sábado, 19 de janeiro de 2019


JANSEN LEIROS, PERFIL E SAUDADE

Valério Mesquita

Jansen Leiros Ferreira nasceu em Macaíba no dia 15 de março de 1937, era o primogênito de Aguinaldo Ferreira da Silva e Maria Leiros Ferreira, nascida Maria Leonor de Castro Leiros.
Estudou no tradicional Grupo Escolar Auta de Souza e, em Natal no Ginásio 7 de Setembro, concluindo o ginásio e o curso técnico de contabilidade. Simultaneamente, cursou o científico no Ateneu Norte Rio-grandense. Aos dezoito anos, já havia escrito uma plaqueta fruto de pesquisas em sua cidade, que intitulou “Macaíba e seus tipos populares”. Após a editoração dessa plaqueta, ingressou na Faculdade de Direito da UFRN, cursando o bacharelado em ciências jurídicas e sociais.
Foi nomeado para o Instituto do Açúcar e do Álcool, lotado na Delegacia Regional do Rio Grande do Norte e em 1962, obteve transferência para a sede do órgão na cidade do Rio de Janeiro. E lá, concluiu seu curso de bacharelado em ciências jurídicas na Universidade do Brasil.
No terceiro ano do curso de Direito foi indicado pelo padre Raimundo Brasil – capelão da Base Naval de Natal - para substituir, no Serviço Social daquela unidade, o doutor José Gurgel Guará nas funções de Assessor Jurídico, onde serviu por quase dois anos, no Comando do Capitão de Mar e Guerra Milton Pereira Monteiro.
Ainda em Natal, estudou piano erudito com o maestro Waldemar de Almeida, no Instituto de Música do RN, ocasião em que participou de algumas audições públicas e participando do Conjunto de Câmera Prof. José Monteiro Galvão. Após 1964, face às dificuldades financeiras foi instado a deixar o serviço público federal para exercer a advocacia dando assistência a empresas privadas.
Ainda nos anos sessenta, realizou sua primeira viagem ao exterior, visitando o Peru, o Chile e a Argentina. Depois, conheceu a Europa Central e os Estados Unidos.
Retornando à Natal, foi nomeado para as funções de Assessor Especial da Fundação José Augusto, ao tempo em que eu exerci a presidência do órgão.
Em 1991, foi nomeado Assessor Jurídico do Estado, e lotado na Procuradoria Geral, onde aposentou-se aos setenta anos.
Jansen Leiros, como escritor, editou os seguintes livros: “Macaíba e seus tipos populares”, “Fragmentos e Reflexões”, “Contos do Entardecer”, “Apólogos do Nascer do Sol”, “Prelúdios de um Novo Dia”, “Relembranças”, “Macaíba de Cada Um”, “Sonata do Alvorecer de Aquários”, “Itinerário de um Sertanejo”, “Daphne – compromissos e resgates”, “Garimpando a Luz”, “Acordes da Alma”, “Aleluia do Homem Novo” e “Aquarela do Sol Nascente”.
No campo da música, ele criou entre uma vintena de composições: “Sonho de um Cello”, “Crepúsculo no Solar da Madalena”, “Alma Nordestina” e “Balada para Daphne”, todos por ele harmonizadas para orquestra de cordas.
Estudou canto lírico, e participou de conjuntos corais como o Harmus, do Instituto de Música Waldemar de Almeida, da Fundação José Augusto, de cuja criação foi um dos responsáveis quando compunha o Conselho de Administração. Barítono, como seu avô materno – maestro João Viterbino de Leiros, era um seresteiro nato e um orador de belas metáforas. Carismático, de simpatia contagiante, era querido pelos que faziam seu entorno. Como advogado, exerceu as funções de Juiz Eleitoral, do Tribunal Eleitoral do Rio Grande do Norte, nomeado pelo Ministério da Justiça e Juiz do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Estado do Rio Grande do Norte.
Como profissional de Direito, exerceu a função de advogado empresarial durante algumas décadas, quando foi nomeado para exercer as funções de Assessor Jurídico do Estado. Ainda como liberal, foi nomeado pelo Ministério da Justiça para as funções de Juiz Eleitoral do Rio Grande do Norte. Exerceu de 2004 a 2008 a função de Juiz de Ética da OAB/RN. Integrava o IHGRN e foi o primeiro presidente da Academia Macaibense de Letras.
Faleceu em 17 de outubro de 2016, pacificado com Deus e com os homens. Saudades muitas do amigo e conterrâneo.

 (*) Escritor.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019



CARTAS DE COTOVELO (VERÃO DE 2018/2019)
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes (nº 08) 

            Ao conferir as mensagens do dia através do “zap”, uma que me foi enviada pelo Dr. Carlos Dutra despertou a minha especial atenção. É uma reprodução de recentes informes da coluna de Vicente Serejo, no jornal Agora onde em notas sucessivas comenta atitudes desagradáveis contra o Monsenhor Lucas Batista, com a sua retirada da Igreja de Santo Agostinho de Hipona, onde realizava atividades pastorais de qualidade reconhecida, tal qual já ocorrera antes com a sua saída da Igreja de Santa Terezinha.
Esse tema não é inusitado, pois já acontecido com outros vigários obreiros desta cidade presépio, haja vista o exemplo de Dom Costa, construtor da nossa Catedral, que terminou os seus dias na Congregação de Caruaru, nove anos depois de deixar a sua amada Natal, os seus incontáveis amigos e familiares.
A propósito, li neste veraneio o livro Dom Costa, de autoria do Cônego José Mário de Medeiros e Otto Euphásio de Santana, onde registram o constrangimento silencioso daquela criatura amada pelos natalenses.
Sem adentrar nas razões motivadoras das atitudes da administração Religiosa, prefiro apenas testemunhar a grandeza de espírito dos dois mensageiros de Deus, com os quais tive a feliz oportunidade de conviver num passado próximo com Dom Costa e contemporaneamente com Monsenhor Lucas.
Certamente que o valor de ambos permanecerá na lembrança dos seus discípulos e amigos e também da cidade como um todo, a orientar os caminhos dos novos sacerdotes, sobretudo nos momentos mais difíceis pelos quais atravessa o povo de Deus neste rincão sofrido do Nordeste.
Anseio a oportunidade de poder abraçar o estimado amigo Monsenhor Lucas e dizer da minha admiração pela sua obra e alegria da sua amizade.
Acredito que os desígnios do Criador chegarão para a compensação devida, a quem renunciou ao cotidiano da vida social para viver em dedicação aos necessitados de amor e fé.
 (Cotovelo/Natal, 18 de janeiro).




CARTAS DE COTOVELO (VERÃO DE 2018/2019)
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes (nº 07) 

            Hoje é um dia especial para mim, pois irei lançar mais um livro para registro da posteridade.
            O livro representa, cada vez que é apresentado à sociedade, mais um ser colocado no mundo para o conhecimento das coisas, da natureza, da história e dos sentimentos.
            Neste ensejo estou a oferecer uma breve notícia do surgimento do Município de Parnamirim, seu desenvolvimento e, um toque especial, para os seus distritos litorâneos – Pirangi, Pium/Cotovelo e Barreira do Inferno, dando conta de algumas de suas características, locais/atividades de maior relevo e as atrações que oferecem.
            Todas essas considerações iniciais conduzem o leitor para o aspecto principal do livro, que é contar o surgimento da ideia de se criar uma associação dos proprietários, moradores e veranistas de Cotovelo, atribuída a José Augusto Bezerra de Medeiros Sobrinho e concretizada através da PROMOVEC, com finalidades diversificadas de apoio às reivindicações da comunidade em suas múltiplas necessidades: estruturais, sociais, educacionais e de lazer.
            Assim, são registrados seus fundadores, dirigentes e as ações desenvolvidas ao longo desses 31 anos, que nos legaram melhorias como a feirinha de Pium, água e esgoto, urbanização, coleta de lixo, iluminação e segurança, dentre outros melhoramentos que vieram por decorrência.
            Para a realização deste trabalho contei com a colaboração de associados e moradores e ex-moradores como Regina Garcia (Recanto do Garcia), que me facilitaram documentos, fotografias e fundamentais informações sobre a comunidade, embora não seja uma obra definitiva, servindo como ponto de partida para outras iniciativas semelhantes, tornando este recanto do litoral sul mais conhecido e compartilhado com quem queira viver momentos maravilhosos de uma convivência fraterna, próximo da natureza, ainda presente em suas cercanias, de uma praia limpa, segura e de uma população ordeira e trabalhadora, que são motivações que se renovam a cada ano de veraneio.
            No meu caso particular, frequento Cotovelo há três décadas, com alguma regularidade, pois aqui consigo refazer as minhas forças e ganhar motivação para a missão de escritor, recebendo o frescor da brisa que nos é ofertada e um silêncio necessário a uma introspecção da vida.
            Claro que ainda existem algumas mazelas, principalmente em dia de festas em Pirangi, com um fluxo exagerado de veículos – coisas que o tempo indicará as melhores soluções.
            Conto com você na minha festa de lançamento, preparada com carinho pela PROMOVEC.
(Cotovelo/Natal, 18 de janeiro).

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

CARTAS DE COTOVELO 6 - 2019



CARTAS DE COTOVELO (VERÃO DE 2018/2019)
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes (nº 06)

        Um trivial passeio matinal nas areias límpidas de Cotovelo, cercanias das falésias do Barramares, em passos mansos com a minha Therezinha, dei-me a contar-lhe algo da história daquele local.
Precisamente nas águas do pontal onde agora se instala o Condomínio Porto Brasil, na grande enseada que ali começa e vai até a barreira do inferno, em 1633 aportaram algumas naus de holandeses, já invasores das terras recifenses, para alargarem sua audácia na direção de Natal, haja vista o malogro de uma tentativa anterior em outubro de 1631, com uma grande expedição, que terminou face à reação eficaz do capitão mor Cipriano Pita Porto Carreiro.
Desta feita, com quatro navios e outras pequenas embarcações, partiram do Recife em 5 de dezembro e dois dias depois fundearam os veleiros na costa de Cotovelo, depois levantaram âncoras, contornando o pontal desta bacia e novamente, com grande cautela, aportaram na praia de Ponta Negra, no rumo da Fortaleza dos Três Reis Magos, poucos quilômetros dali em 8 de dezembro de 1633, sob o comando do Amirante Jean Cornelisseb Liichthord e mais 808 homens. Entre eles, registram-se as presenças do tenente-coronel Baltasar Bima, comandante das operações militares e o conselheiro Carpentier e Matais ou Matthijs van Ceulen, um dos diretores da Companhia das Índias Ocidentais, que emprestou o seu patronímico para a mudança do nome da Fortaleza como “Castelo de Keulen” ou Ceulen, (Kasteel Keulen). 

A tomada não foi pacífica, haja vista que “diante da recusa do Comandante do Forte, Pero Mendes Gouveia, em ceder ao pedido dos holandeses, que queriam tomar o Forte, o combate se inicia em 8 de dezembro. No dia 10, o comandante do Forte é gravemente ferido. No dia 12, surge uma bandeira branca sobre as muralhas da Fortaleza, pedindo paz, a luta era de total incompatibilidade, 808 flamengos contra 85 portugueses. Ao ver a bandeira branca, o tenente-coronel Baltasar envia uma mensagem ao comandante do Forte, pedindo que ele se rendesse imediatamente; este, no entanto, negou-se e afirmou não ter sido dele a ideia de pedir paz.
Dentro do Forte havia pessoas estranhas e estes haviam colocado a bandeira pedindo a paz, entre as pessoas estavam um foragido, um condenado à morte e outro que havia vindo na expedição. O coronel Baltasar recebe uma carta de rendição e a recusa por não ter a assinatura do comandante, mas o Sargento Sebastião Pinheiro Coelho, que era o foragido que estava refugiado no Forte, afirma ter assumido o comando, uma vez que Pero Mendes encontrava-se enfermo e incapaz de tomar alguma decisão.
As negociações são feitas, os holandeses atendem a algumas reivindicações dos derrotados e, no forte, é hasteada a bandeira dos flamengos, substituindo a bandeira portuguesa. Após tomarem o Forte, os holandeses se mostraram solidários com os derrotados, prestaram socorro ao comandante Pero Mendes e o enviaram para Recife. Há historiadores que consideram a tomada do Forte como sendo possibilitada por uma traição, visto as negociações terem sido feitas com um preso e outro condenado à morte. Outros consideram realmente rendição.”

A Fortaleza teve a construção iniciada em 06 de janeiro de 1598 – Dia dos Santos Reis, que lhe deram o nome. Depois reconstruída, com formato em cinco pontas. Os invasores chegaram ao seu objetivo em 12 de dezembro de 1633, dando início de um domínio que durou até 1654, quando foram expulsos.
Durante o domínio holandês o nosso Estado foi governado por três capitães: Joris Garstman foi o primeiro holandês a comandá-la (diz-se que foi genro de João Lostão Navarro? dono da casa de pedra de Pium). Depois Johans Blaenbeeck, Jan Denniger e um major: Bayert, todos eles flamengos.
O Conde Maurício de Nassau (1604-1679) mandou repará-la (1638). Esse nosso marco histórico tem sido vítima do descaso oficial, mas agora existe uma determinação de restaurá-lo. Que assim seja!

(Cotovelo/Natal, 15 de janeiro).




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segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Artigo Origens do Direito Público Brasileiro


                                                















Por Edilson Pereira Nobre Júnior, desembargador federal do TRF5
Naquela que porventura foi a sua última crônica política, publicada na coluna “A Semana”, pelo jornal Gazeta de Notícias, no dia 13 de dezembro de 1896, e que mereceu reedição pelo Senado Federal (O velho Senado. Brasília: Senado Federal, 2004, p. 71-78), Machado de Assis enfatizou, a propósito de discussão sobre a aprovação de tributos a serem pagos pelas companhias teatrais, mais precisamente sobre a distinção de tratamento ou igualdade tributária entre as companhias nacionais e estrangeiras, que a referida arte teatral não era propriamente brasileira nem estritamente francesa, mas sim franco-brasileira, da mesma forma que a língua por ela utilizada não poderia se atribuir exclusivamente a Voltaire nem inteiramente a Alencar, consistindo num terceiro organismo feito com partes de ambas.
Esse traço, extraído da literatura, pode ser compreendido de forma mais ampla, a demonstrar a enorme influência que, entre nós, granjeou no século XIX a cultura francesa. Isso nos mais diversos segmentos, sendo marcante aquela que se verificou em nossas instituições jurídicas e políticas.
Recordei-me há pouco disso, após a leitura de “Ideias e Instituições no Império – Influências Francesas” (Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, 1953) de Octacílio Alecrim, cujo exemplar me foi generosamente entregue pelo mestre Ivo Dantas, titular da cátedra de Direito Constitucional da Faculdade de Direito do Recife.
O autor, numa linguagem excessivamente didática e prazerosa, e, ao mesmo tempo, fértil na capacidade de unir o belo ao erudito, principia por enfatizar que no Brasil, ao final do período colonial, o estudo da ciência política era praticamente algo desconhecido, seja porque aqui não havia uma só tipografia, ou mesmo uma universidade, mas também porque a vigilância real, na defesa do absolutismo, impedia qualquer manifestação livre de pensamento, chegando a Provisão de 14 de outubro de 1808 a proibir nas alfândegas o desembaraço de livros e papéis impressos sem a prévia licença do Desembargado do Paço, punindo a conduta infratora com prisão e multa.
Daí esclarece que a elaboração da primeira constituição para o Brasil, a qual foi outorgada por D. Pedro I em 25 de março de 1824, mas que foi elaborada pelo recém-criado Conselho de Estado, bem como a inspiração que dominou a Constituinte instalada em 03 de maio de 1823, constituiu um trabalho de direito constitucional comparado, realizado à base da solidariedade por similitudes, no qual se sobressaiu a influência das linhas gerais da Constituição francesa de 1791, com a divisão do poder de legislar entre a nação e o monarca.
A explicação para tanto – diz-nos o autor - decorreu, por uma parte, da aplicação do método histórico, pois a adoção da forma de governo francesa de 1791 (monarquia constitucional) pela Constituição de 1824 foi uma transplantação racional, correspondente às aspirações de um mesmo espírito político no espaço e no tempo (França, Espanha, Portugal e Brasil) e, de outro, pelo método sociológico, uma vez o absolutismo real ainda se encontrava a influenciar nossas condições políticas, sociais e econômicas.
O fato de D. Pedro I haver repetido o gesto de Luis XVIII, quanto à Carta Constitucional de 1814, substituindo o arquétipo democrático da assembleia constituinte pelo autoritário da outorga, segundo o autor, não desfigura esse traço liberal, pois à época, na qual preponderante na Europa pós-napoleônica o princípio monárquico, uma constituição poderia também resultar de uma decisão unilateral do Rei, o qual, por sua vontade, consente em outorgar aos súditos um estatuto pelo qual decide limitar, na medida ali especificada, seus próprios poderes.

Assim o Brasil ganhou sua primeira e então possível forma jurídica.




CARTAS DE COTOVELO (VERÃO DE 2018/2019)

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes (nº 05)

        Após um domingo movimentado, onde saboreei um atum branco, preparado no velho bar Cotovelo, de Dona Helena de saudosa memória, complementado por uma maxixada feita por Cleide, deletei-me o resto do dia com as minhas leituras. No momento “Nove Papas contra a destruição do mundo”, de Betho Ieesus e o permanente passeio pela internet, através do qual recebi e-mail do meu velho amigo Geniberto Campos, contemporâneo da vida universitária nos anos 60, que me enviou um artigo interessante: “Por que o educador Paulo Freire tanto incomoda a elite brasileira“, com a recomendação de fazê-lo chegar a Ivan Maciel, o que já fiz.
O sono não me acalentou a noite, pois não foi bom o efeito de um almoço exagerado. Madruguei sob o cair de chuva. Em meio a um veraneio ela nem sempre é bem vinda. Mas se tratando de nordeste, o adágio perde a razão. Foi recebida com respeito e agradecimento ao Criador. Logo voltou o Sol, escondido intercaladamente entre nuvens carregadas. O que fazer? Uma rede resolve tudo, pois abriga o corpo como um ventre materno.
A leitura é uma “doença” e não demoro muito no ócio praiano, volto às leituras e ao computador. Veja o que recebi agora, quentinha: uma poesia atribuída a Carlos Jales. Gostei tanto que vou aqui reproduzi-la:

Por que calaram a voz do menino?

Por que calaram a voz do menino que dorme na memória?
Por que o impediram de ouvir pássaros em profusão e o proibiram
de pegar o sol descendo as ladeiras?

Há vozes que não escuta mais,
corredores que se fecham ao romper da aurora,
bois que se perderam de seus antigos currais.
O menino não as ouve, nem os vê.

Por que plantam a dor no coração do menino e
arrancam do seu peito o canto do mar e suas ilhas?

Por que o menino olha para o céu e as estrelas não respondem?
Perderam suas rotas?
Mágicos as transformaram em trevas?

Anotem:
O menino vencerá a morte?
Ou vivo, desfraldará a bandeira de todos os absurdos?

Suas estrofes conduzem à meditação do viver e da vivência, situação mais adequada nas calmarias de um veraneio – esse lúdico período de refazimento das canseiras do corpo e do espírito.

Eu, menino, continuo percorrendo, na memória, outros tantos veraneios de um tempo que passou, mas deixou o passado que ficou, como disse Tristão de Athayde: O passado não é aquilo que passa, mas o que fica do que passou”.

 (Cotovelo/Natal, 14 de janeiro).

UMA OPINIÃO DE UM RESPEITÁVEL POTIGUAR





POR QUE O EDUCADOR PAULO FREIRE TANTO INCOMODA A ELITE BRASILEIRA?
(As origens da “Escola sem Partido”)

Geniberto Paiva Campos, Brasília, janeiro, 2019

Quando estudante universitário, aluno da Faculdade de Medicina da UFRN, década de 1960, tive a oportunidade de trabalhar com o professor Paulo Freire na implantação do projeto de alfabetização de adultos. Que prometia alfabetizar esse grupo etário em 40 horas.
À época as taxas de analfabetismo no Brasil eram vergonhosas. E não eram diferentes no estado do Rio Grande do Norte.
A Educação era um tema prioritário na pauta de políticas públicas.  E a alfabetização era o foco das preocupações das mais diversas instituições locais: Igreja Católica, a Prefeitura Municipal de Natal e o Governo do Estado. Correndo por fora, a Academia lutava pela criação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cuja concretização se deve à luta incessante, (quase quixotesca, enfrentando os moinhos de vento da burocracia), junto às autoridades federais, do professor Onofre Lopes, conceituado profissional, integrante do quadro de professores da Faculdade de Medicina. Depois reitor da UFRN.
Na área da alfabetização projetos modernos eram desenvolvidos. Ousados para a época, extremamente criativos, na tentativa, através do uso inteligente dos recursos didáticos então disponíveis, de vencer um imenso desafio: retirar amplos segmentos populacionais das chamadas “trevas do analfabetismo”.
As “escolas radiofônicas” da Arquidiocese de Natal foi o projeto educacional que utilizou, de forma pioneira, recursos tecnológicos – no caso o rádio – precursor da educação à distância. D. Eugênio Sales, então arcebispo, atribuía alta prioridade ao projeto. E recrutou jovens estudantes universitários para atuar como educadores. Que cumpriram muito bem sua missão.
A “campanha de pé no chão também se aprende a ler”, da Prefeitura de Natal, tornou-se um marco importante na demonstração cabal de que a educação de qualidade não dependia da construção de prédios suntuosos.  As escolas, ou “acampamentos escolares”, cumpriam as suas funções educativas em construções singelas, de cobertura de palha de coqueiro e chão de barro batido que acolhiam centenas de crianças. Cumprindo funções didáticas altamente eficientes. Atraídas pela recreação e a merenda. A Campanha era coordenada pela professora Margarida de Jesus Cortez. O prefeito Djalma Maranhão e o secretário de educação Moacyr de Góes, também atribuíam prioridade máxima ao programa. A Campanha evoluiu para “De Pé no Chão também se aprende uma profissão”, sob a coordenação do estudante de engenharia Josemá Azevedo. E do professor Omar Pimenta.
E o Projeto de Angicos, de alfabetização de adultos, da secretaria de educação do Governo do Estado, governador Aluizio Alves, secretário de Educação Calazans Fernandes, o qual adotou o método Paulo Freire de alfabetização em 40 horas, com a participação de estudantes universitários, sob a coordenação do então estudante de direito, Marcos Guerra. E eles comprovaram que o método funcionava.
(Chama a nossa atenção que pessoas de diferentes visões políticas, guardassem um posicionamento tão coerente sobre a questão educacional).
O Brasil vivia então um clima de alta efervescência política. Que iria resultar no golpe de estado de 1964. A chamada Guerra Fria, iniciada ao final da Segunda Guerra, buscava produzir resultados concretos na América Latina, através da derrocada de regimes democráticos, substituídos por ditaduras violentas e sanguinárias. Brasil, Chile, Argentina, Uruguai representaram a sequência de golpes armados que, sob o pretexto de salvar o regime democrático, iriam colocar a Democracia em longo recesso na região.
O Golpe de 1964 assumiu a área da Educação como alta prioridade, mas em sentido inverso. Pessoas e instituições envolvidas em programas de alfabetização tornaram-se suspeitas de subversão.  Presas, foram perseguidas, exiladas. Foram cassados seus direitos políticos. Exatamente porque ensinavam as primeiras letras ou uma profissão, a crianças, jovens e adultos. E utilizando métodos didáticos de vanguarda. Para os novos donos do poder, um grave crime político.
Decorridos pouco mais de meio século desses relevantes eventos, emergem dois fatos difíceis de serem negados:
1.    A colonização ibérica deixou suas marcas na América Latina. Uma delas o controle do pensamento. Particularmente no Brasil, os colonizadores portugueses tinham como dogma controlar o acesso da população – mesmo em sua grande maioria iletrada - sobre livros e outras publicações e manifestações do livre pensamento universal. Que consideravam uma ameaça ao rígido controle que julgavam essencial à manutenção da paz e tranquilidade da população colonizada, mantendo-a na ignorância, mas obediente e servil. Conservá-la na ignorância, ou no mínimo sob rígido controle, tornou-se uma espécie de objetivo permanente. Daí a suspeição provocada entre os pioneiros dirigentes lusitanos sobre todas as formas do livre pensar. O analfabetismo não era, portanto, uma “falha” no processo colonial. Era um objetivo essencial. Escolas, faculdades, universidades eram uma espécie de “locais suspeitos”. O surgimento das universidades entre nós foi um processo lento, com grande retardo histórico e pouco estimulado. Mesmo após a conquista da Independência. E a nossa elite, herdeira do preconceito colonial, para sempre comprometida com o atraso, soube muito bem preservar essa conduta.

2.O que é a “Escola sem Partido” senão a revelação da permanência desse eterno compromisso com o obscurantismo, em pleno século 21? Por que tanto receio quanto às ideias e a mensagem do professor Paulo Freire?  Apenas porque ele ensinava os seus educandos a distinguir, durante o processo educacional, a consciência ingênua da consciência crítica? E mais, que a educação não poderia ser um processo descontextualizado da realidade? Aliás, por que tanta manifestação de infundados receios com a educação moderna e a tentativa – inútil – mas assumida sem o menor pudor pelo conservadorismo, de querer controlar o processo educacional, fazendo-o regredir, sob o pretexto de evitar a partidarização das escolas? Isso em plena era da Tecnologia da Informação e da Inteligência Artificial?

Finalmente, para os que gostam de pensar livremente, transcrevemos a crítica do sociólogo e cientista político Yuval N. Harari (1):
A Revolução Industrial deixou-nos como legado a teoria da linha de produção da educação. No meio da cidade existe um grande prédio de concreto dividido em muitas salas idênticas, cada sala equipada com fileira de mesas e cadeiras. Ao soar uma campainha você vai para uma dessas salas junto com outras trinta crianças que nasceram, todas, no mesmo ano que você. A cada hora entra um adulto e começa a falar. São pagos pelo governo para fazer isso. Um deles fala sobre o formato da Terra, outro sobre o passado humano e um terceiro sobre o corpo humano. É fácil rir desse modelo, e quase todo mundo concorda que, a despeito de suas conquistas do passado, ele está falido”.
É este modelo educacional que adultos do século atual julgam adequado? É justo e pertinente negar a Paulo Freire a condição de um dos maiores nomes da educação mundial? Muito cuidado, portanto, com a propaganda política e a manipulação desonesta da Elite.
Voltemos ao Harari (1), o qual recomenda aos jovens: “não confie demais nos adultos. A maioria deles tem boas intenções, mas eles não compreendem o mundo. No passado, era relativamente seguro apostar em seguir os adultos, porque eles conheciam as coisas bastante bem, e o mundo se transformava lentamente. Mas o século 21 será diferente. Devido ao ritmo cada vez mais acelerado das mudanças, você nunca terá certeza se aquilo que os adultos estão lhe dizendo é fruto de uma sabedoria temporal ou de um preconceito ultrapassado.”

(1)  Yuval Noah Harari in “21 lições para o século 21” - Ed. Companhia das Letras, 2018