Mais exigente dos nossos poetas, Paulo de Tarso Correia de Melo é também o mais operoso, na medida em que entende a poesia como uma conquista diária. Lendo-o, entendemos que ninguém é poeta, faz-se poeta através da cota de poesia que conquista para si, cônscio, porém, que essa cota precisa ser renovada. Sempre.
Em seu novo livro, “Misto Códice” (Sarau das Letras/Trilce Ediciones, 2012), esse viés naturalista da poesia de Paulo de Tarso se torna mais evidente pela incorporação de novos temas à já vasta poesia do autor: a ela se somam, agora, a tradição oral dos indígenas brasileiros, mas também elementos das culturas pré-colombianas, como os incas, os astecas e outros e, last, but not least a incerteza sobre a permanência do poema, tema presente no poema “Misto Códice”.
Depurada nesse novo livro, a feitura desses poemas exigiu do autor pesquisas, traduções e adaptações as mais diversas. Mas sua importância já se faz evidente, haja vista que indica uma rota segura para a poesia de nossa época: o poeta precisa se colocar à altura de suas expectativas, encarando como trabalho aquilo que durante muitos séculos foi aceito equivocadamente como fruto do acaso ou da inspiração. Sob esse aspecto, Paulo de Tarso pode ser mais visto como um “apócrifo renascentista”, como ele próprio se retrata no poema “Chaves”, que abre “Misto Códice”.
Afora todo o aporte de novos e velhos motivos poéticos que anima esse livro, “Misto Códice” sai em edição bilíngue português-espanhol, sendo o professor Alfredo Pérez Alencart o responsável pela versão espanhola, bem como pelo “Prólogo” que precede os poemas.
Outro fator que distingue “Misto Códice” é seu aspecto programático: sua escritura cumpriu um objetivo pré-determinado (embora não extraliterário): integrar o “Encontro de Poetas Ibero-americanos de Salamanca”, evento promovido pela Universidade de Salamanca, que acontecerá nos três e quatro de outubro próximo, e ao qual Paulo de Tarso participará como expositor, quando lançará seu novo livro.
Temas épicos, como o ocaso do imperador asteca Montezuma e do líder indígena peruano Atahualpa, entre outros episódios da conquista das Américas, se disseminam ao longo de poemas que, para serem perfeitamente apreciados, requerem do leitor não só sensibilidade poética, mas também informação histórica. Há, porém, aqueles poemas que lidam com temas imemoriais quando, no embate com as palavras que já não podem calar, o poeta parece bradar como um profeta em transe: “Aonde iremos / que morte não haja? / Meu coração partirá / como as flores perecem? // Não mais que uma flor / é o homem sobre a terra, / breve instante goza / a primavera” (“Pergunta”). Mas logo o próprio poeta reassume o comando do diálogo, e pronta vem a resposta: “[...] Viemos somente sonhar. / Viemos somente dormir. Que viemos viver na / terra não é verdade. // Esta terra nos é dada / por empréstimo, amigo. / Nela a nossa passagem / pouco ou nada tem valido. // Abandonar os poemas / e as flores será preciso. / Eu estou cantando ao sol / e estou triste por isso” (“Resposta”). Algo, porém, se sobrepõe ao niilismo pungente: “Para a casa da aurora / e a casa do azul da tarde [...] para a casa aonde se chega / pela trilha do arco-íris, // na beleza eu caminho, / com a beleza adiante / e atrás com a beleza / acima e em torno de mim. / caminho para a beleza / e em beleza termino” (“Canto Noturno”).
Homem renascentista, enfim, esse anacronismo permite a Paulo de Tarso se assenhorear de todo o saber suscetível de ser transmudado, pela alquimia da poesia, na liga fina do poema, agora livre de toda impureza.