quinta-feira, 24 de março de 2022

 

O PARAÍSO PERDIDO

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Aprendi nos compêndios de geografia no Colégio Marista que “o Brasil é um país essencialmente agrícola”. Essa teoria mudou radicalmente nesses últimos 60 anos. Principalmente no Nordeste, grande produtor de cana de açúcar, banana, algodão, milho, feijão, mandioca, etc. Particularizando o Rio Grande do Norte, podemos dizer, sem medo de errar, que o produtor rural está falido.

Quem faliu a atividade agrícola? Ora, o Governo Federal, através dos seus próprios instrumentos: o Ministério da Agricultura, os juros bancários e o calote das usinas de açúcar aos produtores de cana.

O produtor rural é hoje um refém permanente dos bancos oficiais. Além das dívidas padecem as dúvidas do tempo, da ausência de uma política agrícola definida que objetive a produtividade. Quem cair na arapuca do empréstimo agrícola em banco do governo se arrisca a perder a propriedade. Nesses tempos alternativos, para sair do buraco, ou o proprietário rural faz acordo com os sem terra para invadirem sua propriedade, ou, quem tem nome/sobrenome arranja um gancho de um financiamento a fundo perdido, tipo “reflorestamento”, que já salvou, pelo “ladrão”, muita gente boa. O mais, ser produtor rural é padecer num paraíso perdido.

E a SUDENE? Pergunta um idiota chapado. Evadiu-se nas vagas vazias e vadias da incredibilidade, da inconsequência e da incompetência. Morreu de inanição sem se aperceber que a próxima crise mundial será a da escassez de alimento. No Rio Grande do Norte, se não fosse o programa do leite todos os produtores rurais, sem exceção, já teriam se enforcado. Desde o Governo Sarney, quando foi extinto o subsídio agrícola a atividade rural nesse país entrou em colapso. Na ANORC (Associação Norte-Rio-Grandense de Criadores) ou fora dela, a maioria dos agropecuaristas está vendendo o rebanho para pagar o banco. Para se viver honestamente, tirar da terra o sustento, acreditar que somos essencialmente um país agrícola, sem bandalheira, sem maracutaía, sem empréstimos dadivosos a fundo perdido com o dinheiro do contribuinte, o que fazer? Só há dinheiro para a atividade industrial urbana, fábricas, pólo-gás-sal, etc., e o campo vai se esvaziando, se erodindo...

Dir-se-á que o país todo se urbaniza e as propriedades rurais vão ficar mesmo para os sem-terras que irão se decepcionar e constatar que o trabalho agrícola é mesmo uma atividade marginal nesse país. Aí virá o Evangelho e Cristo dirá novamente: “Naquele tempo...”. O Nordeste será a Galiléia.

 

(*) Escritor.

 

quarta-feira, 23 de março de 2022

 

Qual é o seu Deus?

Padre João Medeiros Filho

Não raro, escutam-se pessoas de todos os níveis socioeconômicos e culturais, afirmando: “Sou um ateu. Não creio em nada.” No entanto, cabe perguntar: em qual Deus não acreditam? À luz do Evangelho, é difícil crer em um deus cultuado em certos parlamentos, tribunais e órgãos públicos. Também é inaceitável uma divindade venerada pelos que praticam a injustiça e a exploração. É hipocrisia curvar-se diante de uma deidade imposta pelos insensíveis aos sofridos, injustiçados e incompreendidos. Enfim, é insensato ajoelhar-se ante um nume incensado por sedentos de ostentação, luxo e pompas. Somos discípulos de Jesus Cristo que, embora sendo profundamente fiel à crença e à espiritualidade judaica, combateu a forma de religião do Templo de Jerusalém, denunciando como hipócritas os chefes religiosos de sua época. É incabível prestar culto a um ente que se manifesta desumano na práxis daqueles que ignoram a solidariedade e a fraternidade. Tampouco sabem ouvir o grito dos oprimidos. Não é correto reverenciar uma divindade refém da intransigência e intolerância de alguns. Não é digno de fé um deus adorado pelos vaidosos, celebrado em liturgias vazias de mística, reluzentes de ouropéis e ritos primorosos, mas distantes da cotidiana dor dos irmãos.

Num mundo, no qual governantes se dizem cristãos, porém mostram-se sectários, discriminatórios, menos solidários que os não crentes, urge propor e pregar outra forma de testemunhar Deus. Em 2012, pouco antes de sua morte, Dom Carlos Maria Martini, exegeta e teólogo, cardeal arcebispo emérito de Milão, afirmava que muitos fiéis temem as transformações. Lembrava amiúde aos seus diocesanos: “Deus não tem medo de mudanças. Ele gosta de novidades, pois o Evangelho é a Boa Nova.” Aliás, o eminente purpurado chocou alguns de seus colegas, quando proferiu uma brilhante conferência intitulada: “o ateu que existe em nós.” Há pouco tempo, aquele eclesiástico teve publicado no Brasil um livro escrito em parceria com Umberto Eco, intitulado: “Em que creem os que não creem?” Trata-se de uma coletânea de artigos que ambos publicaram em revistas italianas. O professor Eco representou um descrente dialogando com um crédulo. Não resta dúvida de que Martini se manteve dentro dos limites da ortodoxia cristã. Diverge de alguns teólogos, quando estes sustentam a impossibilidade de uma ética sem vínculos religiosos. Em resposta a eles, Dom Carlos ensinava que todos são filhos do Eterno e Misericordioso e ninguém tem a exclusividade do Sagrado e Divino, como muitos pensam e ensinam. Cada ser humano é plasmado à imagem do Onipotente e carrega dentro de si os traços do Sobrenatural e Infinito.

Em 2014, para o encerramento da primeira fase do sínodo dos bispos, foram convidados ao Vaticano líderes religiosos e leigos de vários credos e nacionalidades. Eles deviam falar de suas lutas pacíficas por um mundo mais justo e fraterno. Praza aos céus que muitos fiéis – membros da hierarquia ou não – ávidos de documentos moralizantes, disciplinares e ritualísticos sejam menos críticos ou mais indulgentes e sigam o exemplo daqueles que se dedicam sem subterfúgios em prol do bem-estar da humanidade. 

Todas as tradições espirituais têm como meta construir a morada divina no mais profundo do ser humano, como a primeira semente para transformar as estruturas do mundo. Todavia, enquanto a religião predominar em seus aspectos superficiais e não mudar profundamente o coração de cada pessoa, não atingirá a sua meta. O projeto divino consiste na construção de um mundo renovado na base da justiça e da paz, do diálogo e respeito ao próximo e à natureza. Os cristãos devem dar testemunho desse projeto, começando por eles mesmos a trilhar o caminho do amor, da fraternidade e partilha. Simone Weill, mística e pensadora francesa do século passado, afirmava em “Attente de Dieu” (Espera de Deus): “Conheço quem é de Deus, não quando me fala Dele, mas pelo seu modo de ser solidário e amoroso com os outros.” Não se deve esquecer as palavras do Mestre, citando o profeta Isaías: “Este povo me honra com os seus lábios, mas seu coração está longe de mim. Em vão, me prestam culto.” (Mt 15, 8-9; cf. Is 29, 13).

domingo, 20 de março de 2022

 ENQUANTO OUTUBRO NÃO VEM

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

O Rio Grande do Norte é conhecido e estigmatizado por gastar o tempo com discussões marginais, supérfluas e estéries. Soou a trombeta eleitoral do inicio da campanha do ano 2.022. E com ela fica decretado que os homens públicos estão livres do jugo da ação da mentira. Não mais será preciso usar a carcaça da desfaçatez para denegrir o seu semelhante. A praça pública não pode transformar-se em rinha real, escarlate, com suas armadilhas e surpresas. Que a baba e a saliva dos profissionais da política não estilhacem vidraças. E que os ácidos laboratoriais com seu chiado contínuo e enfadonho não prevaleçam sobre os lares honrados.

 

É preciso exorcizar as teorias esquisitas do pântano enganoso das bocas detratoras. Pelos caminhos do litoral e do agreste não vamos esquecer o andarilho alísio caminheiro portador de boas novas de milho e feijão verde. Do Mato Grande o vento carpidor e viajante vai modelar no dorso a canção triste de antigas estiagens. No palanque do dono da eleição nenhum vento plangedor romperá a brida do cavalo aboiador.

 

Nessa eleição é preciso que a verdade seja servida antes da sobremesa. Lembrem-se que candidato e eleitor são lobo e cordeiro e que jantarão juntos . O pasto do político é qualificado mas ele sabe que a fome é certa. Determinados candidatos possuem uma malandra e esperta fome de guaxinim. E o eleitor sempre foi um ser privatizável, inconsciente e circunstancial. Vamos cultivar as boas ações. Tudo vai passar. Aquelas de melhores dividendos serão leiloadas pelo Banco da Providência. Imprivatizável. Indevassável. Anti-Proer. Inassaltável. Lugar onde o dinheiro jamais poderá comprar o sol das manhãs vindouras. Local onde os moedeiros falsos do papel podre do FPM, do ICMS, do FUNDEF jamais entrarão. Mesmo diante do difícil e corruptível instituto da reeleição, que os eleitos saiam das urnas limpos e acreditados. O processo eleitoral não pode se cobrir de manchas e distorções irreparáveis. O político é um ser que ama somente a si mesmo. É tempo de divórcio. É obrigatório flertar com o povo porque no baile da eleição é proibido o uso de máscaras. Passou a pandemia.

 

(*) Escritor

 

 


 


Novas Cartas de Cotovelo – verão de 2022-10

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

 

         Este ano não tenho sido persistente em escrever minhas Cartas de Cotovelo. Não é preguiça, mas os assuntos que me chegam não são tão construtivos que mereçam algum comentário.

         Contudo, com as chuvas ocorridas no dia de SÃO JOSÉ, decidi fazer o registro do fato que, para nós nordestinos, é de máxima importância.

         José, afinal, é o Santo dos Santos, pois escolhido para ser o pai adotivo de Jesus. Aquele que o criou, ensinou os primeiros passos, as primeiras palavras, a letras iniciais, a informação da sua missão na terra. Cuidou do menino com coragem e destemor, livrando-o das garras de Herodes.

         JOSÉ foi um homem de silêncio, recatado, mas uma criatura de ação, de grandeza e de santidade, merecedor, portanto, do respeito de todos os cristãos de qualquer de suas vertentes.

         Mas o que eu quero hoje invocar é a relação de São José com o inverno. Verdade científica ou apenas crença?

         O certo é que o Dia de São José é comemorado no dia 19 de março, coincidindo com a esperança na tradição dos católicos, em especial os do nordeste brasileiro, que acreditam que se chover até essa data é sinal de um bom período de precipitações.

         Historicamente, esse acontecimento tem dado certo na maioria esmagadora das vezes, não há porque se desprezar a crença.

No campo da ciência, acontece um movimento da Terra, denominado equinócio de outono, onde os dois hemisférios terrestres estão igualmente iluminados pelo sol – há equilíbrio temporal entre o dia e a noite.

Da sabência popular, divulgada abertamente nas redes sociais: “Existe a religiosidade que a gente respeita, com toda certeza. O dia 19 de março é próximo ao equinócio, que é quando o sol, na sua órbita aparente, passa a influenciar o hemisfério norte. Uma outra questão é quanto ao posicionamento da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). Se, até março, que é a metade da estação chuvosa, ela não tiver contribuído para chuvas no Nordeste, isso acaba frustrando a qualidade da quadra chuvosa”, comenta”.

Seja como for, Ciência e fé se irmanam na crendice do povo e os fiéis honram o Padroeiro das Chuvas, na esperança de dias melhores.

Este ano a chuva foi bastante, enchendo açudes, regando os vales, renovando a esperança de que teremos um novo e radioso tempo, compensando as desgraças que assolam outros recantos da terra. OBRIGADO SENHOR. 

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Pintura do articulista.