule nossa capacidade de discernir e nos transforme em consumidores compulsivos. A publicidade sugere felicidade e, no entanto, nada oferece, senão prazeres fugazes. Procuremos centrar nossas vidas em valores permanentes, nunca nos efêmeros. Procuremos o silêncio neste mundo ruidoso. Lá encontraremos a nós mesmos e, com certeza, Deus, que quase nunca é escutado. Isso, sim, será sem dúvida Ano Novo.
Tentemos cuidar de nossa saúde, mas sem a obsessão das dietas e a escravidão das balanças e academias. Aceitemos os cabelos brancos e nossas rugas, e não temamos as marcas do tempo em nossos corpos. Elas são sinal de sabedoria e experiência. Usemos revitalizadores de compreensão, generosidade e compaixão. Procuremos não confundir o urgente com o prioritário. Não nos deixemos guiar pelo modismo. Afastemos de nossas mentes preconceitos, sentimentos que discriminam, pensamentos que excluem. A vida é breve e, de definitivo e certo, só conhecemos a morte. Guardemos um espaço em nosso cotidiano para o contato com o Transcendente. Deixemos que Ele habite em nossa subjetividade e aprendamos a fechar os olhos para ver melhor. Assim teremos real e verdadeiramente um Ano Novo!


___________________________


ANO VELHO - ANO NOVO. Qual a diferença? A frustração de sonhos não realizados no ano que termina versus a esperança dos projetos de dias melhores no ano que começa. Para mim o que realmente faz a diferença é continuar com a sua amizade. O resto é a continuação da luta cotidiana até o chamamento do Altíssimo.