segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Artigo Origens do Direito Público Brasileiro


                                                















Por Edilson Pereira Nobre Júnior, desembargador federal do TRF5
Naquela que porventura foi a sua última crônica política, publicada na coluna “A Semana”, pelo jornal Gazeta de Notícias, no dia 13 de dezembro de 1896, e que mereceu reedição pelo Senado Federal (O velho Senado. Brasília: Senado Federal, 2004, p. 71-78), Machado de Assis enfatizou, a propósito de discussão sobre a aprovação de tributos a serem pagos pelas companhias teatrais, mais precisamente sobre a distinção de tratamento ou igualdade tributária entre as companhias nacionais e estrangeiras, que a referida arte teatral não era propriamente brasileira nem estritamente francesa, mas sim franco-brasileira, da mesma forma que a língua por ela utilizada não poderia se atribuir exclusivamente a Voltaire nem inteiramente a Alencar, consistindo num terceiro organismo feito com partes de ambas.
Esse traço, extraído da literatura, pode ser compreendido de forma mais ampla, a demonstrar a enorme influência que, entre nós, granjeou no século XIX a cultura francesa. Isso nos mais diversos segmentos, sendo marcante aquela que se verificou em nossas instituições jurídicas e políticas.
Recordei-me há pouco disso, após a leitura de “Ideias e Instituições no Império – Influências Francesas” (Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, 1953) de Octacílio Alecrim, cujo exemplar me foi generosamente entregue pelo mestre Ivo Dantas, titular da cátedra de Direito Constitucional da Faculdade de Direito do Recife.
O autor, numa linguagem excessivamente didática e prazerosa, e, ao mesmo tempo, fértil na capacidade de unir o belo ao erudito, principia por enfatizar que no Brasil, ao final do período colonial, o estudo da ciência política era praticamente algo desconhecido, seja porque aqui não havia uma só tipografia, ou mesmo uma universidade, mas também porque a vigilância real, na defesa do absolutismo, impedia qualquer manifestação livre de pensamento, chegando a Provisão de 14 de outubro de 1808 a proibir nas alfândegas o desembaraço de livros e papéis impressos sem a prévia licença do Desembargado do Paço, punindo a conduta infratora com prisão e multa.
Daí esclarece que a elaboração da primeira constituição para o Brasil, a qual foi outorgada por D. Pedro I em 25 de março de 1824, mas que foi elaborada pelo recém-criado Conselho de Estado, bem como a inspiração que dominou a Constituinte instalada em 03 de maio de 1823, constituiu um trabalho de direito constitucional comparado, realizado à base da solidariedade por similitudes, no qual se sobressaiu a influência das linhas gerais da Constituição francesa de 1791, com a divisão do poder de legislar entre a nação e o monarca.
A explicação para tanto – diz-nos o autor - decorreu, por uma parte, da aplicação do método histórico, pois a adoção da forma de governo francesa de 1791 (monarquia constitucional) pela Constituição de 1824 foi uma transplantação racional, correspondente às aspirações de um mesmo espírito político no espaço e no tempo (França, Espanha, Portugal e Brasil) e, de outro, pelo método sociológico, uma vez o absolutismo real ainda se encontrava a influenciar nossas condições políticas, sociais e econômicas.
O fato de D. Pedro I haver repetido o gesto de Luis XVIII, quanto à Carta Constitucional de 1814, substituindo o arquétipo democrático da assembleia constituinte pelo autoritário da outorga, segundo o autor, não desfigura esse traço liberal, pois à época, na qual preponderante na Europa pós-napoleônica o princípio monárquico, uma constituição poderia também resultar de uma decisão unilateral do Rei, o qual, por sua vontade, consente em outorgar aos súditos um estatuto pelo qual decide limitar, na medida ali especificada, seus próprios poderes.

Assim o Brasil ganhou sua primeira e então possível forma jurídica.

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