SALVEM A ASSESSORIA
JURÍDICA DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO NORTE
Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes(*)
O
Estado do Rio Grande do Norte teve o pioneirismo de colocar no texto da sua
Constituição vigente (de 03 de outubro de 1989), um dispositivo prevendo a
criação da Assessoria Jurídica do Estado, com cargos de carreira, consoante dispõe
o seu art. 88, in verbis:
Art. 88. Para assessoramento jurídico
auxiliar aos órgãos da administração direta, indireta, fundacional e
autárquica, o Estado organiza nos termos da lei, em cargos de carreira,
providos, na classe 111 inicial mediante concurso público de provas e títulos,
observado o disposto nos arts. 26, § 6º, e 110, a Assessoria Jurídica Estadual,
vinculada diretamente à Procuradoria-Geral do Estado. Parágrafo único. Nas
mesmas condições do “caput” deste artigo para assessoramento jurídico auxiliar
aos órgãos administrativos do Poder Legislativo, a Assembleia Legislativa
organiza a sua Assessoria Jurídica, vinculada diretamente à Procuradoria-Geral
da Assembleia Legislativa.
A disposição constitucional
mereceu regulamentação pela Lei nº 5.591, de 03/04/1990, com sucessivas
alterações (Lei 6.623/1994 e LC 424/2010, esta alterando a Lei 8.014/2001, finalmente
a LC518/2014) ofertando as competências dos Assessores Jurídicos do Estado do
Rio Grande do Norte, cumprindo as normas emanadas da Procuradoria Geral do
Estado à qual ficaram atrelados, dando-lhe outras atribuições, estabelecendo
quadro efetivo e forma administrativa da sua movimentação.
Assim, a Constituição Estadual veio consolidar uma realidade preexistente,
qual seja a transformação dos antigos cargos de Técnicos Especializados, “A”,
“B” e “C”, do Quadro de Pessoal do Estado, Parte II, Tabela II, consoante a Lei
nº 5.542, de 16/9/1986.
Pois bem, em que pese essa carreira já
consagrada no mundo jurídico do Estado, com serviços inestimáveis prestados em
vários setores da administração direta, indireta, fundacional, empresas
públicas e de economia mista, um ou mais de um procurador do Estado,
inusitadamente, causa uma verdadeira pandemia ao entronarem no Judiciário uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade e impugnação de vários dispositivos da Carta
Estadual, a partir do art. 88 e de outras leis posteriores, alegando conflito,
em disposição de observância obrigatória pelos Entes formatados que relaciona
na lide.
Ora,
as atribuições dos Assessores Jurídicos não colidem com as dos Procuradores do
Estado, eis que aqueles atuam em forma preliminar, não definitiva e em
processos de menor complexidade, deixando aos Procuradores a competência de
representar o próprio Estado, pois aqueles assessores estavam subordinados a
estes e nunca ombreados nem funcionalmente, nem nos montantes de retribuição
financeira.
Ademais disso, o que motivou a criação
da Assessoria Jurídica foi reduzir o acúmulo de serviços da Procuradoria,
assoberbada com processo de segunda expressão na ordem jurídica do Estado, na
condição singular de Advogados do Estado e também Consultoria do Poder
Executivo.
Entendo desidioso esse esdrúxulo e
extemporâneo comportamento dos autores da ação, pois deixaram consumir muito
tempo para tomarem essa decisão, sem que nunca tenha havido conflitos, sem
atentarem para os serviços relevantes dos assessores, alguns já falecidos,
outros aposentados, criando um verdadeiro efeito cascata deletério para os
servidores que acreditaram na correção de suas atividades e agora até em fase
de extinção pela não abertura de novos provimentos.
Efetivamente, não sei o propósito
mesquinho dos proponentes da ação de inconstitucionalidade e não me proponho à
essa discussão face a minha vetusta idade e estado de saúde, mas reúno forças
de ir além, na defesa de uma corrente respeitável da filosofia do Direito,
partindo do fato de que “A Lei não Esgotar o Direito” e, ainda, o verdadeiro
Direito tem em sua finalidade a “Busca da Justiça”, não se perdendo no
amontoado (cipoal) de legislação e decisões em casos diferentes, pois cada Estado
possui a sua própria realidade fática.
Em formidável artigo, que adoto pela
excelência jurídica, o Procurador Regional da República Marcelo Alves Dias de
Souza, Doutor em Direito (PhD in Law pelo King’s Collge London – KCL), com
propriedade e espírito de garimpador do verdadeiro desaguadouro da finalidade
do Direito – A Justiça, ensina:
“O realista escandinavo
Em regra, relacionamos a expressão
“realismo jurídico” a uma escola desenvolvida nos EUA na virada do século XIX
para o XX e, até mais interessantemente, durante os anos 1930. Mas a história
do direito registra um segundo realismo, o escandinavo, que teve como expoentes
Axel Hägerström (1868-1939), Vilhelm Lundstedt (1882-1955), Karl Olivecrona
(1897-1980) e, mais badaladamente, Alf Ross (1899-1979). E é
sobre este último pensador que conversaremos hoje.
Alf
Niels Christian Ross nasceu em Copenhague, na Dinamarca, em
uma família de classe média. Formou-se em direito, na universidade da sua
terra, em 1923. Correu pela Europa, especialmente pela Inglaterra, França e
Áustria (onde conheceu Hans Kelsen), durante mais de dois anos. Tentou sem
sucesso um doutorado na Universidade de Copenhague. Foi trabalhar com o já
citado Axel Hägerström na Universidade de Uppsala, na Suécia. Ali obteve o seu
primeiro doutorado em 1929, título que viria também a obter, finalmente, na
Universidade de Copenhagen, em 1935. Em Copenhagen, foi professor de direito
constitucional e de direito internacional. Além de jusfilósofo e grande nome do
realismo jurídico, Ross foi um prático do direito, como consultor a serviço do
seu país e juiz da Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo, na
França.
A obra de Ross é vasta
e, para além da filosofia jurídica, mergulha nos ramos do direito versados pelo
autor. Como não sei dinamarquês, vou citar alguns títulos em inglês: “Towards a
Realistic Jurisprudence: A Criticism of the Dualism in Law” (1946), “A Textbook
in International Law” (1947), “Constitution of the United Nations” (1951), “Why
Democracy?” (1952), “On Law and Justice” (1959), “Directives and Norms” (1968)
e por aí vai. Destes, destaco o badalado “On Law and Justice”, que possuo em
português, numa edição da Edipro, de 2000, com o título “Direito e Justiça”.
Citarei o dito cujo aqui.
Antes de mais nada, é preciso destacar
a oposição de Ross – e, de resto, dos demais realistas escandinavos – a uma
“metafisica” do direito, no sentido de supervalorização de verdades
a priori, sejam elas verdades jusnaturalistas ou positivistas. E a
caracterização do fenômeno jurídico com fundamento no que é realmente decidido
pelos operadores do direito, inclusive influenciados por fatores psicológicos
que todos nós carregamos (e, aqui, enxerga-se uma grande aproximação com
realistas americanos da segunda fase).
Retiro de “Direito e Justiça” algumas
sacadas de Ross. Quanto ao jusnaturalismo, ele chega a tê-lo com uma
“prostituta”, que está à disposição de qualquer um. Afinal, para ele, não
existe ideologia “que não possa ser defendida por um apelo à lei da natureza”.
Quanto ao positivismo, ele desdenha da crença de um infalível “poder do
legislador para reformar a comunidade e o direito de acordo com a razão”. Para
ele, “a regra jurídica não é verdadeira nem falsa; é uma diretriz”.
E diz: “associativamente às grandes codificações, o legislador, na vã esperança
de preservar sua obra, tem proibido, amiúde, a interpretação das normas e que a
prática dos tribunais se desenvolva como fonte do direito. (...). Na Dinamarca,
depois da aprovação do Código Dinamarquês, em 1683, proibiu-se que os advogados
citassem precedentes perante a Corte Suprema. A medida foi rescindida em 1771.
Essas proibições drásticas se provaram ineficazes (...)”. Para ele, atribuir valor sagrado à
lei (e mesmo a um precedente vinculante), em condições sociais mutantes, seria
grave formalismo e uma ofensa ao que se costumou chamar de “equidade material”.
Ross não é nenhum radical, que fique
claro. Na verdade, é muito interessante – e salutar – a sua noção de direito e
de justiça. Ele reconhece a necessidade de um ordenamento jurídico positivado,
com racionalidade e objetividade, que, sem dúvida, dará estabilidade,
previsibilidade e igualdade ao direito de determinado país. E afirma que a
norma positivada deve ser o fundamento inicial da decisão judicial (até para
termos alguma proteção contra as subjetividades do juiz do caso). Mas a norma
positivada deve ser aplicada por uma subjetividade/juiz, sejamos “realistas”. E
aí que está: como fazer isso corretamente, com equidade? Numa ciência jurídica
em que muitos querem se ver livres das “amarras” da lei,
Ross prega uma realista objetividade na
sua aplicação: deve-se trabalhar com o típico, o normal, na aplicação diária da
lei. Sem invencionices que levem a desvios de padrão. Há normas que
apresentam ambiguidades de significado e alcance, permitindo/exigindo do juiz
uma maior elasticidade de interpretação. Mas, mesmo nesses casos, o juiz deve prezar pela razoabilidade e
experiência dos seus pares. A sua decisão será objetivamente justa quando
estiver dentro do típico normal; do contrário, será perniciosamente injusta.
Gosto desse norte realista do direito e
da justiça de Ross. Parece-me objetivo e operante.”
(Os destaques não são do original)
Aqui não estou participando de uma
disputa de hermenêutica, mas sim de uma apologia da exegese que deve ser dada à
gênese inspiradora da criação da Assessoria Jurídica do Estado, rendendo
homenagem à compreensão e altruísmo do saudoso deputado Nelson Queiroz (relator
da Constituição) e do seu Secretário Geral, advogado e hoje procurador do
Estado Herbát Spenser, que me acolheram na condição de então Presidente da
Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do RN e permitira a introdução da
categoria na Lei Constitucional do Estado, há mais de duas décadas.
Coragem meus amigos e amigas fiéis,
membros da Assessoria Jurídica do Estado do Rio Grande do Norte – Deus é a Luz
Maior do Caminho da Justiça, que mais cedo ou tarde SERÁ FEITA!
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(*) Advogado e Membro
Honorário Vitalício da OAB/RN; Professor Emérito da UFRN; Membro das Academias:
Norte-Riograndense de Letras; de Letras Jurídicas; Macaibense de Letras;
Brasileira Rotária de Letras; de História e Cultura Militar; do IHGRN.
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