quarta-feira, 11 de setembro de 2024
Solidão, presença indesejável
Padre João Medeiros Filho
A solidão, ausência de companhia e interlocução, marcada pelo isolamento, é algo
doloroso. Existe o risco de levar alguém à depressão e morte. Faz-nos pensar na música
de Vinícius de Moraes e Toquinho “Um homem chamado Alfredo”. Este contava tão
somente com a companhia de um papagaio e um gato de estimação. Desistiu de viver,
inalando gás de cozinha. Dizia-se cansado da vida, por não ter ninguém com quem falar,
alguém para amar, uma mão para apertar. Entediou-se com sua invisibilidade e existência
que não atraía ninguém. A solidão é um dos grandes males testemunhados nos dias de
hoje. Pode acontecer em um pequeno quarto ou sentida em meio às multidões que passam
e não veem, escutam e nem se dão conta de que ali há um semelhante com sentimentos,
sonhos e desejos. “É solitário andar por entre a gente”, desabafava Camões num soneto.
Os seres humanos são relacionais, necessitando da presença e interação de outrem
para viver. O isolamento acaba destruindo uma pessoa, prematura ou repentinamente. O
governo britânico criou o Ministério da Solidão, ao constatar que o Reino Unido invertia
a corrida mundial pela longevidade, apresentando índices de mortalidade precoce em seus
cidadãos. Tornou-se para os ingleses problema de saúde e política pública. Carecia de um
órgão para cuidar dessa nova situação humana. Suas maiores vítimas são os idosos. Há
cidadãos que já não contam mais no mapa da produtividade, contribuição social e beleza.
Têm suas atividades físicas limitadas. Segundo os versos de Vinicius, “andam com os
olhos no chão, pedindo perdão por existir e incomodar.” São impotentes, não tendo a
quem pedir socorro, quando se aproximam do abismo da depressão. Esse grupo avolumase nas aglomerações modernas. A longevidade aumenta e não se morre mais no apogeu
da existência ou na flor da idade. Nestes casos, a partida era sentida e pranteada. Na
velhice, o óbito poderá deixar um alívio para alguns.
Os solitários de hoje são majoritariamente os idosos, órfãos de filhos vivos,
esquecidos pela família. Não raro, os descendentes e familiares moram longe,
acarretando dificuldade financeira e de deslocamento para visitá-los. Ou, porque
atrapalham a ânsia de lazer e consumo que predomina na nas gerações atuais. Quem vai
querer um velho incomodando um fim de semana de festas, comemorações e
programas? E o idoso fica em casa, geralmente pequena e sem muitos recursos. Onde
estão os amigos do ancião? Muitos, doentes; vários já partiram. E os recursos para
passeios e diversão? As aposentadorias são parcas, mal dão para comprar comida e
remédios. Os filhos ajudam? Provavelmente. Nem sempre com o suficiente. Há outras
prioridades, como levar as crianças a Disney, esquiar na Europa, divertir-se em casas
de campo ou de praia, bem como frequentar restaurantes badalados. E assim, o final de
muitos idosos é marcado de Alzheimer, confinamento em algum asilo, tristeza com a
presença domiciliar de um cuidador impaciente ou improvisado.
A solidão cresce com a diminuição das energias, o desaparecimento dos círculos
de amizade. Em muitas cidades brasileiras há ainda o agravante da violência e
insegurança, impedindo o hábito de um contato assíduo. Os vizinhos cuidam cada um de
sua casa, vida, família etc. Alguns solitários se apegam a animais. Alfredo tinha um louro
e um bichano que estimava. Quando morre o companheiro de bico ou quatro patas, a dor
é equivalente à perda de um parente. O idoso sente-se descartado por uma sociedade, que
não previu um lugar para ele, por uma família que progressivamente o abandona e
esquece. É necessário tornar-se mais humano, aprendendo a povoar a vida do semelhante.
Cristo prometeu aos apóstolos: “Não vos deixarei sozinhos” (Jo 14, 15). E acrescentou:
“Estarei convosco todos os dias” (Mt 28, 20). O cristianismo é comunhão, pois é trinitário.
Solitários não, e sim solidários somos chamados a ser! Isso implica em estar atento ao
outro, à sua tristeza e dor, a seus anseios e alegrias. Na solidão, o ser humano mergulha
dentro de si mesmo numa autodefesa contra o isolamento a seu redor. Toma consciência
de sua pouca importância no mundo externo. Mas, Deus assegura-nos sua permanência a
nosso lado: “Não temas, porque eu estou contigo” (Is 41,10).
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