quinta-feira, 3 de março de 2022

MACAÍBA DE ANTIGAS CANÇÕES E VELHOS FOLIÕES



Valério Mesquita

mesquita.valerio@gmail.com

 

 

Nestor Lima era um macaibense da gema que foi “cônsul honorário” do município de Parnamirim. Era a quem recorria quando consultava a bússola do tempo, da tradição, das vertentes e das nascentes de nossa Macaíba. Revisito Nestor Lima para, através dele, penetrar na máquina de sua memória. A nossa cidade, nas artes, conheceu o clássico e o popular. Macaíba foi cidade aristocrática nos anos 20, 30, das bandas de músicas José da Penha e a do Grêmio, pontificados nas figuras dos chefes políticos Neco Freire e Major Andrade. A fina flor da sociedade exercitava a música, o teatro e o canto, o que conferia a Macaíba a fama de cidade cultural. Vicente Andrade no trompete, violino e piano; Orlando Ubirajara e Rosalvo ao violino e piano; Euclides Ribeiro, saxofonista; Abílio Monteiro, trombonista; João Leiros no contrabaixo; Luiz Marinho de Carvalho, grande trompetista e pianista; João Lins e Luiz Martins, violonistas inexcedíveis; Valdemar Barros, virtuoso pianista Era a época, onde em cada rua do centro da cidade, existiam um ou dois pianos. 

 

Nos dias de hoje, não existem um sequer. Nos anos 40 e 50, se destacaram em todo o município os famosos conjuntos regionais que interpretavam a música popular brasileira. Celebrizaram-se Nestor Lima, Cornélio Mangabeira, José Alves, José Cabral, Luiz Marinho, Manoel Domingos, Chicozinho, Carlito, Nizário Máximo, José Leiros, Sebastião Melo, Airton Feitoza. Todos formavam uma escola de batutas que hoje não se vê mais. Como também jamais se reeditarão os conjuntos teatrais que tanto sucesso fizeram em Natal, começando pela figura maior de Joca Leiros, seus filhos Zé Leiros, Wilson, Nozinha, Luiz Marinho e os filhos Gutemberg e Aidée, Antônio Coelho, Alice Lima, Hiran e Célia Lima, José Muniz, e Aguinaldo Ferreira. E para fechar o leque cultural, uma plêiade de cantores que enchiam de canto e encanto as noites macaibenses, do quilate de Salvador Galvão, Joanete Ribeiro, Edson Silva, Dorothy Moura, Aliete Muniz, Luiz Vieira, Cecília Marinho e Laíde Máximo. 

 

Mas o carnaval macaibense nos anos prefalados, era o desaguadouro natural dos afluentes culturais da época. Não se pode esquecer os clubes de cordão: "Os Remadores", os "Vassourinhas", o “Coco-Zambê” do caboclo velho e as madrugadeiras "Maxixeiras", anunciadoras primeiras do carnaval, comandadas por Lula Ramos. Dos blocos, o Zé Ludovico que caminhava à frente pelas ruas, nos seus 1,80 de altura impertigável, imperturbável e inabordável, apesar de toda a folia ao redor. O de Pedro Pixilinga, que anos passados resistiu, no mesmo passo e compasso como há 40 anos atrás, a Escola de Samba de Zé de Papo, sambista incorrigível. As tribos de índios, bagunças, troças, tudo faz sentido hoje relembrar, abrindo alas para todos passarem na sempre comovida recomposição de um tempo que nunca mais se repetirá.

 

(*) Escritor

 


terça-feira, 1 de março de 2022

 



Novas Cartas de Cotovelo – verão de 2022-09

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

Terminou um Carnaval, que para mim nem começou, senão um Bloco da Saudade do tempo e dos espaços por mim percorridos.

  As lembranças são muitas, próximas e remotas – uma das mais recentes, sem dúvida, a enfermidade da minha querida amiga Iara Bastos, com que programava gravar um CD, juntamente com Odúlio, Assis Câmara e Didi Avelino. Agora a viagem final do meu amigo Ubeano EDUARDO GOSSON, uma referência no campo da poesia e do humanismo.

  Com os que ficaram nesta dimensão da existência, mantenho acesa a chama da esperança de alguns trabalhos conjuntos. Os que se foram e aí eu incluo outros amigos – Elza (minha irmã), Cristina de Adilson, Leonardo Júnior, Dilene Dantas, Nelson Patriota, Machadinho, Delgado, Edgar Smith, Paulo Macedo, Dona Socorro (minha vizinha de Cotovelo), Luiz Eduardo Carneiro, Domilson Damásio, Dodó, Dra. Socorro, Seu Alex e os que partiram no trem anterior, continuarão nas minhas orações.

  Agora vou esperar o amanhã, na quarta-feira que amanhecerá com os confetes e serpentinas pelo chão, mas com as cinzas do início da Quaresma, caminhar da ressurreição do nosso Salvador.

  Deixo o paraíso de Cotovelo, com minha família, minhas lembranças e o meu oratório comandado pelo Redentor e pelos Santos da devoção da minha THEREZINHA. Reencontro com as minhas Igrejas de São Pedro e Nossa Senhora da Salete, comandadas pelo amigo Padre Francisco Motta. Dopo, lavoro.

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

 



Novas Cartas de Cotovelo – verão de 2022-08

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

                Durante o veraneio, eis que chega o Carnaval, para mim sempre de Cinzas, desde que partiu a minha THEREZINHA no Reinado de Momo de 2019, na mesma época, embora com o deslocamento do calendário daquele fatídico ano.

         Nada a protestar contra os que encontram na dança, na música, no álcool, nas festas, o lenitivo da vida – direito de cada um, mas lamento que sequer está sendo respeitada a pandemia que dizima populações, este ano mais grave com a inusitada Guerra entre Rússia e Ucrânia.

         Aproveito os dias de paralização para recuperar um pouco a saúde, banhando o corpo nas sagradas ondas do mar, que Deus nos oferta gratuitamente, acompanhada da brisa oceânica e a visão infinita da natureza, um tanto maltratada pelos humanos, mas ainda viva, mercê das criaturas de boa vontade.

         Sem querer ser hipócrita, tolero e até me agrada a alegria dos netos, sobrinhos e amigos, que ainda o fazem com pureza de espírito e sentido comunitário.

         Um ponto indiscutivelmente propício é o do silêncio que permite a meditação, a criatividade e a oração.

         Continuo na mesma diretriz – nada a reclamar e tudo a agradecer a Deus, sobretudo, que teima em manter vivo esse meu corpo cansado de tanto ver a intolerância, os conflitos, os abusos de todas as vertentes e o desrespeito contra a natureza.

         Os vândalos já arrancaram um pedaço do corrimão na nossa passarela da rua Erith Correia – nada que não possa ser reparado depois das festas momescas.

         Resta agora esperar a Quaresma, para reiniciar a imortalidade de Jesus em nossos corações e oportunizar o arrependimento os ímpios.


 

A terceira via
​Quando fui fazer doutorado (PhD) no Reino Unido, em 2008, o jusfilósofo Ronald Dworkin (1931-2013) andava por lá. Era professor no University College London – UCL. Era muito badalado. Recordo-me de haver ido xeretar uma de suas palestras. Ele faleceu na amada Londres, de complicações de uma leucemia, não muito tempo depois. Uma pena.
​Dworkin nasceu em Worcester, Massachusetts, nos EUA. Estudou nas universidades de Harvard (bacharelado e doutorado) e de Oxford. Coisa de primeira qualidade. Foi assessor no Judiciário americano. Advogou em Nova York. Foi professor na Yale University. Sucedeu a H. L. A. Hart (1907-1992) na cátedra de filosofia do direito da Oxford University. Pontificou lá por 30 anos. Foi finalmente professor na New York University e no University College London, além de ter dado cursos em outras universidades mundo afora.
​Filósofo, jurista e constitucionalista, Dworkin foi muito atuante no debate público no mundo anglo-saxão, em jornais e em publicações especializadas. Mas Dworkin é sobretudo o autor de alguns clássicos da ciência do direito. “Taking Rights Seriously” (1977), “A Matter of Principle” (1985), “Law’s Empire” (1986), “Sovereign Virtue: The Theory and Practice of Equality” (2000) e “Justice for Hedgehogs” (2011) são os mais célebres. É fácil encontrá-los, com os títulos “Levando os direitos a sério”, “Uma questão de princípio”, “O império do direito”, “A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade” e “A raposa e o porco-espinho: justiça e valor”, em edições honestas da Martins Fontes.
​A obra de Dworkin é variada. É até difícil de compreendê-la e, muito mais, de resumi-la. Mas podemos apontar dois núcleos.
​O primeiro está na sua defesa de uma justiça distributiva, materialmente igualitária, desenvolvendo um veio que vinha de Aristóteles (384-322 a.C.) e chegava no seu conterrâneo John Rawls (1921-2002). Vai longe Dworkin nessa busca de uma igualdade material. De fato, o princípio da igualdade perante a lei, como um dogma político e jurídico, é ouro. Mas ele não pode ficar apenas no plano normativo. Tem seu lugar, talvez o de maior destaque, na solução materialmente igualitária de casos concretos na vida em sociedade.
​E assim chegamos ao segundo aspecto da filosofia de Dworkin. Um jusnaturalismo moderado. Ou, como li em “Little Book of Big Ideas – Law” (A & C Black Publishers Ltd., 2009), de Robert Hockett, “uma terceira via”, entre as visões positivistas e jusnaturalistas.
​Metodologicamente, Dworkin trabalha sua teoria do direito “como uma teoria acerca de como os juízes decidem os casos concretos”. Para decidir, os juízes devem considerar o que está na lei e nos precedentes judiciais. Parece óbvio e assim o diz Dwokin em “Levando os direitos a sério” (Martins Fontes, 2002): “as teorias da decisão judicial tornaram-se mais sofisticadas, mas as mais conhecidas ainda colocam o julgamento à sombra da legislação. Os contornos principais dessa história são familiares. Os juízes devem aplicar o direito criado por outras instituições; não devem criar um novo direito”. E aqui temos uma visão positivista do direito.
​Se o dito acima é o ideal, ele nem sempre é possível. Dworkin afirma que as regras do direito “são quase sempre vagas e devem ser interpretadas antes de se poder aplicá-las aos novos casos. Além disso, alguns desses casos colocam problemas tão novos que não podem ser decididos nem mesmo se ampliarmos ou reinterpretarmos as regras existentes. Portanto, os juízes devem, às vezes, criar um novo direito, seja essa criação dissimulada ou explícita”. Dwokin fala em buscar a “melhor interpretação moral”, o “melhor para a comunidade” e, ao fazê-lo, os juízes devem agir estabelecendo normas que, “em sua opinião, os legisladores promulgariam caso se vissem diante do problema”. E aí está o seu viés jusnaturalista.
​Todavia, para Dwokin (e temos o semipositivista), “é muito comum que o legislador se preocupe apenas com questões fundamentais de moralidade ou de política fundamental ao decidir como vai votar alguma questão específica. Ele não precisa mostrar que seu voto é coerente com os votos de seus colegas do poder legislativo, ou com os de legislaturas passadas”. Um juiz não deve mostrar esse tipo de independência total. Ele deve associar sua decisão às decisões que outros juízes tomaram no passado. A força da sua decisão deve estar baseada não só na sua “sabedoria”, mas, também, na “equidade” de tratar casos semelhantes do mesmo modo.
​E, dito tudo isso, temos um Dworkin tanto terceira via como igualitário. Grande nome.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
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