quinta-feira, 3 de novembro de 2022

DIA DE FINADOS

  • Valério Mesquita*

    Mesquita.valerio@gmail.com

     

    Semana passada fui me reencontrar com os meus pais em Macaíba. Não, apenas, no velho cemitério de São Miguel na praça da Saudade. Mas, principalmente, na residência antiga da rua Francisco da Cruz, 39, hoje, Casa da Cultura “Nair de Andrade Mesquita”. Visitei-a com os meus filhos. Naquela manhã, constatei que o passado não morre. Ele persiste em cada ambiente, em pessoas que revi e ruas que cruzei. Os seus netos não o conheceram em vida. Enquanto visitavam os compartimentos, quedei-me em reflexões sobre a vida pública, percebi que guerreiros são pessoas tão fortes, quanto frágeis. Com toda carga política do seu tempo sobre os ombros, no fundo do peito era um menino nos momentos de remanso e de turbulência. O sonho perfeito que sonhou para Macaíba consubstanciou-se, certa vez, no amor que dedicou a uma ave presenteada por amigo e que passou a criá-la ali no jardim.

     

    Era uma asa branca que obedecia a sua voz. Inexprimível emoção sentia ao chamá-la, sentado na sala de visita para lhe oferecer alpiste. Longe se ser um fato superficial, aquilo se revestia na busca do silêncio e da serenidade. Nada além do que desejava sentir e sofrer. O pequeno animal lhe arrancava uma luz especial que refletia sobre o homem político que enfrentava lá fora o imensurável e o irracional. Alimentá-la e acariciá-la significavam a gratuidade e a correspondência confortadora de gestos que não achava, algumas vezes, no trato político com os humanos.

     

    Num tarde que caía devagar, voltava de sua granja nos arredores de Macaíba. A pé, cigarro a boca (que tanto lhe fez mal), deparou-se no jardim com a tragédia devastadora e o rigor do susto: a asa branca despedaçada, jazia no pedestal da estátua Minerva. Um gato cruel e sorrateiro fora o protagonista do “avicídio”. Essa dor, despontou como uma ferida desaguando no sofrimento que definiu nele – contraditoriamente - a beleza do seu sentimento.

     

    Deduzi naquela manhã, que um guerreiro também chora. De outra feita, na última batalha que travou, enfrentando o poder e a riqueza dos adversários, mas, sem dinheiro e sem bens para custear a campanha, foi visto chorando no quintal da casa de um compadre gravemente enfermo. Alfredo Mesquita havia constatado que não dispunha de recursos para salvá-lo. Manoel Dantas de Medeiros e Pedro Luiz de Araújo, testemunharam aquele momento insuportável de aflição e indigência. Quero afirmar que a tristeza da vida pública de qualquer um não termina com a morte ou com o pretenso fracasso eleitoral. A síntese da vida que prevalece é a dimensão do amor à terra e as imagens nítidas que não se esgotam, tanto nos relatos das vozes que ecoam, como nos olhos úmidos das revelações repentinas. Dele nos sobrou o exemplo. O empobrecimento paulatino de sabê-lo livre e isento. Modelo que muitos não conseguiram no universo político de escolhas: a capacidade de ser honesto.

     

    Por isso, sobre ele, ouso afirmar, que apesar de tudo, doou-se para ser feliz. A firmeza do seu temperamento e das atitudes assumidas, muitas vezes, ocasionaram-lhe danos e perdas políticas e patrimoniais. Viveu mais na oposição do que na situação. Em 1950, para o governo do estado ficou com Manoel Varela que perdeu para Dix-Sept. Em 1955, apoiou Jocelin Vilar derrotado por Dinarte Mariz. Em 1960, acompanhou Djalma Marinho vencido por Aluizio e em 1965, permaneceu com Dinarte suplantado por Walfredo Gurgel. São raríssimos no Rio Grande do Norte os políticos que tiveram a coragem imutável de sobreviver a tantas adversidades políticas. O sofrimento, sangrava mas não se curvava ao governo. O sonho mais que perfeito foi Macaíba. Nasceu, viveu e está sepultado lá, ao lado de sua companheira de toda a vida Nair de Andrade Mesquita, no túmulo dos seus pais, com os irmãos Paulo Mesquita e Amélia Násia Mesquita Meira, além do filho Carlos Mesquita. “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. A frase de Fernando Pessoa imprime não a lápide fria no campo dos mortos mas a memória viva da história política de Macaíba construída com grandeza de caráter.

     

    (*) Escritor

     

















 

O bom Conselho
​Logo depois que saí da UFRN, ainda na primeira metade dos anos 1990, fui trabalhar fora de Natal. No interior do Rio Grande do Norte e, seguidamente, em outras províncias do nosso país. E fui estudar ainda mais longe, para além das nossas fronteiras, no outro lado do Atlântico. Viajei muito, acredito. Acho que até demais, disse certa vez, menos arrependido de que cansado.
​E se tive essa oportunidade de estudar fora, de morar no exterior, isso se deu pelo incentivo, pelo apoio mesmo, de algumas instituições. Tirando o Ministério Público Federal, minha casa há 25 anos, que até hoje nada me negou, talvez o maior apoio que eu tenha recebido – certamente um dos primeiros – me tenha sido dado pelo Conselho Britânico (o British Council, no original).
​Segundo consta, o British Council foi fundado, em 1934, como British Committee for Relations with Other Countries. Seu objetivo, trabalhando em conjunto com diferentes organizações internacionais e locais (governos, instituições de ensino e por aí vai), por meio de variados programas, é oportunizar, a milhões de pessoas no mundo, saberes sobre “a cultura e a criatividade britânicas”. Guardadas as especificidades (e elas são muitas), o British Council pode ser inserido num grupo de organismos de países europeus que visam divulgar suas respectivas culturas (línguas, em especial) mundo afora. Refiro-me ao Instituto Goethe alemão, ao Instituto Cervantes espanhol, ao Instituto Camões português, à Sociedade Dante Alighieri italiana e, claro, à querida Aliança Francesa. Eles são como uma “mão longa” do país. Tem um quê de colonialismo nisso, admito. Mas o British Council busca mesmo promover o acesso à educação de qualidade. Tem foco na internacionalização do ensino superior. E isso é tudo de bom. Eu asseguro!
Eu mesmo fui premiado pelo British Council com duas bolsas de estudo na Inglaterra. A primeira delas, recebi para participar de um seminário e de um período de pesquisa em tradicional universidade desse país. O ano era 1999, e estive por cerca de duas semanas em Durham, cuja Universidade do mesmo nome, de reconhecida fama, é a terceira mais antiga da Inglaterra, só ficando atrás de Oxford e Cambridge. Posteriormente, no ano de 2002, uma outra oportunidade de estudos em universidades da Inglaterra me foi dada. Dessa feita, primeiro na Universidade de Oxford, junto ao Corpus Christi College; em seguida, junto à Universidade de Northumbria, na cidade de Newcastle upon Tyne. Essa segunda visita de estudos, mais longa e proveitosa, durou, ao todo, cerca de dois meses. Foi super!
Lembremos, repetindo as palavras do próprio British Council, que “estudar no exterior é o sonho de muita gente e, para alcançar essa realização acadêmica, é necessário muito planejamento. A questão financeira é uma das primeiras a ser pensada – afinal de contas, os custos de moradia em um país com moeda valorizada e as taxas cobradas pelas instituições podem acabar pesando no bolso”. E aqui eu agradeço, penhoradamente, a ajuda financeira do bom Conselho.
Ademais, foi a partir dessas duas bolsas de estudo, dessas duas oportunidades, que conheci uma das minhas paixões (no direito, que fique claro). Que entronizei a lição de René David, em “Os grandes sistemas do direito contemporâneo” (Martins Fontes, 1993), sobre o direito comparado. Essa disciplina/método “é útil nas investigações históricas ou filosóficas referentes ao direito; é útil para conhecer melhor e aperfeiçoar o nosso direito nacional; é, finalmente, útil para compreender os povos estrangeiros e estabelecer um melhor regime para as relações da vida internacional”. É claro que, com o tempo, o contato com a literatura inglesa especializada – falo da literatura jurídica –, tanto com os clássicos como com autores mais recentes, progressivamente se estreitou. Veio o PhD (doutorado) em Direito, que iniciei no ano de 2008, recebendo o título respectivo em 2013, no King’s College London – KCL. E aqui já devo agradecer a bolsa de estudos que me foi dada pela própria Universidade. Sou um homem sempre grato.
Na verdade, o British Council, sem saber ou mesmo imaginar, acabou me dando, com o tempo, muito mais do que apoio financeiro. Deu-me mil oportunidades. De incrementar os meus conhecimentos jurídicos. De aperfeiçoar o meu domínio da língua inglesa. Estadas maravilhosas nas “provincianas” Oxford e Cambridge e na cosmopolita Londres (“Quem está cansado de Londres, está cansado da vida”, já dizia o Dr. Johnson). E muitas amizades. Gente como William Shakespeare, Charles Dickens, Arthur Conan Doyle, Agatha Christie e por aí vai. Suas muitas personagens incluídas nesse círculo, claro. Aliás, são por essas amizades/relações, que pretendo manter pelo resto da minha vida, que eu sou mais grato ao bom Conselho. Maravilha!
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Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

 A ameaça da Poliomielite 

 Daladier Pessoa Cunha Lima Reitor do UNI-RN 

A Organização Mundial da Saúde ainda não rebaixou a pandemia da Covid-19 à condição de endemia, em qualquer país ou região do planeta, embora essa conclusão pareça estar próxima de ocorrer. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em recente declaração, disse que o fim da pandemia “está à vista”. Mas ressaltou, também, a necessidade de se manterem os cuidados com a vacinação. É hora de ressaltar o valor das vacinas no controle da maioria das doenças infecciosas causadas por vírus ou bactérias. O Programa Nacional de Imunizações, do Ministério da Saúde, dispõe de cerca de 18 vacinas, usadas de acordo com calendário anual e associado ao SUS, com tanto sucesso que, ao longo de décadas, tem sido motivo de orgulho para a Saúde Pública do nosso país. Apesar de todo esse processo vitorioso do controle das doenças infecciosas, o Brasil está sob a grave ameaça do retorno da Poliomielite, doença erradicada do país, desde 1994, conforme certificado conferido pela OMS. Este ano, no Brasil, de cada 10 crianças, 04 não tomaram a vacina da Pólio. A Poliomielite é uma doença de alto contágio, que afeta, principalmente, crianças abaixo de cinco anos, mas pode também ocorrer até em adultos. O exemplo da poliomielite em adultos mais conhecido no mundo é o caso do ex-presidente dos Estados Unidos Franklin Delano Roosevelt (1882-1945), que contraiu a Pólio aos 39 anos. Em 1943, o Presidente Roosevelt veio a Natal-RN, a fim de se encontrar com o Presidente do Brasil Getúlio Vargas. Depois desse famoso encontro, Getúlio Vargas perdeu um filho com 23 anos, 10 dias após adoecer de Poliomielite aguda. Por volta de 70% das pessoas infectadas não mostrarão qualquer sintoma. Porém cerca de 25%, após alguns dias da infecção, poderão ter febre, dores no corpo, cefaleia, náuseas, vômitos ou diarreia, e, em alguns casos, um quadro de meningite viral é possível ocorrer. Os que sobrevivem a essa fase – a grande maioria –, cerca de 5 em cada mil infectados, sofrem as paralisias ou fraqueza nos músculos dos membros da respiração, da deglutição e da fala. Relembro as aulas magistrais da Professora Giselda Trigueiro, quando dizia que o temor da Pólio não era, primordialmente, causado pelos casos fatais, mas, com ênfase, pelas sequelas nos músculos paralisados, à mostra para chocar, por muitos anos, a sensibilidade humana. A OMS alerta que, para erradicar uma doença infecciosa do mundo, é preciso que não exista a presença do agente etiológico em qualquer região ou país do planeta, a exemplo da varíola. O vírus da Pólio, infelizmente persiste na Nigéria, no Paquistão e no Afeganistão. Para o Brasil continuar livre dessa terrível doença, é preciso manter um índice de vacinação acima de 90%. Desde 2015, esse percentual vem caindo, a ponto de atingir somente 54%, entre as crianças de 1 a 5 anos, até o marco oficial da campanha deste ano, dia 30 de setembro passado. Será que vamos sair da Pandemia da Covid-19, graças à eficácia da vacinação, para mergulhar no passado de tristezas causadas pela Pólio, vividas há quase meio século? Talvez o grande temor de contrair a infecção pelo coronavírus tenha levado a população a descuidar das demais vacinas, com destaque para a da Pólio, bem como a ausência, há três décadas, dessa doença no país. Texto publicado na Tribuna do Norte, em 28/10/202