Os 103 Anos De Nascimento De Vingt-Un Rosado Maia
Se vivo fosse, hoje, o professor Vingt-un Rosado Maia, estaria completando 103 anos de nascimento. Mas há dezoito anos ele partiu para outro plano. E apesar de todos esse tempo, sua presença continua viva na memória de todos aqueles que tiveram o privilégio de sua convivência. Eu fui um desses privilegiados. Por cinco anos fiz parte do seu círculo de amizade e me tornei seu discípulo. Eu, que vim de outra cidade, passei a amar essa terra por ele denominada de “Pais de Mossoró”, e a divulgar a sua história e a saga do seu povo. Em 25 de setembro de 1920, num dia de sábado, nascia em Mossoró, num velho casarão da Rua 30 de Setembro, Jerônimo Vingt-un Rosado Maia, sendo filho do patriarca Jerônimo Rosado e dona Isaura Rosado Maia. Era o vigésimo primeiro filho de uma família numerosa e numerada, como ele mesmo gostava de dizer, já que seu nome vem exatamente da sequência à ordem numérica francesa dos nomes que Jerônimo Rosado dava aos filhos. Teve uma infância normal, de brincadeiras telúricas, embora dando a impressão de ser um pouco contemplativo. Desde cedo se dedicou aos empreendimentos intelectuais, preferindo acompanhar a atividade do irmão mais velho, Tércio, filho do primeiro matrimônio do seu pai, que era um homem culto, poeta, amante dos livros e pioneiro do cooperativismo no Estado. E foi ainda na juventude que começou a cultivar o gosto pelos livros e pela pesquisa histórica. Na adolescência atuou como bibliotecário no Colégio Santa Luzia. E esse gosto pelos livros o acompanharia durante toda a sua vida. Em 1940 partiu para Lavras/MG para estudar agronomia. Lá chegando, o seu envolvimento com os livros, as letras e a pesquisa tornaram-se mais intensa. Nesse mesmo ano, com apenas 20 anos, publicou o seu primeiro livro, que recebeu o título de “Mossoró”. Concluindo o curso em novembro de 1944, voltou para Mossoró para desenvolver atividades junto à empresa familiar que atuava na área de exploração de gesso e paralelamente começou a desenvolver um trabalho no campo cultural, que culminou com a criação da Coleção Mossoroense. Apesar de pertencer à tradicional família de políticos que comanda Mossoró por gerações, preferiu enveredar mesmo pelo caminho da cultura. Na verdade, chegou mesmo a disputar dois cargos eletivos. A primeira vez candidatou-se a Prefeito de Mossoró, perdendo por uma margem de 0,4% em 1968. Em 1972 elegeu-se vereador com a maior votação proporcional da história de Mossoró, até aquela data. Mas foi mesmo na área cultural que se destacou, tornando-se ícone da cultura local. Mesmo não se dizendo escritor, mas “copiador de papéis”, deixou um legado de mais de 200 livros, que foram de antropologia ao estudo das secas. Como convocado de guerra em 1945, sofreu uma punição por transgressão disciplinar, ficando detido na cadeia da Companhia Escola de Engenharia de Ouro Fino/MG, por 15 dias. O motivo da pena foi ter fugido para encontra-se com sua namorada, América Fernandes Rosado, que seria sua companheira por toda a vida. Segundo um depoimento do próprio Vingt-un, ao terminar a carreira militar, o seu comportamento foi considerado insuficiente. Vingt-un esteve sempre presente em várias frentes de atividade cultural, tanto no município como no Estado. Foi professor fundador de três faculdades e idealizador da Universidade Regional do Rio Grande do Norte, hoje Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Foi fundador e duas vezes diretor da Escola Superior de Agronomia de Mossoró, hoje Universidade Federal Rural do Semiárido e professor Honoris Causa da UERN. Integrou o Conselho Estadual de Cultura, foi membro de quatro Academias em dois Estados da Federação, tendo sido criador e ex-presidente de duas delas, a Academia Norte-rio-grandense de Ciências e a Academia Cearense de Farmácia. E aqui eu abro um parágrafo para lembrar um fato importante na minha vida. Dizem que o primeiro livro a gente nunca esquece. E isso é verdade. Em junho de 2002, num dia de domingo, por volta das 14h, toca a campainha em minha casa e quando atendi tive uma surpresa. Era o professor Vingt-un Rosado e dona América, que estavam voltando da praia de Tibau. Depois dos cumprimentos, ele olhou pra mim e falou: “- Junte umas 150 páginas desses textos que você já publicou nos jornais que eu quero publicar um livro seu. Consegui um dinheirinho com o Governo do Estado e vai dá pra publicar mais esse.” Com uma sentença dessas, não demorei a preparar o material e enviar para ele. Em novembro do mesmo ano, num dia de semana, eu estava no escritório da Petrobras aqui em Mossoró, onde trabalhava, quando me avisaram da portaria que o Professor Vint-un Rosado queria falar comigo. Autorizei a sua entrada na empresa e fui espera-lo na entrada do prédio. O motorista parou o carro aonde eu estava, e ele sem descer do carro foi logo dizendo: “- O seu livro está pronto”. E de repente o motorista abriu a mala do carro e começou a despejar pacotes de livros na calçada. Foram seis pacotes com cinquenta volumes cada um. Ele olhou pra mim e disse: “- Tá entregue.” E partiu no carro me deixando atônito com a situação. O tempo e o espaço dele era diferente dos demais. Qualquer lugar e qualquer hora era bom para se produzir cultura. E assim nasceu o meu primeiro livro. Jerônimo Vingt-un Rosado morreu no dia 21 de dezembro de 2005, aos 85 anos de idade. Morreu não; encantou-se. Continua vivo na memória do povo da terra que tanto amou, ao ponto de idealizar nela um país, o País de Mossoró. Nos últimos anos de vida, como se adivinhasse a morte próxima, passou a escrever uma série de livros que denominou “minhas memórias”, certamente temendo levar para a eternidade informações necessárias aos que aqui ficavam. E assim surgiram “Minhas Memórias da Batalha da Água”, “Minhas Memórias da Batalha da Cultura”, em 7 volumes, “Minhas Memórias da Paleontologia Mossoroense”, “Minhas Memórias do Instituto Brasileiro do Sal”, “Minhas Memórias do Petróleo Mossoroense”, em todos esses trabalhos anexando documentos que achava importantes, como carta, memorandos, decretos, fotografias, nada esquecendo. Deixou uma obra imensa sobre o seu chão amado. Amava tanto o chão de Mossoró que deixou recomendações expressas sobre o seu sepultamento. Disse ele: “O meu sepultamento será no Cemitério Novo e não haverá túmulo. Serei coberto pela terra do solo sagrado de Mossoró. Neste solo serão plantadas cactáceas e bromeliáceas, tal como o fiz quando da fundação da ESAM na antiga fazenda de Fuão Pinto.” Assim foi feito. Conto essa história com mais detalhes num livro que denominei de “O Criador do País de Mossoró”, uma biografia de Vingt-un Rosado, publicado pela Fundação José Augusto. É na obra que deixou como legado que Vingt-un vive, pois esse é o segredo da imortalidade: ressurgir sempre que um livro seu é aberto, que uma frase sua é repetida e que um gesto seu é lembrado. Vive nesse momento, quando lembramos do seu aniversário de nascimento. Lembrando Celso Carvalho, “é triste passar pela vida como a sombra pela estrada. Quando passa é percebida... passou não resta mais nada”. Por isso Vingt-un fez-se luz. E assim criou o País de Mossoró.