quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

 No Natal, Deus se faz criança 

Padre João Medeiros Filho 

Santo Antão, um anacoreta do século III, inspirado no Livro da Sabedoria (Sb 18, 14-15) escreveu: “Quando a noite estava no meio de seu curso, tudo parou e silenciou, porque nasceu um Menino, o Salvador da humanidade.” A retórica do presépio pretende mostrar que Deus não é severo, ameaçando nossas vidas. Ele surge no meio de nós como uma criança. E esta não julga nem condena. Deseja tão somente revelar a clemência e o afeto divino. A manjedoura de Belém sussurra-nos uma profunda mensagem de paz. Hoje, vive-se na civilização da incerteza e do medo, até mesmo de Deus. Talvez, nós ministros religiosos, tenhamos uma parcela de culpa. Por vezes, anunciamos mais o castigo divino do que o perdão, a benignidade e a ternura. Jesus se fez pequeno. É o Emanuel, Deus conosco. Não se pode esquecer as palavras dos anjos aos pastores: “Não temais, anuncio-vos uma grande alegria: nasceu para vós o Salvador” (Lc 2, 10). O termo empregado pelos arautos celestiais foi salvador e não juiz. O Natal cala-nos diante da simplicidade, bem como da benevolência infinita e celestial. Resta-nos dar lugar ao coração que sente, se compadece e ama. Não se poderia fazer outra coisa diante de um menino, sabendo que Ele é o Verbo humanado. Vale lembrar Fernando Pessoa: “Ele é a eterna criança, o Deus que faltava. Ele é o divino que sorri e que brinca. É a criança tão humana que é divina.” O Natal traz-nos uma permanente mensagem: importa muito o espírito de bondade, doçura que encanta, pureza enchendo a alma humana da inefável e enriquecedora graça sobrenatural. Na festa do Natal de Cristo, somos todos convidados a ver com os olhos da alma, do afeto e do coração. Não raro, somos frios e indiferentes. O Pequeno Príncipe já dizia: “Só se vê bem com o coração.” Santa Dulce dos Pobres mostrou-nos que o cristianismo é feito muito mais com o coração do que com sermões. Neste Natal, vamos resgatar nossa afetividade, deixar-nos comover com nossas crianças interiores, permitir que elas sonhem e nos encham de encanto diante do Menino Jesus. Este sentiu prazer e alegria, querendo ser um de nós. “E a Palavra se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1, 14). Tendo passado pela experiência de ter sido criança, Ele lançou aos discípulos o convite à infância espiritual: “Se não vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18, 3). Natal é isso também. Na liturgia natalina e do cotidiano da vida, o Eterno vem a nós para nos transformar em irmãos, mudar nossa noite em dia, proteger-nos dos perigos, iluminar nossa cegueira e fortalecer nossa fraqueza. Deus assumiu o homem, não obstante a sua infidelidade, a rejeição do Amor na aurora da humanidade. Um Menino nasceu para nós, um Filho nos foi dado. Cristo se fez um como nós, porque quis ser para todos misericórdia e perdão. Portanto, “alegremo-nos todos no Senhor, pois nasceu para nós o Salvador” (Lc 2, 11). Desceu do céu para nós a verdadeira paz! O Natal é a resposta à utopia humana, à sua sede e procura inquietas. Em Cristo, Deus materializou todo o nosso sonho: tornar-se imortal, pleno de bondade, rico de benevolência, templo da justiça, fonte da verdade, berço do perdão e da paz. Jesus veio restaurar pela graça a humanidade, em sua beleza original e grandeza primeira da criatura, antes da triste realidade do pecado. O Natal é a convivência celestial nos caminhos da terra, a partilha da Vida divina com a existência terrena, o encontro do Eterno com o tempo, a Presença duradoura no efêmero dos homens. É o Criador decidindo habitar a terra. Destes sentimentos devem se revestir as festas natalinas. A todos desejamos um Natal cheio de graças e de Luz. Precisamos dela neste mundo – em especial no Brasil – rumo a um futuro incerto. Tenhamos fé, Deus indicar-nos-á também uma estrela, como a de Belém, a mostrar o caminho que nos leva ao Salvador. A todos um Natal pródigo de graça, alegria, saúde e paz! “E a gloria do Senhor nos envolva de luz” (Lc 2,9).

 EQUÍVOCO HOMÉRICO

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

Nos anos noventa, o deputado Leonardo Arruda encabeçou um oportuno movimento na Assembleia Legislativa com o objetivo de tornar sem efeito o título de cidadão honorário norte-rio-grandense concedido a José Carlos Fragoso Pires. Léo, como advogado e regimentalista, procurou amparo legal para convalidar a iniciativa que teve o apoio da grande maioria dos parlamentares. Mas, o título foi entregue solenemente no plenário da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, com reservas. O então deputado e depois governador Robinson Faria, proferiu o discurso de praxe repleto de esperança e de visões desenvolvimentistas. De Macau, por terra e mar, desembarcaram delegações oficiais e privadas, todos entoando o hino da barrilha. No seu discurso, para justificar a honraria, falou que retomaria imediatamente o projeto de reabertura da Alcanorte. Todavia, notícias sinistras pairavam sobre o projeto. Comentou-se que o grupo empresarial estava dividido. Ou concentrava somente seus investimentos no Rio de Janeiro e não na Alcanorte, em Macau. A dúvida penalizou o Rio Grande do Norte. Não foi isso que ouvimos quando votamos o título honorífico. E a Alcanorte foi para o beleleu.

Para quem não se lembra, Fragoso Pires foi o empresário carioca/paulista que implodiu o projeto da Alcanorte. Dizem que lá em Macau o vigário ministrou até a extrema unção da polêmica iniciativa. Relembro os primeiros trovadores que cantaram a adolescente Alcanorte em verso e prosa: Antonio Florêncio, Tarcísio Maia para não citar outros. A Alcanorte foi mulher de muitos homens. Explorada em muitas cartas e discursos circunstanciais, ocasionais, para depois de seduzida ser logo abandonada. Hoje, virou carcaça na periferia de Macau, igual a tantas mulheres que ganhavam a vida com o suor de suas nádegas. O seu último caso foi com o industrial Fragoso Pires que a pediu em “casamento” e levou o seu dote de quinze anos de isenção de ICMS. Logo deixou de ser pública para ser privada. Mas o casamento não deu certo. O volúvel Fragoso, era homem de muitos casamentos e só no Rio de Janeiro tornou-se sócio de quinze empreendimentos diferentes. Enciumada, alquebrada, esquelética, a Alcanorte é tristemente lembrada na comiseração pública, através das frases carpideiras e lamuriosas dos seus amantes. Depois, falou-se no Pólo-Gás-Sal. Sim, o gás é nosso! Disseram que não poderia nascer morto no ventre como nasceu a refinaria de petróleo. Mas, ainda restava uma esperança. Ai entrou em cena o Pólo-Gás-Sal que se transformou num “bufa-gás”, aquele orfeônico equipamento inventado pelos cientistas de plantão lá do Planejamento do Estado.

Sentido-se enganada na sua boa fé e ultrajada, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte buscou uma sanção moral, um ressarcimento ou uma punição que fizesse delir da galeria honorífica dos grandes cidadãos do Rio Grande do Norte essa figura despicienda e de tão mau agouro. A intenção não logrou resultado.

E aí? Tudo virou naufrágio! Uma aventura na qual só um grupo levou vantagem. Nem Alcanorte, nem barrilha, nem porra nenhuma! Tá lembrado? É a mesma história da ZPE, da Algimar do conde de Sternberg ou senhor Carlos Raposo, Cerâmica Beatriz de Bernard Benayon e falam que vai aparecer agora um novo projeto: O “CAVACO CHINÊS”.

Rio Grande do Norte sem sorte onde o maior investidor é a Previdência Social. A paranóia do lucro fácil continua presidindo as ações. Não existe criatividade. Apenas, a infusão do medo, do ódio, do pesadelo. Não existe um líder que dê de si, sem trair a si, eis toda questão do senso político. Sem paranóia, sem passionalismo. O tempo só respeita o que constrói e não o que persegue.

(*) Escritor.



segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

 Estado brasileiro laico e religiosidade 

Padre João Medeiros Filho 

Talvez por desconhecimento jurídico, histórico e cultural, pessoas, grupos e instituições voltam-se contra manifestações e símbolos religiosos – mormente cristãos – presentes em órgãos ou espaços públicos. São objeto de contestação, críticas, ataques e polêmicas. O assunto é recorrente em discussões acadêmicas, legislativas e jurídicas. O advento da República trouxe a ruptura da Concordata entre a Santa Sé e o Brasil (vigente desde os tempos coloniais), ocasionando o fim do padroado e do catolicismo como religião oficial. Proclamou-se o estado laico, ou seja, separado institucionalmente da Igreja. O uso do termo laicidade, de forma inexata semântica, canônica e juridicamente, tem sido um dos argumentos contumazes em discussões e debates. Absurdo é considerar laicidade como oposição a tudo o que diz respeito à religião. Por princípio constitucional, o Estado brasileiro é laico e não laicista. São realidades distintas. A laicidade é a neutralidade ou independência do ente estatal no tocante à religião, jamais aversão ou exclusão da fé do seu povo. Isto chama-se laicismo, postura radical que nega o sentimento religioso. Laicismo inexiste em nosso texto constitucional. Assim, inaceitável é a visão excludente da religiosidade. Esta não se configura como antagônica ao Estado. Ao contrário, ela poderá contribuir para avaliar a concepção e os projetos de sociedade. Ontológica e culturalmente, a religiosidade cristã é inerente à nossa formação antropológica como nação. Integra os elementos formadores de nossa identidade nacional, ao lado de tradições e raízes indígenas ou africanas. Por mais que queira, ninguém conseguirá apagar ou modificar o passado. É indelével. Hoje, órgãos de Estado empenham-se em preservar traços e aspectos transmitidos por nossos ancestrais. Há leis específicas de proteção a elementos oriundos da afro-descendência e ameríndia. Paradoxalmente, tenta-se negar ou soterrar a presença cristã na genética de nosso povo. Ignorar esse fato é uma postura preconceituosa histórica e culturalmente. Há uma marca religiosa nas entranhas do Brasil. Incontestável é a religiosidade de sua gente. Esta precede o ente estatal, o qual tem por dever edificar e manter uma sociedade equânime, justa e solidária. O povo é a razão de ser da instituição sócio-política, na qual está inserido. O Estado tem por objetivo o bem comum da nação, preservar seus legados culturais e respeitar os princípios de justiça, verdade, harmonia e paz. Portanto, não é correto – filosófica, jurídica e ideologicamente – considerar como opostos e inconciliáveis: Estado e Religião. A distinção é necessária e benéfica para não incorrer em ambiguidades indevidas, injustiças ou concessão de privilégios a determinado credo. Nos parlamentos, se os membros representam legalmente a população, detêm igualmente a obrigação de defender a religiosidade de quem os escolheu. O ônus abrange proteger a legitimidade e competência da religião, bem como momentos e contextos, locais e modos de expressar suas convicções. “Est modus in rebus”, escreveu o poeta latino Horácio em suas “Sátiras”, ou seja, há medida certa para cada coisa. De um lado, seria contraditório pensar o Estado como instância prestadora de serviço para o bem-estar da nação; de outro, discriminando a religiosidade, dimensão intrínseca e ontológica da brasilidade. Nenhuma entidade social ou partidária pode arrogar-se o direito de ser dona do Estado, a ponto de querer impor sua própria concepção ideológica ou religiosa. Tampouco, religião alguma deverá fazer o mesmo. São seres diferentes, apesar de vinculados à vida nacional. Deste modo, não se pode extirpar de nossa pátria elementos constituintes e intrínsecos, dentre eles, a religiosidade. Negam-se nossas origens, quando se parte de uma noção inexata e equivocada de laicidade. O Estado não deve ser confessional. Porém, não é ético, justo e intelectualmente honesto, excluir culturalmente o cristianismo do DNA do país. Se assim pretendem defensores dessa teoria, deverão repensar e abolir outros componentes que também constituem a identidade brasileira, protegidos por diplomas legais. É uma questão de dignidade, coerência e lógica. A religiosidade do ser humano não é maléfica. Dizia o teólogo Angelus de Silesius: “Como viver sem Ti, ó Senhor? Pouco importa teu nome: Clemência, Pai, Ternura ou Amor. És nossa luz, alegria, esperança, refúgio e paz!” Importa citar o salmista: “Feliz a nação, cujo Deus é o Senhor” (Sl 33/32, 12).

 

ORIGENS E SÍMBOLOS DO NATAL

Padre João Medeiros Filho

I HISTÓRIA

Segundo a maioria dos historiadores, a celebração do Natal de Cristo remonta ao ano 440, quando o Papa Leão I (São Leão Magno) instituiu a missa In Nativitate Domini. Não há registro cronológico da data exata do nascimento de Jesus. O dia 25 de dezembro é a sacralização ou cristianização de algumas festas pagãs que aconteciam junto aos povos ocidentais e orientais, especialmente romanos, gregos e egípcios, mormente nos países banhados pelo mar Mediterrâneo. Dentre elas destacaremos as seguintes:

1 Saturnaliae

Em Roma, eram famosas as Saturnaliae (ou Saturnais) em homenagem ao deus Saturno – versão romana do deus Cronos. De acordo com as lendas e a mitologia, Saturno era uma divindade romana. Uma vez destronado por Júpiter, fugiu para a Ausônia (Itália). Segundo a crença pagã, reinou durante a Idade de Ouro do Império Romano. E em memória desse reinado benéfico, realizavam-se no início do inverno as festividades Saturnais. Nessa oportunidade, ficavam suspensos os serviços públicos, declarações de guerra e execuções de criminosos. Os amigos trocavam presentes e os escravos adquiriam liberdade momentânea. As árvores eram enfeitadas para que brilhassem durante a noite. Tocava-se e cantava-se em agradecimento a Saturno, o deus da simetria, fartura e vida. No seu reinado, havia paz e harmonia, concórdia e fraternidade. Assim expressa-se o poeta latino Virgílio: Iam redit et Virgo, redeunt Saturna regna: (Eis que a Justiça está de volta, retorna o reino de Saturno). As Saturnais eram uma forma de lembrar o estado paradisíaco e obter graças e proteção de Saturno sobre os campos e a vida.

Por ocasião das Saturnais, acontecia um banquete onde todos se sentavam à mesa, servidos pelos senhores. A ceia tinha por intenção mostrar que, perante a natureza, todos os homens são iguais e que no reinado de Saturno os bens da terra pertencem a todos.

Podemos verificar que nas Saturnais havia vários aspectos que inspiraram a realidade da festa do Natal cristão. A Igreja nos ensina e a fé nos confirma que Cristo, o novo Adão de que fala São Paulo, veio instaurar um reino de amor, justiça e paz. O Filho de Deus se encarnou e nasceu para proclamar a nossa fraternidade e fazer com que todos se sentem à mesma mesa (Eucaristia) para um banquete servido pelo próprio Deus. Para os cristãos Cristo é o maior dom de Deus, presente divino para o mundo e em memória dessa doação celestial, somos animados a trocar presentes. Recebestes de graça, dai de graça (Mt 10, 8). Eis a sacralização ou cristianização de uma tradicional festa pagã. Com a vinda de Cristo, os romanos foram convidados a se reunirem não mais para celebrar um deus frágil, mas o Deus Eterno, do Amor e da Vida.

2 Hélios

De acordo com a mitologia grega, Hélios (O Sol) era filho de uma Virgem chamada Téia (do grego:  divina). É o deus da luz, conhecedor profundo de todas as mazelas do mundo, capaz de criar e secar, de apontar e cegar. Segundo a lenda, Hélios ganhou de Posídon ou Possêidon (Netuno) a cidade de Corinto, onde era adorado pelos seus habitantes, que propagaram para toda a Grécia a festa do deus Sol. No solstício do inverno (entre 22 e 25 de dezembro no hemisfério norte), os coríntios costumavam celebrar a festa do deus Hélios, onde se cantava e pedia que ele não se afastasse da terra e não reinassem as trevas que encobriam as cidades. Em geral, tais festividades tinham o seu clímax no segundo ou terceiro dia, ou seja, na data ou véspera de 25 de dezembro.

A Igreja, partindo da tradição e realidade pagã, deseja comemorar Aquele que é a Luz do Mundo, o Sol da Justiça e da Paz preconizado pelo profeta Isaías. Segundo a crença helênica, o frio e os rigores do inverno deveriam ser amenizados com a proteção de Hélios. Deste modo, o gelo da insensibilidade ou indiferença, do ódio e da violência deveriam, segundo a concepção cristã, ser destruídos ou amenizados por Aquele que aquece as nossas vidas e corações. Reza-se na sequência da missa de Pentecostes: Sol divino, aquecei as nossas almas. Segundo a mitologia grega, Hélios era considerado o “olho do mundo”, ou seja, aquele que tudo vê. Para os teólogos pelo mistério da Encarnação, Cristo é o olho de Deus no mundo dos homens. É muito mais do que um simples olho. É a presença divina no tempo. Entende-se melhor a representação iconográfica do “olho de Deus” no triângulo encontrado nos santuários de Schoenstatt. Não é sem sentido e simbolismo a lenda que afirma: quando o sol se põe, ele viaja para as entranhas da sagrada noite escura. Na verdade, quando o Cristo se ausenta da face da terra e do coração dos homens, temos trevas. Dizem-nos os relatos da paixão e morte do Filho de Deus que quando Ele expirou a terra se cobriu de trevas (Mt 27, 45). Cristo apresenta-se como sendo a Luz. Assim se expressou com bastante precisão: Quem me segue, não anda nas trevas (Jo 8, 12). Jung procurou descrever a trajetória de Hélios e o seu simbolismo: o herói se identifica com o sol, que nasce cada dia, isto é, imortal. Cristo é o Imortal, o Deus vivo e verdadeiro. Para o psicanalista suíço, a representação mítica é importante, pois Hélios retrata a força suprema do espírito e da alma, a verdade e o amor. Cristo é nossa fortaleza (Tudo posso naquele que me fortalece – Fl 4, 13), é a verdade (Eu sou o caminho, a verdade e a vida – Jo 14, 6) e o Amor (Deus é amor – 1Jo 4, 8).

3 Shesepuankh

Os egípcios cultuavam uma esfinge com este nome, que era a primeira a receber os raios de Ra-Herakheti, ou seja, o Sol vivo. Essa esfinge passou a ser cultuada por várias comunidades helênicas e da antiga Palestina como a Hieracoesfinge, que é a presença do deus Sol. Menos conhecida que as duas outras divindades e suas festas, o “rito do sol” é de grande importância para os egípcios, pois é o deus da fecundidade, da vida e do renascimento. Esse rito era celebrado no solstício do inverno, como súplica ao deus Sol para que não abandonasse a terra e não permitisse que os homens permanecessem nas trevas. Posteriormente, chamou-se de “festa da luz” como despedida da claridade, pois os dias hibernais são mais curtos do que as noites. A Igreja inspira-se nesses simbolismos incorporando à liturgia católica ideias e imagens, cristianizando a data, a festa e a tradição. Cristo é a luz do mundo (Jo 8, 12), como Ele mesmo se definiu e já profetizava Isaías: Brilhará para vós uma luz (Is 9, 2).

II SÍMBOLOS CLÁSSICOS DO NATAL

Da celebração de tais festas pagãs nascem o sentido do Natal e vários símbolos natalinos presentes na liturgia da Igreja, conhecidos e propagados até o dia de hoje.

a) A árvore de Natal

Nas Saturnais coloriam-se as árvores quase mortas por conta do gelo e do inverno inclemente. A Igreja ensina-nos que Cristo é a verdadeira árvore, símbolo da vida e da fecundidade, manifestando e comunicando a vida em qualquer situação. Assim é Jesus, que afirmou: Vim para que todos tenham Vida (Jo 10, 10).

Nos países tropicais, colocam-se árvores murchas com arranjos secos a nos sugerir uma reflexão indireta. O que está seco, não tem vida. Lembremo-nos da parábola da videira: Eu sou a videira, vós sois os ramos (Jo 15, 5). Portanto, sempre que estivermos longe de Jesus estaremos secos, pois só Ele é a Vida. Olhando os arranjos ressecados, peçamos a vida e condições para viver dignamente como filhos de Deus.

b) A ceia de Natal

A ceia natalina é também inspirada nas Saturnais, que lembravam a fraternidade. É o momento em que a família se reúne com alegria e amor renovados. Na hora da refeição todos estão unidos para dialogar. A ceia de Natal deve nos lembrar que nosso verdadeiro alimento é Jesus, Filho de Deus que estamos festejando. Em Cristo nós nos fortalecemos e temos a vida. A ceia natalina lembra-nos também uma outra, a última ceia de Jesus, onde Ele próprio se deu a nós como alimento para ficar conosco na Eucaristia.

Na ceia do Natal, costumamos colocar no centro da mesa uma vela acesa, para simbolizar Cristo que nos une em volta de si, que é a nossa luz.

c) A estrela

Nas festas pagãs procurava-se também reproduzir nas árvores e nas casas o brilho das estrelas e do sol. Sabe-se que no nascimento de Jesus, de acordo com o relato dos evangelistas, especialmente Lucas, apareceu no céu uma grande estrela. Os magos que vieram do Oriente à procura do Menino foram guiados por esta estrela até Belém. Tinha quatro pontas (lembrando a forma da cruz) e uma calda luminosa. As pontas representam as quatro direções da terra, norte, sul, leste e oeste, para as quais Cristo deve ser luz e de onde devem vir todos homens para adorar a grande Luz, o Filho de Deus. Jesus Cristo é nossa estrela, que aponta o caminho de nossa vida e quanto mais nos aproximamos da sua luz, também seremos luz e estrela, guiando outros ao encontro de Deus. Vós sois a luz do mundo (Mt 5, 14).

d) O presépio

Os historiadores da Igreja relatam que a representação do nascimento de Jesus – seguindo-se os relatos bíblicos – começou por volta dos séculos VII e VIII. Entretanto, a mais famosa delas foi de autoria de São Francisco de Assis, que se celebrizou no mundo inteiro como idealizador do presépio. O Santo dos pobres encontrava-se na cidadezinha de Greccio, na Itália central, no ano de 1223. Estando em uma ermida próxima a um bosque, teve a inspiração de encenar, na noite de Natal, o momento do nascimento de Cristo, que, segundo o Evangelho, é Deus que se fez homem para habitar entre nós e salvar a humanidade.

Assim, os amigos de Francisco levaram animais ao bosque e algumas pessoas interpretaram Nossa Senhora, São José, os pastores e os Reis Magos.

Até hoje, Greccio é conhecida como a “Belém italiana” por ter sido palco do primeiro presépio. Desde então, a representação visual do nascimento de Cristo se tornou, cada vez mais, símbolo do Natal.

Pode-se dizer que o presépio, apesar de sua origem e inspiração bíblica, lembra igualmente a tradição romana onde se realizavam encenações em homenagem ao deus Saturno.