terça-feira, 16 de julho de 2024
Conviver, arte delicada
Padre João Medeiros Filho
Atualmente, o desrespeito e a agressividade nas relações entre as pessoassão frequentes.
Aumenta a dificuldade ou inabilidade em saber conviver. Muitos sequer se apercebem disso. Um
olhar pelas ruas de nossas cidades é o suficiente para presenciar flagrantes, que evidenciam a
impressionante incapacidade de se desfrutar de uma vida social saudável. Parece que se abriu
mão de muitos avanços positivos da civilização. E no tocante ao relacionamento humano, temse, não raro, a impressão do retorno à idade da pedra. A deterioração do tecido e relacionamento
social chegou ao nível em que uma pessoa polida e urbana se torna uma joia rara, suscitando por
vezes desconfiança ou escárnio. Noções básicas de polidez e civilidade parecem ter sido
esquecidas e abolidas. A gentileza assume ares de fraqueza, exibicionismo ou esnobação.
O Papa Francisco afirmou em uma de suas alocuções: “As coisas estão se
invertendo cada vez mais. O feminismo saudável está se transformando num machismo
de saia, relegando a um segundo plano a grandeza da mulher e sindicalizando a
dignidade feminina.” Para muitos, ser gentil e solidário denuncia insegurança ou
carência de aceitação comunitária. A noção de coletividade e pertença a um grupo – em
que os direitos de outrem devem ser observados – virou uma metáfora pejorativa. A
Ética tornou-se algo ultrapassado e sem espaço no mundo hodierno. As pessoas ignoram
o seu significado e importância. Egoísmo, impaciência, intolerância, grosseria,
radicalismo e arrogância passaram a dar o tom no dia-a-dia. “Honrai a todos. Aos irmãos
amai; a Deus temei” (1Pd 2,17), aconselhava o apóstolo Pedro.
Tudo isso tem suas causas. As condições educacionais, o desprezo e abandono da
axiologia, a repulsa dos valores morais, como o escárnio pelo respeito, a ausência de prática
religiosa (seja qual for), no parâmetro de vida, estão destruindo nossas tradições e
hospitalidade. A educação tradicional foi substituída por uma lamentável permissividade.
O que se constata hoje é a consequência dessa mudança imbuída da insanidade pela qual o
mundo enveredou. Como pode se comportar um jovem criado sem limites e carente de
preparo emocional e psíquico? Chegando à vida adulta, enfrentará uma sociedade altamente
competitiva, escravizada pelo consumismo desenfreado, pela incontida fome de lucro,
injustiça, corrupção, violência e por um culto mórbido à aparência física e social. Vive-se
no mundo do descarte ao respeito, do culto ao ter, poder, prazer e aparecer. Isto é facilmente
verificável em vários segmentos da vida pública. Noções e modos comezinhos do conviver
são ignorados. O uso hipócrita das formas oficiais de tratamento, mesuras e rapapés não
ofuscam essa degradação. Não se deve confundir autenticidade, convicção ideológica ou
discordância de ideias com insultos, impropérios, baixarias e agressões. Projetos e
conveniências pessoais ou partidárias nem sempre visam ao bem-estar coletivo.
Muitos concordam que a educação permissiva fracassou e o antigo modelo também
se revelou inadequado. Na verdade, o atual sistema educacional tem se mostrado aquém do
almejado. A ênfase dada por algumas instituições de ensino é centrada no Exame Nacional
do Ensino Médio (ou o equivalente), como se o futuro do ser humano se restringisse apenas
ao mercado de trabalho ou à profissão. A escola prioriza a transmissão de muitas
informações e subestima relevantes postulados humanos, desencadeando a fácil tentação
da ideologização. O ensino superior propõe-se a preparar profissionais, esquecendo o
cidadão e a família. Faltam líderes com exemplos e testemunhos de vida.
“É preciso humanizar o homem” insistia Jacques Maritain, em sua obra “O
humanismo integral”. E Charles Chaplin reiterava: “Sois homens e não máquinas.” É
preciso incentivar noções claras de uma cordial convivência em sociedade. Isto pode
soar aos ouvidos de vários como algo inútil e obsoleto. No entanto, é uma
reivindicação imprescindível. Não lograram grande êxito os métodos rígidos, excessos
de lições de moral. Tampouco cabe o laxismo. É fundamental que reine o respeito
entre todos. O cristianismo tem a missão de aprimorar o ser humano. Assim nos ensina
a Sagrada Escritura: “Ninguém agrida, desrespeite, desconsidere e oprima o seu
próximo. Somente Eu estou acima de vós e sou o vosso Deus” (Lv 25, 17).
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