RÉQUIEM PARA UM ESTÁDIO (*)Sob o impacto da manchete de O Jornal de Hoje, edição de 23/24 deste abril: “O último suspiro”, já recolhido à meditação da Semana Santa, ainda mais voltei no tempo e me deparei com o desamor, com a insensatez e com a falta de vontade política para atender às necessidades do povo, que ainda persiste nestas plagas de Poti.
A imprensa vem alardeando o fechamento de hospitais infantis em Natal e Parnamirim, a falta de medicamentos, a insegurança, escola caindo, ruas alagadas, transporte precário, ganância de alguns postos de combustíveis, falta de fiscalização, constatação do caos nos hospitais e estabelecimentos prisionais, estradas e ruas esburacadas. Ao reverso, os políticos especulam o próximo titular da Prefeitura de Natal, os burocratas que já atuaram ou atuam nos palcos da província, sem nada de novo, sem proposta e sem projetos públicos estruturantes, mas apenas os da sobrevivência das oligarquias.
Enquanto isso acontece, são contadas as horas da demolição de um bem público que somou grandes feitos, que alegrou a população mais desprovida de recursos, que ofertou momentos de glória.
Num passe de mágica, tudo isso é passado, não o passado que fica, mas o que se esquece. Alguns cronistas especializados registram o fato como algo comum – Machadão com dias contados - e até relacionam minúsculos acontecimentos negativos como brigas, suicídios, crimes ou quedas fatais em simetria com conquistas. Mas apontam lenitivos - a destruição é sem implosão para não incomodar os vizinhos. Já se comenta como ex-colosso.
Há uma canção que retrata bem esse episódio: “Nossa história acabou, sem um aplauso sequer, quando o pano baixou, uma cena banal, mas um ponto final”.
Sim, o Machadão vai ao chão, foi condenado sem nenhuma defesa, a não ser o grito de um vetusto arquiteto que o concebeu e o apoio de poucos amigos. Os órgãos públicos pouco fizeram; audiências frustradas por orquestrações exóticas, inúteis – somente para seguir o figurino.
Muitos pais e mães se apresentaram para a nova Arena do Futebol, chamada das Dunas e até usaram como argumentos de campanha política. Esqueceram-se, porém, que, de certa forma condenaram o próprio esporte bretão. O América e o Alecrim ameaçam licenciamento, e será que o ABC terá como sobreviver sozinho?
Não sei realmente, mas pressinto que alguma coisa de ruim vai acontecer e justifico: primeiro um julgador declarou improcedente ação do Ministério Público porque entre o tempo do ajuizamento e o seu julgamento o megalomaníaco projeto foi modificado – não mais atingiria outras áreas (o Centro Administrativo, por exemplo), mas somente os Estádios Machadão e Machadinho, sem atentar que o questionamento era em razão da ilegalidade da contratação, sem licitação, para um projeto que não existia e sim uma simples maquete. Mesmo assim o prazo de recurso foi perdido. Aliás, tudo começou com um parecer de um jurista do Estado, que hoje está no píncaro da glória.
Depois disso, dirigentes declararam que a FIFA e a CBF não condicionam, necessariamente, a realização da copa em Natal à complementação do aeroporto de São Gonçalo do Amarante e de obras de mobilidade urbana. Em outras palavras, em relação a isso podemos mesmo continuar na “m”.
E se a coisa der errado, quem vai assumir? Qual o discurso já preparado para o insucesso? E o povo vai deixar impunes esses visionários?
Vão aprendendo logo a música de Chico Buarque sobre o destino da Geni.
Enquanto isso, constrangidamente faço o meu “Réquiem para um Estádio”:
Um dia, numa tarde - a grande festa.
A cidade se engalanava, em fantasia.
O povo, na sua incontida alegria,
Fazia um coro, como uma grande orquestra.
O tempo passa, a festa acaba – desilusão.
Momentos lúdicos ficam pra traz, sem constrangimento.
O povo, na sua infinita letargia, aplaudirá novo momento,
Da cruel, incontornável e definitiva demolição.
Não há certeza, se por algum milagre,
Um novo poema de concreto surja na cidade.
Se o povo, em dia de alegria, ainda poderá sentir,
O sabor de um gol perfeito de um Alberi._________________
(*) CARLOS ROBERTO DE MIRADA GOMES – escritor
Fonte: Blog DO MIRANDA GOMES
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(RESPOSTA DE MOACYR)
O TÚMULO DE MINHA ÚLTIMA QUIMERAQuerido irmão Carlos:
Li emocionado seu texto sob o título “RÉQUIEM PARA UM ESTÁDIO”, no qual, mais uma vez me oferece seu ombro amigo para mitigar as inevitáveis dores do existir. Por mera carência intelectual, permita-me lembrar os “Versos íntimos” de Augusto dos Anjos, como forma de lhe agradecer tão generosa e oportuna solidariedade, uma vez que, em minha opinião, ninguém conseguiu pintar com tanto realismo a verdadeira natureza humana, quanto àquele grande vate paraibano.
O quadro que você expôs em prosa, teve a força de impacto da Guernica de Picasso. Estou certo que a maior parte das pessoas lúcidas e sensatas desta comunidade repudiam esta ignomínia que estão praticando contra o povo potiguar, justamente através das pessoas que o povo elegeu para governá-lo, só que não podem se manifestar publicamente, por temor às possíveis represálias do “sistema”.
Neste final das comemorações da Páscoa, é lamentável ter que reconhecer que os exemplos de Cristo, pouco sensibilizaram os humanos, que, cada vez mais se tornam predadores de si mesmos. Tudo que pude dizer sobre essa bandalheira da Copa 2014, já foi dito, como advertência, e de nada serviu, só restando agora esperar o milagre do tal “legado” prometido.
Ao afastar-me da luta desigual, registro com indignação, que esse assalto ao erário e ao patrimônio público, planejado e anunciado há muito tempo, iniciado por governo com extensa lista de improbidades denunciadas e investigadas, veio a tornar-se, por similaridade, uma espécie de latrocínio, na acepção do termo, vez que resultará em morte por destruição perversa e desnecessária de creche, ginásio, estádio, enfim, equipamentos de serventia pública, para educação, esporte e lazer, que de algum modo, representam forma indireta de valorização, educação e eugenia de vidas humanas.
Já foi dito muitas vezes, que esse malfadado elefante branco, poderia ter sido programado para outro lugar mais adequado, poupando o que já existe e que custou o dinheiro do povo, já que somos pobres e não podemos admitir desperdício.
Mas o que vem prevalecendo na mentalidade doentia dos governantes atuais é a perversidade e a morbidez de uma engenharia de destruição e vandalismo gratuito, ou quem sabe, a prevalência da tese, “quanto maior a caça mais nacos da carniça para satisfazer a gula pantagruélica dos abutres”.
Ironicamente, há poucos meses atrás, essa engenharia acariciava a idéia de conservar o patrimônio, e agora avoca o direito de ser seu principal algoz, e aí, diz Augusto dos Anjos “a mão que afaga é a mesma que apedreja”. Dia virá em que o povo encerrará a carreira das nefastas oligarquias que vêm nos empobrecendo nos últimos 50 anos.
Para mim, aquele local outrora sacralizado pela única missa aqui rezada pelo Santo João Paulo II, passará a ser, dos escombros, apenas o “tumulo do formidável enterro de minha última quimera”.
Do irmão e amigo Moacyr
Em Natal, madrugada de 25 /04/2011