sábado, 23 de julho de 2022

 

FRASES

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

 

O mapa político a sair do pleito estadual do Rio Grande do Norte vai produzir tantas incertezas quantas espertezas em 2022. O barão de Itararé já dizia: “Não nos queixemos de certos homens públicos pela sua arrogância, rudeza, egoísmo, vaidade, esquecimento. É a sua índole. Irritar-se com ele é como se irritar com o fogo porque queima ou o cão porque morde”. Jean de La Bruyère, pensador francês, descendo numa sessão espírita no município de Tenente Ananias: “O demônio pode citar a Bíblia em seu próprio proveito”. De Djalma Marinho citando  Shakespeare num comício em Nova Cruz: “Na política não há amigos, mas conspiradores que se unem”. Raciocínio lapidar de um governador explicando na televisão o que fizeram de sua candidatura: “Há um tempo para desarmar os presságios, há um tempo para desamar os frutos e há um tempo para desviver o tempo”.

De um arrependido e desistente pré-candidato ao governo do Estado, lá num comício em Pedro Velho, sobre o seu infante rebento: “Pelos caminhos do mundo nenhum destino se perde”. De um estreante candidato diante do mar da Redinha e ante a distante possibilidade de atracar a sua nau catarineira no segundo turno da eleição: “Antes a dor de não ter vencido, do que a vergonha de não ter lutado”.

Bernard Shaw, pela boca de um conhecido deputado estadual, lá na praça Sete de Setembro, assim foi citado: “É preciso ser doido ao menos uma vez por ano”. Zé do Café São Luís, não deixou ele terminar: “Pois, aqui, tem doido o ano todo”. Desabafo de um vereador, no corredor da Câmara pensando no fundo eleitoral dessa eleição, enfezado com o povo pedindo pererecas, parafraseando o escritor francês Jean-Paul Sartre: “Não, o inferno não são os outros como queria Satre; o inferno são os votos...”.

Já um observador atento da cena política de uma prefeitura metropolitana, lembrou-se do argentino Jorge Luis Borges, escritor, para dizer que não somente é “O velório que gasta os rostos”, mas, algumas candidaturas também. Da praça André de Albuquerque vi sair do Tribunal Regional Eleitoral uma penca de candidatos que fizeram campanha política antes do prazo legal. Os políticos justificavam citando o filósofo Chesterton quando disse que “Os vícios são as virtudes enlouquecidas”. Principalmente, as eleitorais que desmoralizam as religiões.

O liseu tem sido grande nesta campanha. A grana do fundo eleitoral somente sairá após as convenções partidárias. O muro das lamentações, tornou-se pequeno para acomodar a romaria dos candidatos antecipadamente derrotados,

Um desses poetas remediando o seu infortúnio com provérbios e estonteandos com palavras eruditas, contemplou o mapa político além da ponte de Igapó, e soltou a frase desesperadora do italiano Dante de Alighieri: “Ô gente avara, fútil e proterva!!”. E o povo, cá de baixo, mas do alto de sua prosopopéia, respondendo na voz de um personagem shakespeariano: “A fome que nos aflige, retrato de nossa própria miséria, é como o inventário da riqueza de todos eles. Nesta eleição, vinguemo-nos com nossa reprovação antes de sermos transformados em ripas. Porque o que nos faz dizer isso, não é somente a fome de pão, mas a sede de vingança”. Vê-se que, nessa vida, tudo o que começa, termina. Mas, mesmo assim, de alguma forma, vejo um amanhecer.

Tancredo Neves depondo sobre Petrônio Portela, afirmou: “Ele nunca foi arrivista, governista, oportunista ou coisa que o valha. Ele teve o senso da sobrevivência”. A política nacional mais parece com o samba de Jackson do Pandeiro: “Esse jogo não não pode ser um a um, se o meu time perder eu mato um”. Pra terminar cito o filósofo da praça João Maria: “Bem-aventurados os ruidosos do Rio Grande do Norte porque deles é o reino do caos”.

(*) Escritor.

 

TOMÉ DE LUDUGERO – UMA HISTÓRIA DOS SERTÕES DO SERIDÓ.
Grassava um setembro quente nas eras de 98. Rumava na crina oeste da Borborema Potiguar, rincão da Serra do Doutor, no azimute do velho Seridó, cruzando o Riacho do Maxixe, onde até aí, ainda viçam os velhos facheiros sob a forma de cálices sepulcrais; espinhentos e ruídos na base pelo preá da caatinga, velho freguês do cascavel asqueroso.
Dando lugar daí em diante, ao reino dos xique-xiques e de mandacarus, entrelaçados pela jurema e marmeleiros desnudados de sua folhagem sedosa e aromática, que quando na puberdade, Rebento das águas de março, é velho coito de reprodução das mutucas sanguinárias.
Manhã calorenta, embora ainda meã. Prenunciava uma tarde abrasadora, como resultado do sol do equinócio primaveril. Desejava visitar no “Manhoso”, um velho conhecido. Naveguei na terra de Paulo Balá, escriba das “Cartas do Sertão do Seridó”, sem deixar rastro no Gargalheiras. Havia pressa, logo comecei a avistar o amarelo desbotado das “macambiras de pedra” nos umbrais da Serra da Rajada. Velho peador e ponto arranchação de matutos almocreves, que da primeira metade do Século XIX até os dois primeiros quartéis do século XX, traziam peixe escalado e salpreso do Sertão, para o Brejo paraibano e trocavam por aguardente, revendendo-a como remédio, para mulheres curarem o “resguardo” nas terras do Caicó e de todo o Seridó.
Meneei sutilmente e ao largo para a terra de Manoel Paulino, velho alcaide jardinense da melhor estirpe. Daí, segui no asfalto, meandrando a ribanceira esquerda do Rio Seridó, sem perder de vistas os carrascais favelados e as arribaçãs da caatinga colhendo a sementeira destes. O destino imediato era o Rio Barra Nova, vertente do Itans, cujo leito pretendia cruzar. Eis que de chofre, vislumbro a silhueta de um velho ancião octogenário, caco de enxada nas costas, um matolão desbotado dependurado e um cabaço que lhe servia de cantil. Arrastava uma perna, como se tivesse sofrido da popular congestão, que os entendidos chamam de acidente vascular cerebral.
Passava de meio dia, a cigarra trinava nos pés de velame, numa incelência apelativa e mórbida, protestando contra o braseiro que lhe caía. Em sentido contrário, cumprimentei aquele vivente e rumei no destino que era perto. Não encontrei o velho seridoense Dadá em sua fazenda. Voltei à passo de gazela*, lá ia nova mente, a figura mancando, ofereci-lhe carona, não aceitou.
Numa distância mediana, parei o carro, dei meia volta, e insisti novamente, pedindo-lhe explicação, porque numa hora daquela, desdenhava o meu gesto. Porém, antes que me desse resposta, perguntei-lhe: qual sua graça? O velho seridoense, de gesto labial trêmulo, não se fez de rogado. “Eu sou TOMÉ DE LUDUGERO, seu criado, nasci e me criei na ribanceira do ri Seridó”. Afogado na emoção repentina, também de voz trêmula, fui mais que de repente e lhe falei: Eu sou aquele menino da ribanceira do Rio Piranhas, que na seca de 58, vinha visitar suas velhas tias avós, Benigna e Paulina, e a vaca sabiá, que parira duas bezerras, a quem o senhor dava mandacaru trinchado.
Eis que também de repente, levantou a cabeça, fez tino pro meu lado e disse: espere... O Senhor é Doutor Jair? Lágrimas do ancião caíam da face em crosta, que abraço! Reencontro de dois monstros sagrados da amizade fraterna, hospitaleira, no melhor padrão seridoense.
Saudades de 40 anos idos, “eu pensando na minha infância com a vaca sabiá e TOMÉ DE LUDUGERO revendo o menino já Doutor. Ato contínuo, deu de garra dos apetrechos, entrou na camionete e fomos para sua casa. Uma tapera de barro, linhas de miolo de aroeira centenária, caibros e ripas de pereiro caatingueiro, tendo como móveis mais nobres: dois tamboretes de caibeiras, onde num sentei, e fiz a provocação. Como tem passado? Foi aí que começou a história de TOMÉ DE LUDUGERO.
“Meu filho, perdi Salomé minha mulher há dez anos. Minha filha Julieta, “buliram” com ela, e nasceu esse menino. Somos dois viventes sem viver, quando chego ele sai, quando chega estou dormindo. A mãe vive em São Paulo, faz anos... manda cinqüenta mil réis no mês, para ajudar na sua mantença. O pai não lhe deu a bênção, é a vida.
De soslaio, olhei em meu redor, vi no obtuso destino daqueles viventes, a fagulha da miséria: Um fogão de trempe, onde jazia uma porção de “feijão macassar”, dentro de uma panela de barro, tinturada até as bordas pela pucumã diária, que seria a refeição do velho Tomé, pois, o menino já comera feito “ raposa” com um naco de rapadura do Cariri, cujo resíduo ainda estava no prato.
Nesse ínterim intervém o ancião: aqui é assim, tenho o aposento que compro o meu remédio, a mistura e ajudo esse menino que vai para a escola todos os dias. O “grosseiro”, tiro do roçado, que me serve pras duas coisas, espicho as pernas também. Daí não ter aceitado o seu carro. Antes vinha o transporte, que me levava para o tratamento (fisioterapia), depois não veio mais, é a vida. Saio de manhã, deixo a panela no fogo, feijão n’água e sá, quando seca a água, esse menino puxa a lenha para traz. Tem dia que coze, tem dia que ta cru, se come assim mesmo, não tem “muié”.
De repente, me vi como se estivesse numa sala de aula, colhendo os ramalhetes de cidadania, embriagado de TOMÉ DE LUDUGERO, o meu melhor personagem naquele instante, e da minha vida, como professor e como escriba. UM VELHO, octogenário, bocejando em linguagem arrastada, cristalina preocupação cidadã, doente, carcomido pelo tempo, sem a sua dileta companheira, abandonado pelo Estado. Uma criança sem lar e sem o affetio maternal. Uma mãe distante, sem afagar seu rebento, é a vida. .Em assim sendo: TOMÉ DE LUDUGERO ME DEU A MELHOR AULA DE MINHA VIDA.
J.E.S.
4
1 comentário
1 compartilhamento
Curtir
Comentar

quinta-feira, 21 de julho de 2022

 

SALVEM A ASSESSORIA JURÍDICA DO ESTADO

DO RIO GRANDE DO NORTE

Por:  Carlos Roberto de Miranda Gomes(*)

       O Estado do Rio Grande do Norte teve o pioneirismo de colocar no texto da sua Constituição vigente (de 03 de outubro de 1989), um dispositivo prevendo a criação da Assessoria Jurídica do Estado, com cargos de carreira, consoante dispõe o seu art. 88, in verbis:

Art. 88. Para assessoramento jurídico auxiliar aos órgãos da administração direta, indireta, fundacional e autárquica, o Estado organiza nos termos da lei, em cargos de carreira, providos, na classe 111 inicial mediante concurso público de provas e títulos, observado o disposto nos arts. 26, § 6º, e 110, a Assessoria Jurídica Estadual, vinculada diretamente à Procuradoria-Geral do Estado. Parágrafo único. Nas mesmas condições do “caput” deste artigo para assessoramento jurídico auxiliar aos órgãos administrativos do Poder Legislativo, a Assembleia Legislativa organiza a sua Assessoria Jurídica, vinculada diretamente à Procuradoria-Geral da Assembleia Legislativa.

              A disposição constitucional mereceu regulamentação pela Lei nº 5.591, de 03/04/1990, com sucessivas alterações (Lei 6.623/1994 e LC 424/2010, esta alterando a Lei 8.014/2001, finalmente a LC518/2014) ofertando as competências dos Assessores Jurídicos do Estado do Rio Grande do Norte, cumprindo as normas emanadas da Procuradoria Geral do Estado à qual ficaram atrelados, dando-lhe outras atribuições, estabelecendo quadro efetivo e forma administrativa da sua movimentação.

         Assim, a Constituição Estadual  veio consolidar uma realidade preexistente, qual seja a transformação dos antigos cargos de Técnicos Especializados, “A”, “B” e “C”, do Quadro de Pessoal do Estado, Parte II, Tabela II, consoante a Lei nº 5.542, de 16/9/1986.

         Pois bem, em que pese essa carreira já consagrada no mundo jurídico do Estado, com serviços inestimáveis prestados em vários setores da administração direta, indireta, fundacional, empresas públicas e de economia mista, um ou mais de um procurador do Estado, inusitadamente, causa uma verdadeira pandemia ao entronarem no Judiciário uma Ação Direta de Inconstitucionalidade e impugnação de vários dispositivos da Carta Estadual, a partir do art. 88 e de outras leis posteriores, alegando conflito, em disposição de observância obrigatória pelos Entes formatados que relaciona na lide.

Ora, as atribuições dos Assessores Jurídicos não colidem com as dos Procuradores do Estado, eis que aqueles atuam em forma preliminar, não definitiva e em processos de menor complexidade, deixando aos Procuradores a competência de representar o próprio Estado, pois aqueles assessores estavam subordinados a estes e nunca ombreados nem funcionalmente, nem nos montantes de retribuição financeira.

         Ademais disso, o que motivou a criação da Assessoria Jurídica foi reduzir o acúmulo de serviços da Procuradoria, assoberbada com processo de segunda expressão na ordem jurídica do Estado, na condição singular de Advogados do Estado e também Consultoria do Poder Executivo.

         Entendo desidioso esse esdrúxulo e extemporâneo comportamento dos autores da ação, pois deixaram consumir muito tempo para tomarem essa decisão, sem que nunca tenha havido conflitos, sem atentarem para os serviços relevantes dos assessores, alguns já falecidos, outros aposentados, criando um verdadeiro efeito cascata deletério para os servidores que acreditaram na correção de suas atividades e agora até em fase de extinção pela não abertura de novos provimentos.

         Efetivamente, não sei o propósito mesquinho dos proponentes da ação de inconstitucionalidade e não me proponho à essa discussão face a minha vetusta idade e estado de saúde, mas reúno forças de ir além, na defesa de uma corrente respeitável da filosofia do Direito, partindo do fato de que “A Lei não Esgotar o Direito” e, ainda, o verdadeiro Direito tem em sua finalidade a “Busca da Justiça”, não se perdendo no amontoado (cipoal) de legislação e decisões em casos diferentes, pois cada Estado possui a sua própria realidade fática.

         Em formidável artigo, que adoto pela excelência jurídica, o Procurador Regional da República Marcelo Alves Dias de Souza, Doutor em Direito (PhD in Law pelo King’s Collge London – KCL), com propriedade e espírito de garimpador do verdadeiro desaguadouro da finalidade do Direito – A Justiça, ensina:

 

“O realista escandinavo

Em regra, relacionamos a expressão “realismo jurídico” a uma escola desenvolvida nos EUA na virada do século XIX para o XX e, até mais interessantemente, durante os anos 1930. Mas a história do direito registra um segundo realismo, o escandinavo, que teve como expoentes Axel Hägerström (1868-1939), Vilhelm Lundstedt (1882-1955), Karl Olivecrona (1897-1980) e, mais badaladamente, Alf Ross (1899-1979). E é sobre este último pensador que conversaremos hoje.

Alf Niels Christian Ross nasceu em Copenhague, na Dinamarca, em uma família de classe média. Formou-se em direito, na universidade da sua terra, em 1923. Correu pela Europa, especialmente pela Inglaterra, França e Áustria (onde conheceu Hans Kelsen), durante mais de dois anos. Tentou sem sucesso um doutorado na Universidade de Copenhague. Foi trabalhar com o já citado Axel Hägerström na Universidade de Uppsala, na Suécia. Ali obteve o seu primeiro doutorado em 1929, título que viria também a obter, finalmente, na Universidade de Copenhagen, em 1935. Em Copenhagen, foi professor de direito constitucional e de direito internacional. Além de jusfilósofo e grande nome do realismo jurídico, Ross foi um prático do direito, como consultor a serviço do seu país e juiz da Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo, na França.

A obra de Ross é vasta e, para além da filosofia jurídica, mergulha nos ramos do direito versados pelo autor. Como não sei dinamarquês, vou citar alguns títulos em inglês: “Towards a Realistic Jurisprudence: A Criticism of the Dualism in Law” (1946), “A Textbook in International Law” (1947), “Constitution of the United Nations” (1951), “Why Democracy?” (1952), “On Law and Justice” (1959), “Directives and Norms” (1968) e por aí vai. Destes, destaco o badalado “On Law and Justice”, que possuo em português, numa edição da Edipro, de 2000, com o título “Direito e Justiça”. Citarei o dito cujo aqui.

Antes de mais nada, é preciso destacar a oposição de Ross – e, de resto, dos demais realistas escandinavos – a uma “metafisica” do direito, no sentido de supervalorização de verdades a priori, sejam elas verdades jusnaturalistas ou positivistas. E a caracterização do fenômeno jurídico com fundamento no que é realmente decidido pelos operadores do direito, inclusive influenciados por fatores psicológicos que todos nós carregamos (e, aqui, enxerga-se uma grande aproximação com realistas americanos da segunda fase).

Retiro de “Direito e Justiça” algumas sacadas de Ross. Quanto ao jusnaturalismo, ele chega a tê-lo com uma “prostituta”, que está à disposição de qualquer um. Afinal, para ele, não existe ideologia “que não possa ser defendida por um apelo à lei da natureza”. Quanto ao positivismo, ele desdenha da crença de um infalível “poder do legislador para reformar a comunidade e o direito de acordo com a razão”. Para ele, “a regra jurídica não é verdadeira nem falsa; é uma diretriz”. E diz: “associativamente às grandes codificações, o legislador, na vã esperança de preservar sua obra, tem proibido, amiúde, a interpretação das normas e que a prática dos tribunais se desenvolva como fonte do direito. (...). Na Dinamarca, depois da aprovação do Código Dinamarquês, em 1683, proibiu-se que os advogados citassem precedentes perante a Corte Suprema. A medida foi rescindida em 1771. Essas proibições drásticas se provaram ineficazes (...)”. Para ele, atribuir valor sagrado à lei (e mesmo a um precedente vinculante), em condições sociais mutantes, seria grave formalismo e uma ofensa ao que se costumou chamar de “equidade material”.

Ross não é nenhum radical, que fique claro. Na verdade, é muito interessante – e salutar – a sua noção de direito e de justiça. Ele reconhece a necessidade de um ordenamento jurídico positivado, com racionalidade e objetividade, que, sem dúvida, dará estabilidade, previsibilidade e igualdade ao direito de determinado país. E afirma que a norma positivada deve ser o fundamento inicial da decisão judicial (até para termos alguma proteção contra as subjetividades do juiz do caso). Mas a norma positivada deve ser aplicada por uma subjetividade/juiz, sejamos “realistas”. E aí que está: como fazer isso corretamente, com equidade? Numa ciência jurídica em que muitos querem se ver livres das “amarras” da lei, Ross prega uma realista objetividade na sua aplicação: deve-se trabalhar com o típico, o normal, na aplicação diária da lei. Sem invencionices que levem a desvios de padrão. Há normas que apresentam ambiguidades de significado e alcance, permitindo/exigindo do juiz uma maior elasticidade de interpretação. Mas, mesmo nesses casos, o juiz deve prezar pela razoabilidade e experiência dos seus pares. A sua decisão será objetivamente justa quando estiver dentro do típico normal; do contrário, será perniciosamente injusta.

Gosto desse norte realista do direito e da justiça de Ross. Parece-me objetivo e operante.”

 

(Os destaques não são do original)

 

         Aqui não estou participando de uma disputa de hermenêutica, mas sim de uma apologia da exegese que deve ser dada à gênese inspiradora da criação da Assessoria Jurídica do Estado, rendendo homenagem à compreensão e altruísmo do saudoso deputado Nelson Queiroz (relator da Constituição) e do seu Secretário Geral, advogado e hoje procurador do Estado Herbát Spenser, que me acolheram na condição de então Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do RN e permitira a introdução da categoria na Lei Constitucional do Estado, há mais de duas décadas.

         Coragem meus amigos e amigas fiéis, membros da Assessoria Jurídica do Estado do Rio Grande do Norte – Deus é a Luz Maior do Caminho da Justiça, que mais cedo ou tarde SERÁ FEITA!

        

 

 

 

 

 

_________________________________________

(*) Advogado e Membro Honorário Vitalício da OAB/RN; Professor Emérito da UFRN; Membro das Academias: Norte-Riograndense de Letras; de Letras Jurídicas; Macaibense de Letras; Brasileira Rotária de Letras; de História e Cultura Militar; do IHGRN.


 

UM AMOR, MUITAS SAUDADES

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

 

            O tempo implacável passa, mais o amor imortal permanece – hoje, seriam comemorados os 86 anos de existência da minha amada amante THEREZINHA ROSSO GOMES. Contudo, certamente, o será em espírito e com alegria.

            Não se trata de ladainha, fantasia, fanatismo – nada disso, é amor mesmo, aureolado de muitas saudades de uma criatura que chegou na nossa vida por dádiva do Criador com a finalidade de instituir uma família unida, fraterna e solidária.

            Era uma criatura frágil, mas nas horas do parto se comportava com coragem e todos os filhos nasceram de forma normal, desde a primogênita Rosa Ligia, sequenciado por Thereza Raquel e logo adiante Carlos Rosso e o fim da safra Rocco José. Estes reproduziram as doses com Raphael e Grabriela, Lucas Antônio e Carlos Victor; Carlos Neto; Maria Clara e Guilherme.

            Guerreira valente, verdadeira “Juma Marruá” do Pantanal em defesa do seu rebanho, virando onça muitas vezes.

            Jamais passou esta data sem uma comemoração. Hoje, apenas colocamos o seu retrato no instante dos parabéns e nos confraternizamos.

            As coisas boas deste mundo devem ser eternizadas de variadas formas, com a palavra, reverência, um quadro ou pintura, uma poesia ou até contrito numa oração, mas de forma perpétua, garantindo a verdadeira imortalidade.

            Claro que eu, mais que os demais  estou chorando de saudade. Afinal tivemos 71 anos de convivência – como vizinhos simplesmente, colegas de passeios, namorados, noivos e casados. Este último durou 56 anos, celebrados no começo do seu martírio de dor, porém com festas, bênçãos, amigos e bolo – tudo impecável, inesquecível.

            Estás longe, minha namorada, quanta emoção,

Bem longe dos olhos, mas próximo do coração.

Tenha a certeza que enquanto existirem seu esposo, filhos, netos e amigos,

A sua imortalidade está garantida.

Um grande, profundo e emocionado beijo.

 




quarta-feira, 20 de julho de 2022

 

CASCUDO & LOBATO

 

Diogenes da Cunha Lima

 

         Grandes amigos, eles mantiveram correspondência por vinte anos. Monteiro Lobato (1882 - 1948), então diretor da “Revista do Brasil”, publicou os primeiros artigos de Câmara Cascudo (1898 - 1986) sob os títulos de “Jesus Cristo no Sertão (1921) e O Aboiador” (1923).

         Esses artigos publicados liquidam a lenda de que o mestre potiguar se dedicou à ciência do folclore inspirado por Mário de Andrade. Provam a vocação cascudiana para a cultura popular e a valorização da paisagem sertaneja do Nordeste.

         Já então, ele registra a sua tendência ao estudo de expressão regional: o aboio com o canto sem palavras. Lembra também a maestria de Joaquim do Riachão, que era o melhor aboiador das cercanias. Por outro lado, sinaliza o que chamou, depois, de a continuidade dos milênios, demonstrando a presença da aproximação da mitologia grega com a do sertão.

Sob diferentes concepções, mas próximas, os dois escreveram sobre temas semelhantes, como “O Saci Pererê”, personagem viva na memória popular, e “Hans Staden”, como herói. Lobato apresenta o alemão em suas aventuras em história infantil, “Dona Benta conta a Pedrinho” e “Narizinho as suas Peripécias”. O Mestre de Natal registra em “Antologia do Folclore Brasileiro” a sua empolgante narrativa histórica.

Ambos foram pré-modernistas, na temática brasileira e na inovação estilística, ainda que Lobato, conservador, desdenhasse de ícones da Semana de Arte Moderna: Anita Malfatti que teria produzido arte anormal, fruto de paranoia e mistificação. O natalense enalteceu o Modernismo Brasileiro em que fez grandes amigos, ao mesmo tempo que dignificava a linguagem popular. O paulista criou palavras que se incorporaram à fala brasileira, como o “Jeca”, personagem que demonstra a preguiçosa incapacidade de caipiras no livro de contos “Urupês”, e até mesmo usou, pela primeira vez, três sinais de exclamação para dar ênfase ao que dizia. Muita gente passou a imitá-lo. Em Natal, o sábio juiz federal Magnus Delgado, para mandar arquivar um processo interminável, a fim de que nada lhe acrescentem, pediu até “pelas caridades”.

Por costumeira gentileza da pesquisadora, dirigente do Instituto Ludovicus, Daliana Cascudo, tomei conhecimento de uma carta datada de 1939, de Lobato ao seu amigo. Nela, dirige-se ao Velho Amigo reclamando não ter sido por ele visitado quando esteve em São Paulo. Registra que “a vida nos junta” e que além de um amigo se trata de um Cascudo, menos cascudo do que você na arte e na amizade.

A correspondência de amizade poderia não tratar de assunto nenhum, apenas de afeição. O missivista, que não tolerava a ditadura, termina a mensagem com votos para que o Estado Novo lhe seja leve.

Ler e aprender com a leveza de Cascudo e Lobato é dever nacional!!!

        

terça-feira, 19 de julho de 2022

 


O realista escandinavo
Em regra, relacionamos a expressão “realismo jurídico” a uma escola desenvolvida nos EUA na virada do século XIX para o XX e, até mais interessantemente, durante os anos 1930. Mas a história do direito registra um segundo realismo, o escandinavo, que teve como expoentes Axel Hägerström (1868-1939), Vilhelm Lundstedt (1882-1955), Karl Olivecrona (1897-1980) e, mais badaladamente, Alf Ross (1899-1979). E é sobre este último pensador que conversaremos hoje.
Alf Niels Christian Ross nasceu em Copenhague, na Dinamarca, em uma família de classe média. Formou-se em direito, na universidade da sua terra, em 1923. Correu pela Europa, especialmente pela Inglaterra, França e Áustria (onde conheceu Hans Kelsen), durante mais de dois anos. Tentou sem sucesso um doutorado na Universidade de Copenhague. Foi trabalhar com o já citado Axel Hägerström na Universidade de Uppsala, na Suécia. Ali obteve o seu primeiro doutorado em 1929, título que viria também a obter, finalmente, na Universidade de Copenhagen, em 1935. Em Copenhagen, foi professor de direito constitucional e de direito internacional. Além de jusfilósofo e grande nome do realismo jurídico, Ross foi um prático do direito, como consultor a serviço do seu país e juiz da Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo, na França.
A obra de Ross é vasta e, para além da filosofia jurídica, mergulha nos ramos do direito versados pelo autor. Como não sei dinamarquês, vou citar alguns títulos em inglês: “Towards a Realistic Jurisprudence: A Criticism of the Dualism in Law” (1946), “A Textbook in International Law” (1947), “Constitution of the United Nations” (1951), “Why Democracy?” (1952), “On Law and Justice” (1959), “Directives and Norms” (1968) e por aí vai. Destes, destaco o badalado “On Law and Justice”, que possuo em português, numa edição da Edipro, de 2000, com o título “Direito e Justiça”. Citarei o dito cujo aqui.
Antes de mais nada, é preciso destacar a oposição de Ross – e, de resto, dos demais realistas escandinavos – a uma “metafisica” do direito, no sentido de supervalorização de verdades a priori, sejam elas verdades jusnaturalistas ou positivistas. E a caracterização do fenômeno jurídico com fundamento no que é realmente decidido pelos operadores do direito, inclusive influenciados por fatores psicológicos que todos nós carregamos (e, aqui, enxerga-se uma grande aproximação com realistas americanos da segunda fase).
Retiro de “Direito e Justiça” algumas sacadas de Ross. Quanto ao jusnaturalismo, ele chega a tê-lo com uma “prostituta”, que está à disposição de qualquer um. Afinal, para ele, não existe ideologia “que não possa ser defendida por um apelo à lei da natureza”. Quanto ao positivismo, ele desdenha da crença de um infalível “poder do legislador para reformar a comunidade e o direito de acordo com a razão”. Para ele, “a regra jurídica não é verdadeira nem falsa; é uma diretriz”. E diz: “associativamente às grandes codificações, o legislador, na vã esperança de preservar sua obra, tem proibido, amiúde, a interpretação das normas e que a prática dos tribunais se desenvolva como fonte do direito. (...). Na Dinamarca, depois da aprovação do Código Dinamarquês, em 1683, proibiu-se que os advogados citassem precedentes perante a Corte Suprema. A medida foi rescindida em 1771. Essas proibições drásticas se provaram ineficazes (...)”. Para ele, atribuir valor sagrado à lei (e mesmo a um precedente vinculante), em condições sociais mutantes, seria grave formalismo e uma ofensa ao que se costumou chamar de “equidade material”.
Ross não é nenhum radical, que fique claro. Na verdade, é muito interessante – e salutar – a sua noção de direito e de justiça. Ele reconhece a necessidade de um ordenamento jurídico positivado, com racionalidade e objetividade, que, sem dúvida, dará estabilidade, previsibilidade e igualdade ao direito de determinado país. E afirma que a norma positivada deve ser o fundamento inicial da decisão judicial (até para termos alguma proteção contra as subjetividades do juiz do caso). Mas a norma positivada deve ser aplicada por uma subjetividade/juiz, sejamos “realistas”. E aí que está: como fazer isso corretamente, com equidade? Numa ciência jurídica em que muitos querem se ver livres das “amarras” da lei, Ross prega uma realista objetividade na sua aplicação: deve-se trabalhar com o típico, o normal, na aplicação diária da lei. Sem invencionices que levem a desvios de padrão. Há normas que apresentam ambiguidades de significado e alcance, permitindo/exigindo do juiz uma maior elasticidade de interpretação. Mas, mesmo nesses casos, o juiz deve prezar pela razoabilidade e experiência dos seus pares. A sua decisão será objetivamente justa quando estiver dentro do típico normal; do contrário, será perniciosamente injusta.
Gosto desse norte realista do direito e da justiça de Ross. Parece-me objetivo e operante.
Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República
Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
Curtir
Comentar
Compartilhar