TONHECA DANTAS, na realidade, Antônio Pedro Dantas, nascido no dia 13 de junho de 1871 no sítio Carnaúba de
Baixo (Carnaúba dos Dantas-RN), cidade demarcada pelos Portugueses em 11 de
abril de 1613, 5º filho do segundo matrimônio do viúvo Tenente-Coronel da Guarda Nacional João José
Dantas, com a escrava alforriada Vicência Maria do Espírito Santo, celebrado em
1º de fevereiro de 1871, de um total de oito: Pedro Carlos de Maria, José
Venâncio de Maria, João Pedro Dantas, Manoel Nicolau Dantas, Antônio Pedro
Dantas, Francisca Urçulina da Conceição, Maria Clara do Monte-Falco e Luís
Felipe Dantas. Portanto, amanhã,
ocorrerá o 144º aniversário do seu nascimento, razão da escolha desta data para
homenageá-lo. (Pery, em seu discurso de posse em 27 de abril de 2000, informa
que o nascimento teria ocorrido exatamente em 12 de junho de 1870). Garanto que
vou garimpar a documentação precisa.
A cidade foi fincada no
coração do Seridó, no semi-árido subtropical, região de caatinga onde habitaram
os indígenas das tribos Janduís, Canindés e Pegas. Apesar da paisagem sofrida
da geografia sertaneja, cercania do riacho de Carnaúbas, as crianças
sobreviviam livres, com pouca coisa a fazer, sobrando tempo para despertar a
atenção para a música. Tonheca foi atraído
pelos seus irmãos mais velhos, participando da banda da sua cidade, sob o
comando de José Venâncio de Maria, costume que vem sendo conservado ao longo do
tempo.
Prosperou em
seus estudos, tornando-se destacado entre os executantes das partituras,
enveredando na criação das suas próprias obras, inspiradas nas emoções da
natureza e do relacionamento humano que nunca faltaram nos rincões da vida
campesina. Mesmo sem formação superior no estudo da música, pela sua
perseverança, torna-se um autodidata da pauta, despertando a atenção dos
conterrâneos e adquirindo uma fama no nordeste, transcendendo para o resto do
país.
Falar de sua
vida é tarefa difícil depois que o escritor Cláudio Galvão escreveu “A desfolhar
Saudades”, pois esgotou a sua biografia. Resta-me, então, desenhar alguns fatos
marcantes de uma vida de sacrifício e sucessos.
Deixou o seu
torrão natal e a paisagem das plantas arbustivas, dos cardeiros e das copas
verdes dos juazeiros divididas com as silhuetas íngrimes de pedregosas serras e
serretes nos idos de 1898 e veio para a Capital em busca de emprego.
Com o
beneplácito político procura engajamento na Banda de Música do Batalhão de
Segurança. Ao mesmo tempo outro protegido político, João Mamede, oriundo de
Acari, já tradicional no campo da música, procurava a mesma oportunidade,
forçando a realização de um concurso. Aqui vem o primeiro fato singular: o concorrente é chamado a executar uma peça
e escolhe o trombone. Na vez de Tonheca lhe é entregue partitura diferente e
indagado qual o instrumento será executada a peça, tendo o mesmo respondido que
era indiferente, causando espanto. Após os ajustes das palhetas inicia a sua
prova através dos instrumentos ao seu dispor: sax-tenor, trompete, flauta e
outros. Quando pegou o bombardino, a Comissão mandou parar. Em 30 de maio de
1898 foi contratado.
O contrato seria de
três anos, mas antes de completar um ano deixou o posto e no raiar do novo
século resolveu ir para o Rio de Janeiro. Viajou até o porto de Cabedelo-Paraíba,
procurar transporte para o sul. Contudo, ao ver dois navios com destinos
diferentes – sul e norte - mudou de rumo e foi para o norte, precisamente
Belém, Estado do Pará.
Ainda sem
definição de vida, certo dia ao passar por uma rua da cidade assistiu momentos
de uma festa, onde tocava a Banda de Música da Polícia Militar, o que o atraiu.
Ali, num intervalo em que os músicos foram fazer um lanche, acercou-se dos
instrumentos e não resistiu em arriscar alguns acordes. Logo retornam os
músicos e ele se afasta, sem saber que o Mestre da Banda havia observado a sua
atitude e que o chamou à sua presença. Encabulado, confessa que usou o
clarinete. Na mesma ocasião um jovem da casa da festa o convida para comparecer
ao seu escritório no dia seguinte para uma conversa sobre trabalho e lhe
adianta uma nota de 100 mil réis. O encontro era com o Doutor Sílvio Chermont
que lhe encomendou uma valsa para presentear a sua noiva no dia do aniversário.
Após algum
tempo concluiu a peça e a entregou para o Mestre da Banda de Música da Polícia
Militar que a aprovou. No dia da festa (1903), o dono da casa pede que Tonheca
seja o regente, na condição de autor da música e ele o faz com raro brilho. [Tonheca
manteve com ele uma cópia, mesmo sem divulgá-la. Essa
música foi o embrião de Royal Cinema, que surgiria para o público de Natal, dez
anos depois].
Por sugestão de um
conterrâneo que encontrou em Belém foi tentar ingresso na Banda de Música do
Corpo e Bombeiros de Belém. Aqui o segundo
episódio singular: Submeteu-se a novo
concurso e no dia da prova todos pararam para ouvir a sua execução. O Mestre
entregou-lhe uma página de música – um dobrado espanhol, tocado em solo de
clarinete e na regência, o Mestre procurou dar comandos complexos para ver a
habilidade do potiguar e Tonheca não teve problemas. O Mestre interrompeu a
prova e o examinado pensou no pior. Engano, o Mestre declarou – você está
aprovado e todos o cumprimentaram, pois sabiam das dificuldades que foram colocadas
e a sua superação. Ficou agregado de 15 de junho de 1903 até 18 de março de
1909, quando foi excluído pelo término do tempo e retorna ao nordeste. Já então
começava a ter problemas familiares.
Em 25/8/1910
pleiteou reingresso na Banda do Batalhão de Segurança de Natal e conseguiu
contrato por três anos como músico de 1ª classe, mas foi excluído em 22/10,
passando apenas 90 dias.
Diante disso
procura serviço no Estado da Paraíba
(Alagoa Grande) para as tarefas de ensino de música e tocar em festas, passando
a viver de forma instável, com idas e vindas a Natal, com passagem por João Pessoa e Alagoa Nova.
Retornou a
Natal em 1911 porquanto a cidade havia progredido mercê da grande administração
do Governador Alberto Maranhão já dotada de bonde elétrico e energia, abertura
de novas ruas, além de haver incentivado o teatro e a música. Nesse ínterim
viveu novos momentos familiares difíceis, sempre contornados com dificuldade.
Foi nessa
época que entramos na era do cinema mudo, inaugurando-se o Internacional para o
qual passou a tocar permanentemente (1911), em seguida o Polytheama de João
Gurgel e José Petronilo de Paiva.
Em 1912 fez
breve retorno a Belém para resolver problemas familiares, logo regressando a
Natal onde ocupou lugar de professor de música da Escola Normal em 1913. Neste
mesmo ano novos cinemas são inaugurados, o Pathé e em seguida o Royal Cinema,
oportunidade em que o proprietário José Petronilo encomendou uma música para
servir de prefixo daquela Casa de exibição de filmes. Tonheca tirou da
gaveta onde guardava suas composições exatamente aquela feita em Belém em 1903,
pediu a uma aluna Maria Aparecida de Carvalho (depois Ferreira) para
experimentar a versão para piano, entregando-a, posteriormente, ao proprietário
do cinema e encaminhando-a à publicação, em junho de 1914, pela Casa Bevilacqua
do Rio de Janeiro, juntamente com outra composição denominada Boas Festas.
Conta-se, então o centenário da valsa Royal Cinema a partir da sua execução
pública em 1913.
A esse tempo
a música cresceu na apreciação da população e foram realizadas retretas nos
coretos das Praças Augusto Severo e André de Albuquerque.
No ano de
1915 foi convidado para dirigir a Filarmônica de Santana do Matos, do Cel.
Carvalho. Contudo, novos problemas familiares desestabilizam a sua vida. Mesmo
assim, conseguiu emprego mais seguro quando foi criada a Guarda da Mesa de
Rendas, de onde se tornou funcionário a partir de 1917, dividindo seu tempo com
a Filarmônica, época em que muito produziu no campo da composição de peças
musicais, principalmente com as comemorações do centenário da independência
(1922). Em 1926 foi transferido para Açu provocando a sua procura, mais uma
vez, pelo Estado da Paraíba, onde volta a Alagoa Grande e torna-se maestro da
Banda do Batalhão de Segurança da Polícia Militar de João Pessoa, pelo período
de 1927 a 1931.
Numa
passagem pelo Estado de Pernambuco acontece o terceiro caso singular: Tonheca
passava por determinado local e ali uma banda tocava a sua peça Royal Cinema,
mas de forma deturpada. Intervém e toma a regência da banda dando a indicação
exata da execução sob as indagações dos músicos que o interpelam. Ele então
esclarece – sou o autor da música e estou ensinando como realmente ele deve ser
tocada.
Retorna a
Natal e logo procura os seus velhos amigos de caserna. Mesmo sem ter mais a
idade para a vida militar na corporação, pois dificilmente passaria no exame
médico, foi aconselhado pelos amigos que fizesse um agrado ao Comandante
Sandoval Cavalcanti, o presenteando com uma música em homenagem à sua esposa,
D. Lydia Cavalcanti. Aqui o registro do
quarto episódio marcante: Cumpre a tarefa e seus amigos da Banda de Música
ensaiam as partituras. O Comandante ao ingressar em seu gabinete encontrou o
presente e pediu a opinião do Mestre da Banda que fez uma apresentação, com a presença do compositor. O resultado foi
plenamente satisfatório e muito elogiado. O Comandante então lhe pergunta
onde ele estava trabalhando e a resposta foi que estava desempregado. Pois deixou
de estar! Retornou aos quadros da Polícia Militar, embora sendo liberado de
coisas de maior esforço, nela permanecendo até o final de sua existência.
Adoece em 1939 e ficou sob os cuidados do Dr. Feijó de Melo e aos 69 anos
falece, no final da tarde do dia 7 de fevereiro de 1940 (uma quarta-feira de
cinzas), sendo o seu velório e sepultamento custeados pela Polícia Militar e
sendo registrado em boletim o seu desligamento no dia 8, em razão do óbito,
passando para a história como o Maestro dos Sertões.
Nunca deixou de ser reverenciado, tendo o seu
nome colocado em rua desta Capital e criada uma sala especial no Teatro Alberto
Maranhão, além de tornar-se Patrono da Cadeira 33 da Academia Maior do Estado a
partir da reforma estatutária de abril de 1967, sendo escolhido para ocupá-la o
também maestro Oswaldo de Souza, que tomou posse no dia 22/8/1968, com a
presença da Banda de Música da Polícia Militar, fato que hoje se repete. Seu
acervo foi resguardado pelos seus filhos Antônia Dantas da Silva e Antônio
Pedro Dantas Filho.
Sua obra
autoral é vasta, calculada pelos seus biógrafos como superior a 1000 peças
musicais até hoje executadas pelas bandas filarmônicas do Brasil e de além mar,
com destaque especial para a Valsa Royal Cinema, que ressoou pelas ondas da Rádio
BBC de Londres, durante a Segunda Guerra Mundial, até certo tempo executada
como sendo de “autor desconhecido”.
Ressalte-se
o ecletismo dos gêneros de suas composições, contabilizando-se valsas,
dobrados, hinos, polcas, maxixes, mazurcas, sambas, choros, xotes e marchas,
mas igualmente transitou por outros gêneros musicais orquestrados. Muitas das
suas composições levam nomes de pessoas, aves, sentimentos, lugares e de festas
tradicionais.
Destacam-se,
pela excelência das composições, além de Royal Cinema, outras obras: O Cisne, Valsa
Delírio, Melodia do Bosque, Valsa A Desfolhar Saudades, a marcha solene
Republicana, o dobrado Tenente José Paulino, as valsas Ana Dantas e Boas Festas,
que ganharam notoriedade.
A par disso, o Rio Grande do Norte vem prestando-lhe homenagens e, mais
recentemente, criando em sua memória um Projeto nos 100 anos da Valsa Royal
Cinema (2013), através da gravação de dois CD´s pela Orquestra Sinfônica do Rio
Grande do Norte, sendo um com treze músicas e o outro com documentos,
fotografias e partituras e um e-book “A Desfolhar Saudades” – uma biografia,
tudo partido da iniciativa louvável do escritor Cláudio Galvão, aqui já
invocado, a quem rendo as minhas homenagens.
Não pretendo
cansar os presentes, pois sobre esse sertanejo genial, além de Cláudio Galvão, outros
escritores se debruçaram na bela e sofrida história, como é o caso da escritora
Leide Câmara, membro desta Casa, que em seu Dicionário da Música do Rio Grande
do Norte pontifica a trajetória do brilhante músico e dá conta da sua
habilidade nos domínios de vários instrumentos de sopro e de corda, bem assim
nomina as suas mais consagradas composições, indicando datas, além da
discografia até o início deste milênio.
Do mesmo modo figura
como verbete no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira ressaltando
Antônio Pedro Dantas na condição de compositor, flautista. Trompetista, saxofonista,
violonista, clarinetista. Aprendeu elementos básicos de teoria musical com o
irmão José Venâncio e com seu primo Felinto Lúcio Dantas.
É Patrono da cadeira 33 da ANRL, cujos ocupantes foram Oswaldo de Souza, Hypérides Lamartine (Pery) e atualmente Carlos Roberto de Miranda Gomes