quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

 NÃO MAIS QUE DE REPENTE, O VERÃO

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

Lendo Chico Xavier, que orava a Deus para não perder o romantismo, mesmo sabendo que as rosas não falam, refleti sobre o verão que chegará breve, trazendo com ele os cajus, as acácias e os pau-d’arcos amarelos. Lembrei-me também de rever as crônicas sobre o tema escritas com brilho superior por Newton Navarro, Berilo Wanderley, Sanderson Negreiros, Diógenes da Cunha Lima, Luís Carlos Guimarães e Vicente Serejo. Todos, poetas e românticos que ao longo de suas vidas entenderam que a grandeza não consiste em receber elogios, mas em merecê-los por escreverem tão maravilhosamente.

A minha crônica não tem a beleza inaugural de uma manhã de ressurreição, da oração de uma criança, de uma prece de D. Heitor, de uma tarde contemplativa de uma janelinha aberta sobre a imensidão dos campos ou de uma doce e suave madrugada, deusa de todos os poetas. Ela tem o toque metálico do clarim do sentinela; o aviso do anunciante das manhãs e das noites e seus mistérios; do bom dia, boa noite, do guarda noturno e diurno das praças e jardins de Natal (se é que ainda existem); do sinal digitado do faroleiro pastorador de estrelas e de mares; tudo para saudar o advento das acácias, dos cajus, dos pau-d’arcos e de que a cidade se cobrirá, não mais do que de repente, de amarelo ouro.

Ano que vem, a política chegará e passará, juntamente com os seus gladiadores. Iremos remover, depois, os horríveis outdoors, fotos e fatos que sujaram a cidade. Recolheremos as bandeiras da guerra aos seus quartéis de origem e que venham servir de lençóis aos descamisados. É soada a hora de preparar Natal para a chegada triunfal dos cajus, das acácias e das flores dos pau-d’arcos.

Que os homens se desarmem de suas propostas solertes e ganhem as praias, levem os cajus e se bastem com o calor da estação e contemplem o mar aceso em lua do poeta Gilberto Avelino, para que possam entender os pontos cardeais da vida. O verão chegará e dezembro é tempo de sepultar as beligerâncias, as agitações da alma e do coração, como se o ano novo lhe fosse trazer as ilusões de um amor adolescente, o retorno das jovens tardes de domingo ou a nostalgia dos instantes antigos e perdidos de sua profundidade vital.

E que venha de repente o verão, mesmo que traga no ventre o filho incestuoso dos excessos. Deus nos compensará com a mágica contemplação das acácias, dos pau-d’arcos amarelos, róseos, como se multiplicasse o seu talento criador em mil Van Gogh, Rembrandt, Renoir e Picasso. Com o novo ano virão em 2024, mais crises, caos na saúde, violência, distúrbios laterais e colaterais, além da combustão espontânea no pensamento das massas, com os governos que se instalarão. E com eles as transformações genéticas nos seres humanos e desumanos. Ora, se a lua influencia as tendências do zodíaco. Nas longas esperas da estação do verão, com a canícula e o fogo do mundo, além das paixões radicais, a política que virá abrasará mais ainda os loucos e os lisos, vagando a esmo, sem jamais achar abrigo.

Já conclui que o sufrágio universal será a última etapa do dia do juízo. Ninguém joga mais com a ideia. A filosofia do político é o vento. Parte da premissa da honra ser uma palavra e na palavra conter vento. Às vezes, um faz parecer um santo, quando na verdade é o próprio diabo. Alimenta-se de arsênico. Nas crises e nas votações, se dá melhor com o traseiro da noite do que com a fronte da manhã. Daí, a Câmara ser uma fera e para domá-la emprega-se meios obscenos.

(*) Escritor

quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

 

Solenidade da Imaculada Conceição 
Padre João Medeiros Filho 
O dogma da Imaculada Conceição proclama Maria isenta de todo e qualquer pecado em sua trajetória terrena. Essa verdade teológica exalta a natureza do ser humano, plasmado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1, 26). A Virgem Santíssima representa a humanidade na pureza original de sua criação, revelando a vontade do Criador para os seus filhos. Nos albores da história, Ele desejou o ser humano capaz de difundir a verdade, praticar a justiça e fazer o Bem. Mas, esse plano fora rejeitado por Adão e Eva, que optaram pelo Mal, simbolizado na metáfora da serpente. A primeira mulher foi despojada dos bens sobrenaturais, gerando a morte. Entretanto, Maria concretizou o ideal concebido por Deus. A Virgem de Nazaré disse sim ao Onipotente, por isso teve o privilégio de conceber o Unigênito de Deus e trazer ao mundo a Vida. Maria foi a portadora da paz e salvação, vindas do Alto, enquanto a esposa de Adão causou tristeza, sofrimento e morte. No dia 08 de dezembro de 1854, o bem-aventurado Papa Pio IX proclamou, pela Bula “Ineffabilis Deus”, o dogma da Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Por ele, os católicos deverão venerá-la como o templo santo e ilibado, onde Deus veio habitar. Exemplar único da humanidade, imune da culpa original e outras faltas, a Virgem recorda as origens de nosso ser, sem a rebeldia contra Deus. Este quis mostrar em Maria a criatura perfeita, nela oferecendo um modelo de vida. A Conceição Imaculada da Mãe Celestial é decorrência da plenitude da graça divina. Não há espaço para o Mal, onde o Altíssimo faz sua morada. A festa da Imaculada Conceição é também uma oportunidade de reflexão e convite à conversão. Quando dizemos não à Palavra Sagrada, afastando-nos de Deus e nos entregamos ao egoísmo e à iniquidade, assim nos despojamos de nossa filiação divina. Segundo o relato do Gênesis (Gn 2, 15s), Adão e Eva sentiram vergonha por estar despidos, após a desobediência ao Criador. Eles cobriram seus corpos, envergonhados de sua postura. Às vezes, também pretendemos nos esconder nas folhagens de nossas desculpas, escudos e subterfúgios para disfarçar nossa nudez diante do Onipotente. A busca desenfreada de dominação e prazer, a corrida desvairada pelas riquezas materiais são tentativas de ofuscar nossas ilusões e mentiras, entorpecer nossas consciências para não ouvir a voz do Senhor. Somos cada vez mais desafiados a escolher entre Deus e a serpente. Esta simboliza a impiedade, desobediência, arrogância, sede do ter e poder, que seduziram Eva e continuam assolando o mundo. Os cristãos são convidados a seguir o exemplo de Maria, tornando-se capazes de rejeitar os aliciadores dos tempos hodiernos. Eis uma escolha crucial em nossa vida. A devoção à Imaculada brotou cedo no solo fecundo da piedade popular. O Ofício de Nossa Senhora (compilado em 1670 pelo frade franciscano Bernardino de Bustis) é uma prova do culto e amor dos fiéis à Mãe dos homens, dádiva de Cristo no alto da Cruz. “Eis a tua Mãe” (Jo 19, 27). Antes da proclamação do dogma pela hierarquia eclesiástica, ele já era vivido pela fé dos católicos, na sensibilidade dos corações que desconhecem reflexões teológicas, mas percebem a ação amorosa do Pai Celeste. Nossa Senhora é a reconciliação de Deus com o ser humano. Nela foi recriada a humanidade, pensada com carinho na manhã primeira do universo. A teologia subsequente chama Nossa Senhora de Nova Eva, portadora da Vida. No ventre de Maria o Verbo se tornou carne como nós. Por isso, a celebração da Festa da Imaculada acontece durante o tempo litúrgico do Advento, quando se comemora o mistério da Encarnação de Cristo. A Virgem Santíssima foi a mulher escolhida para o Filho de Deus assumir nossa condição humana, sendo corredentora da humanidade. Maria é beleza divina presente na terra, riqueza celestial temporizada. Maravilha infinita acessível aos mortais, ternura sagrada estendida aos pecadores. Suprema misericórdia do Altíssimo revelada aos pequenos e imperfeitos, poesia do céu no prosaico dos homens. A Compadecida, segundo a belíssima expressão de Ariano Suassuna. “Ó Maria, concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós."

 


A canção-hino “Praieira - Serenata do Pescador”, de Othoniel Menezes e Eduardo Medeiros, será festejada na próxima terça-feira (12 de dezembro), às 18h, no salão da Academia Norte rio-grandense de Letras. A entrada é gratuita e integra a programação do Natal em Natal.

Interpretada por diversos artistas do RN, e citada por Mário de Andrade em sua passagem por Natal, a canção-hino “Praieira - Serenata do Pescador”, de Othoniel Menezes e Eduardo Medeiros, completa 100 anos na próxima terça-feira, 12 de dezembro. Para marcar a data, será realizada, a partir das 18h, na Academia Norte rio-grandense de Letras, uma serenata com o grupo Choro do Caçuá e a cantora Dodora Cardoso, tendo a participação especial do mais antigo intérprete da obra, o cantor Paulo Tito. A programação integra o calendário do Natal em Natal, e conta com apoio da Prefeitura de Natal.

“Praieira” é considerada um dos símbolos do ciclo natalino da capital, quando era tradição abrir o mês de dezembro com as famosas serenatas pelas madrugadas da cidade. Foi inspirada na aventura de três pescadores que viajaram de Natal para o Rio de Janeiro de barco. Em 1923, o autor dos versos, o poeta, compositor de modinhas e acadêmico Othoniel Menezes (1895-1969) contratou o mestre de banda e seresteiro Eduardo Medeiros (1887-1961) para musicar o seu poema, que foi cantado pela primeira vez no mês de dezembro, como confirma o autor em um documento assinado em 1967.

“Considero a data a partir de quando ela foi apresentada musicalmente, e isso é confirmado pelo próprio autor”, explica a escritora, pesquisadora e acadêmica Leide Câmara, idealizadora do projeto. Um século se passou e a música que fala do “sussurro das ondas, do Potengi amado e dos amores saudosos”, continua sendo um hino afetivo da terra natalense. Depois de gravada, virou uma das canções mais tocadas nas serenatas a partir dos anos 1920.

A obra está presente no trabalho de diferentes gerações de artistas. Desde 1956, quando foi gravada em disco por Valdira Medeiros, passando por Trio Irakitan, Terezinha de Jesus, Glorinha Oliveira, Odaires, Paulo Tito, Ivanildo Sax de Ouro, De Coro e Alma, Marina Elali, Quarteto de Cordas da UFRN, Carlos Zens, Khrystal, Banda Independente da Ribeira, Valéria Oliveira e Antônio de Pádua, dentre outros. Virou frevo em carnavais, foi peça de concertos e em trilhas sonoras de documentários.

A serenata na ANRL está sendo organizada por Leide Câmara, que também é autora do livro "Dicionário da Música do Rio Grande do Norte”, obra de referência para pesquisadores do Brasil e exterior. Apaixonada pelo poema desde que chegou a Natal, Leide já produziu a gravação de um álbum com diversos intérpretes, e livro sobre a obra.

SERVIÇO
Centenário de “Praieira - Serenata do Pescador”
Dia 12 de dezembro, 18h, na Academia de Letras, rua Mipibu, 433, Petrópolis
Apresentações do Grupo Choro do Caçuá, Dodora Cardoso e
part. de Paulo Tito.