segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

UMA OPINIÃO DE UM RESPEITÁVEL POTIGUAR





POR QUE O EDUCADOR PAULO FREIRE TANTO INCOMODA A ELITE BRASILEIRA?
(As origens da “Escola sem Partido”)

Geniberto Paiva Campos, Brasília, janeiro, 2019

Quando estudante universitário, aluno da Faculdade de Medicina da UFRN, década de 1960, tive a oportunidade de trabalhar com o professor Paulo Freire na implantação do projeto de alfabetização de adultos. Que prometia alfabetizar esse grupo etário em 40 horas.
À época as taxas de analfabetismo no Brasil eram vergonhosas. E não eram diferentes no estado do Rio Grande do Norte.
A Educação era um tema prioritário na pauta de políticas públicas.  E a alfabetização era o foco das preocupações das mais diversas instituições locais: Igreja Católica, a Prefeitura Municipal de Natal e o Governo do Estado. Correndo por fora, a Academia lutava pela criação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cuja concretização se deve à luta incessante, (quase quixotesca, enfrentando os moinhos de vento da burocracia), junto às autoridades federais, do professor Onofre Lopes, conceituado profissional, integrante do quadro de professores da Faculdade de Medicina. Depois reitor da UFRN.
Na área da alfabetização projetos modernos eram desenvolvidos. Ousados para a época, extremamente criativos, na tentativa, através do uso inteligente dos recursos didáticos então disponíveis, de vencer um imenso desafio: retirar amplos segmentos populacionais das chamadas “trevas do analfabetismo”.
As “escolas radiofônicas” da Arquidiocese de Natal foi o projeto educacional que utilizou, de forma pioneira, recursos tecnológicos – no caso o rádio – precursor da educação à distância. D. Eugênio Sales, então arcebispo, atribuía alta prioridade ao projeto. E recrutou jovens estudantes universitários para atuar como educadores. Que cumpriram muito bem sua missão.
A “campanha de pé no chão também se aprende a ler”, da Prefeitura de Natal, tornou-se um marco importante na demonstração cabal de que a educação de qualidade não dependia da construção de prédios suntuosos.  As escolas, ou “acampamentos escolares”, cumpriam as suas funções educativas em construções singelas, de cobertura de palha de coqueiro e chão de barro batido que acolhiam centenas de crianças. Cumprindo funções didáticas altamente eficientes. Atraídas pela recreação e a merenda. A Campanha era coordenada pela professora Margarida de Jesus Cortez. O prefeito Djalma Maranhão e o secretário de educação Moacyr de Góes, também atribuíam prioridade máxima ao programa. A Campanha evoluiu para “De Pé no Chão também se aprende uma profissão”, sob a coordenação do estudante de engenharia Josemá Azevedo. E do professor Omar Pimenta.
E o Projeto de Angicos, de alfabetização de adultos, da secretaria de educação do Governo do Estado, governador Aluizio Alves, secretário de Educação Calazans Fernandes, o qual adotou o método Paulo Freire de alfabetização em 40 horas, com a participação de estudantes universitários, sob a coordenação do então estudante de direito, Marcos Guerra. E eles comprovaram que o método funcionava.
(Chama a nossa atenção que pessoas de diferentes visões políticas, guardassem um posicionamento tão coerente sobre a questão educacional).
O Brasil vivia então um clima de alta efervescência política. Que iria resultar no golpe de estado de 1964. A chamada Guerra Fria, iniciada ao final da Segunda Guerra, buscava produzir resultados concretos na América Latina, através da derrocada de regimes democráticos, substituídos por ditaduras violentas e sanguinárias. Brasil, Chile, Argentina, Uruguai representaram a sequência de golpes armados que, sob o pretexto de salvar o regime democrático, iriam colocar a Democracia em longo recesso na região.
O Golpe de 1964 assumiu a área da Educação como alta prioridade, mas em sentido inverso. Pessoas e instituições envolvidas em programas de alfabetização tornaram-se suspeitas de subversão.  Presas, foram perseguidas, exiladas. Foram cassados seus direitos políticos. Exatamente porque ensinavam as primeiras letras ou uma profissão, a crianças, jovens e adultos. E utilizando métodos didáticos de vanguarda. Para os novos donos do poder, um grave crime político.
Decorridos pouco mais de meio século desses relevantes eventos, emergem dois fatos difíceis de serem negados:
1.    A colonização ibérica deixou suas marcas na América Latina. Uma delas o controle do pensamento. Particularmente no Brasil, os colonizadores portugueses tinham como dogma controlar o acesso da população – mesmo em sua grande maioria iletrada - sobre livros e outras publicações e manifestações do livre pensamento universal. Que consideravam uma ameaça ao rígido controle que julgavam essencial à manutenção da paz e tranquilidade da população colonizada, mantendo-a na ignorância, mas obediente e servil. Conservá-la na ignorância, ou no mínimo sob rígido controle, tornou-se uma espécie de objetivo permanente. Daí a suspeição provocada entre os pioneiros dirigentes lusitanos sobre todas as formas do livre pensar. O analfabetismo não era, portanto, uma “falha” no processo colonial. Era um objetivo essencial. Escolas, faculdades, universidades eram uma espécie de “locais suspeitos”. O surgimento das universidades entre nós foi um processo lento, com grande retardo histórico e pouco estimulado. Mesmo após a conquista da Independência. E a nossa elite, herdeira do preconceito colonial, para sempre comprometida com o atraso, soube muito bem preservar essa conduta.

2.O que é a “Escola sem Partido” senão a revelação da permanência desse eterno compromisso com o obscurantismo, em pleno século 21? Por que tanto receio quanto às ideias e a mensagem do professor Paulo Freire?  Apenas porque ele ensinava os seus educandos a distinguir, durante o processo educacional, a consciência ingênua da consciência crítica? E mais, que a educação não poderia ser um processo descontextualizado da realidade? Aliás, por que tanta manifestação de infundados receios com a educação moderna e a tentativa – inútil – mas assumida sem o menor pudor pelo conservadorismo, de querer controlar o processo educacional, fazendo-o regredir, sob o pretexto de evitar a partidarização das escolas? Isso em plena era da Tecnologia da Informação e da Inteligência Artificial?

Finalmente, para os que gostam de pensar livremente, transcrevemos a crítica do sociólogo e cientista político Yuval N. Harari (1):
A Revolução Industrial deixou-nos como legado a teoria da linha de produção da educação. No meio da cidade existe um grande prédio de concreto dividido em muitas salas idênticas, cada sala equipada com fileira de mesas e cadeiras. Ao soar uma campainha você vai para uma dessas salas junto com outras trinta crianças que nasceram, todas, no mesmo ano que você. A cada hora entra um adulto e começa a falar. São pagos pelo governo para fazer isso. Um deles fala sobre o formato da Terra, outro sobre o passado humano e um terceiro sobre o corpo humano. É fácil rir desse modelo, e quase todo mundo concorda que, a despeito de suas conquistas do passado, ele está falido”.
É este modelo educacional que adultos do século atual julgam adequado? É justo e pertinente negar a Paulo Freire a condição de um dos maiores nomes da educação mundial? Muito cuidado, portanto, com a propaganda política e a manipulação desonesta da Elite.
Voltemos ao Harari (1), o qual recomenda aos jovens: “não confie demais nos adultos. A maioria deles tem boas intenções, mas eles não compreendem o mundo. No passado, era relativamente seguro apostar em seguir os adultos, porque eles conheciam as coisas bastante bem, e o mundo se transformava lentamente. Mas o século 21 será diferente. Devido ao ritmo cada vez mais acelerado das mudanças, você nunca terá certeza se aquilo que os adultos estão lhe dizendo é fruto de uma sabedoria temporal ou de um preconceito ultrapassado.”

(1)  Yuval Noah Harari in “21 lições para o século 21” - Ed. Companhia das Letras, 2018

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