quinta-feira, 25 de julho de 2024
Sant’Ana, tradição e culto
Padre João Medeiros Filho
A devoção a Sant’Ana está entre as mais antigas tradições católicas. Detém grande popularidade entre os fiéis cristãos. Por ser a genitora da Mãe de Cristo, lhe são atribuídos vários privilégios, como obter rapidamente favores celestiais. Ela intercede na condição de avó “Daquele que faz maravilhas” (Sl 136/135, 4). No Brasil, a devoção se espalhou durante o período colonial, graças à veneração da corte portuguesa. O garbo e esplendor do barroco proporcionaram belas esculturas de Sant’Ana que hoje adornam imponentes altares de nosso país.
No Oriente, o culto à mãe da Virgem Santíssima é antigo, consolidando-se no século VI. No Ocidente, introduziu-se anos depois. Em 1584, o Papa Gregório XIII fixou a data de 26 de julho para sua festa litúrgica. A devoção à esposa de Joaquim era tão forte entre os fiéis, a ponto de lhe concederem o título de “Senhora”, outorgado pela tradição à Virgem Mãe de Deus. Muitos católicos passaram a chamá-la de “Nossa Senhora Sant’Ana”. Assim é cultuada, especialmente, no Seridó potiguar. Em 710, as relíquias da avó de Jesus foram levadas de Israel para Constantinopla e posteriormente distribuídas para várias igrejas. A maior delas ficou num santuário que lhe fora dedicado, em Düren (Alemanha). Há poucos dados históricos comprovados a respeito dos pais de Maria de Nazaré. As referências sobre eles chegaram até nós por meio do Protoevangelho de Tiago, um livro que data provavelmente do primeiro século do cristianismo. Apesar de não integrar os evangelhos reconhecidos como oficiais pela Igreja, trata-se de importante obra histórica. É citado em diversos escritos da Patrística Oriental, como os bispos Epifânio de Salamina e Gregório de Nissa.
O nome Ana deriva de “Hanna” (hebraico), cuja etimologia é graça divina, Deus tem misericórdia. Era descendente da família de Aarão e seu esposo Joaquim, da estirpe real de Davi, cujo nome bíblico significa: “confirmado por Deus”. Nesse casal encontra-se parte da nobreza da genealogia de Cristo. Ana casou-se jovem como toda moça de seu tempo. A tradição diz que seu marido era um homem de posses e bem situado na sociedade, relacionando-se com pessoas de todo Israel. Frequentavam as cerimônias e festas do Templo de Jerusalém. Ali, ao lado da Piscina de Betesda, está situada uma basílica, em honra à mãe da Virgem Imaculada.
Há relatos de que Sant’Ana era estéril. Não conseguia engravidar, decorridos anos de casamento. Os conhecimentos científicos de então imputavam a esterilidade somente às mulheres. À época, eram consideradas não abençoadas por Deus. Consequentemente, o casal sofreu humilhações, sendo censurado pelos sacerdotes por não gerar filhos. Isto fazia com que ambos padecessem muito. Entretanto, eram pessoas de profunda fé e confiavam em Deus, apesar de todo o sofrimento. Joaquim resolveu retirar-se para o deserto a fim de rezar e fazer penitência. Nessa ocasião, um anjo lhe apareceu e disse que suas orações foram ouvidas. Igualmente, o mensageiro celestial visitou sua esposa, confirmando que as preces do casal haviam sido atendidas. “Ana, teu choro foi ouvido. Conceberás e darás à luz e por toda a terra tua descendência será lembrada”, disse-lhe o arauto divino. Assim, pouco tempo depois, Ana engravidou. Através das provações, Deus estava preparando o lar para o nascimento de Maria, a Virgem pura, isenta de pecado.
Segundo algumas fontes, no dia 8 de setembro entre os anos 20-16 A. C., nasceu uma linda menina, à qual deram o nome de “Miriam”, que em hebraico significa Senhora da Luz. A Mãe do Salvador foi concebida por aquela que todos diziam ser infértil. Os pais de Nossa Senhora são de fundamental importância na história da salvação, não apenas pelo nascimento da Corredentora, sobretudo pelas virtudes e educação da futura Mãe do Redentor do Mundo. Os genitores de Maria Santíssima são um exemplo de fé profunda, acreditando que “para Deus nada é impossível” (Lc 1, 37). Sua vida e exemplo mostram-nos o poder e a força da oração. A prece não é nenhum monólogo. “Pedi e vos será dado, procurai e achareis, batei e a porta vos será aberta” (Mt 7, 7), recomenda-nos o Mestre.
segunda-feira, 22 de julho de 2024
ALUMBRAMENTOS
Valério Mesquita*
mesquita.valerio@gmail.com
Mantenho reações conservadoras diante dos fatores imanentes e
iminentes da vida. Sou devoto dos hábitos e da retórica provinciana do interior.
O costume secularizado da cadeira na calçada, da brisa sedutora do fim de
tarde, do grito heróico do vendedor de cuscuz e mugunzá ainda me
apascentam. São crenças básicas na simplicidade da vida como perpétuo e
inalienável direito de existir, misturado ao povo miúdo, posto ser melhor do
que o absolutismo dos donos do palanque e da burguesia consumista e
desfigurada pelo cinismo materialista. Mas fui tomado pelo fascínio de mesclar
o real e o imaginário. Não exercito artificial adesão ao modismo.
Nenhum vestígio que se possa recolher da minha travessia terrena
não passará da impressão de algo plástico, aéreo, estelar, humano e sobre-
humano, difuso mas cintilante, místico e mítico. No meu bairro sou donatário
da capitania não hereditária. Ou seu capataz dos mistérios circundantes como
Cláudio Emerenciano e Vicente Serejo, hoje em Morro Branco. Não renegam a
horizontabilidade urbana de onde extraem a alma e o sumo das verdadeiras
descobertas. A minha rua em Lagoa Nova é modesta. A iluminação pública
espalha no calçamento parnasiano a luz mortiça amarela, qual um abajour lilás.
No céu estrelado passeio a nostalgia que vem da herança telúrica de um tempo
que a memória ainda não desfez. O rio, a casa, a lua, a calçada, as aparições
noturnas.
Minha angustia factual e meu desespero tipicamente social estão
inseridos no contexto das doenças que as seguradoras de saúde não cobrem.
Componho o universo sensível, ferido, por vezes amargo e infeliz, que
abomina a marginalização dos pobres, dos velhos, das crianças, vítimas do
perverso sistema econômico-social. Por isso procuro a terra habitada pelo
silêncio e pela distância das coisas, porque o meu grito é cárcere concreto e
real e já não se faz mais ouvido. Conforta-me que as palavras não são fugazes
nem constituem perdas instantâneas. Meu canto é harmônico sem divagações
nem desvios, embora as tensões e os influxos se cruzem, se choquem mas não
se anulam.
Volto a minha ruazinha comum. Nela não residem poderosos.
Afinal, sozinho perscruto a tolice dos seus mistérios visíveis e invisíveis. Não
há muito que sonhar. Como mergulhador penetro nas ruínas da alegria de sua
pobreza, sem jardins, às vezes, sem chananas, refletores ou praças. Rua opaca,
empírica, apenas onomatopaica. Mas, é o território dos meus vãos e desvãos.
Nem fantasmas líricos e bufões aparecem. Somente vislumbro minhas relíquias
imemoriais da infância e da adolescência. Restos sagrados nos olhos de quem é
intimo da ilusão, eterno aprendiz de um mundo de contradições, mas também
repleto de lembranças antigas e serenas. Tudo torna minha rua como a quero
ver.
Mas, há quem não goste da época chuvosa e fria dos últimos dias.
Só não podem negar que o vento e o frio, elementos naturais de Deus, exercem
poderosa força proustiana em busca do tempo perdido em cada um de nós. São
como se fossem energias cósmicas renováveis provindas de antiquíssimas
mutações planetárias. Até porque elas são geradas na atmosfera terrestre.
Não quis ir tão alto. Prefiro a humanidade comum das coisas
simples de explicar. E, às vezes, o pior é que elas não são tão simples como
parecem. Por isso, volto à solidão do meu quarto, onde permaneço em
comunhão com a frialdade da madrugada incomum, mas hospitaleira. Sei que
mais tarde terei outra sinfonia. A dos pardais, logo nas primeiras horas da
matina, como se vaiassem o sol emergente. Diante de tudo, e apesar de tudo, a
quem foi concedido o direito de desconhecer tais coisas: o vento, o frio e a
chuva? Termino dizendo que elas estão, não somente fora de nós, mas,
principalmente, dentro de nós.
(*) Escritor.
domingo, 21 de julho de 2024
Carta de Amor - TEMPO DE LEMBRAR
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes
No longínquo ano de 1936, o dia 21 de julho amanhecia mais rico com o nascimento de THEREZINHA ROSSO GOMES, filha dos italianos Rocco Rosso e Rosina Lovisi, tendo os seus primeiros dias na casa de Dona Georgina, defronte à Igreja do Rosário dos Pretos, no bairro da Cidade Alta.
No passar do tempo foi encontrando outros pousos até a casa da Rua Meira e Sá, 118, no Barro Vermelho, vizinha à casa 120, da família do Doutor José Gomes da Costa e Dona Lígia onde, em 1948 conheceu este articulista, molequinho vindo de Macaíba, cheio de sonhos.
Desse tempo em diante passamos a sonhar juntos até 31 de março de 2019, quando celebrou a sua Páscoa final, deixando um rastro de 71 anos de convivência, sempre no mesmo bairro, onde concebeu quatro filhos – Rosa Ligia, Thereza Raquel, Carlos Roberto e Rocco José, ampliando o casal com os netos Lucas Antônio, Carlos Victor, Raphael, Gabriela, Maria Clara, Guilherme e Carlos Neto.
Em que pese a ausência física, nunca deixamos de comemorar os encontros, natalícios e outros momentos, com a lembrança de sua pessoa, pois foi o que ensinou para todos nós – a despeito de ausências – a vida deve ser comemorada.
Assim aconteceu no dia imediato à sua vigem final, quando no dia primeiro de abril fizemos, todos com lágrimas contidas, o aniversário de Maria Clara.
Tais gestos não representam coisas mórbidas, mas acontecimentos sublimes da verdadeira imortalidade, através da sua foto à frente da mesa posta.
Hoje não poderia ser diferente – está programada a comemoração dos seus 88 anos de nascimento, eternizando a pessoa da mais bela flor do nosso jardim, com a sua presença espiritual ampliando o amor que plantou na vida física.
Desnecessário dizer que a saudade está plantada em todos nós, mas igualmente as belas lembranças dos instantes lúdicos, sábios, conciliadores que nos brindou numa existência de luz permanente.
Parabéns, minha beija-flor, e obrigado pelo que nos ensinou por tantos e tantos anos.
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