sábado, 24 de dezembro de 2022

 

          



 

Versos minúsculos (carlos para therezinha)

na lembrança - a tristeza,

que trago nas lendas,

que guardo nas fendas,

da minha natureza.

 

um sonho distante,

daquela criança em flor

indiferente à dor

escrava e senhora num só instante

 

aqui estou na vã espera,

com o coração fora do peito,

amargando o findar daquele amor perfeito,

triste contraste nesta vida de quimera.

 

até quando guardarei, deserta,

na minha solidão infinda,

esperança de vê-la, desta dor liberta.

 

Enfim, nestes versos desbotados,

na vida sofrida, que continua

sem ver ou ter a imagem tua.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

 

SÍNTESE DE UMA VOCAÇÃO

 

Valério Mesquita*

Mesquita.valerio@gmail.com

 

O colega acadêmico padre João Medeiros Filho é do sertão, lá de Jucurutu, onde, Deus o sustentou na fé desde que nasceu. Sempre, manteve reflexões espirituais diante dos fatores imanentes e iminentes da vida. 

É um simples, não gosta de reuniões onde desfilam egos inflados. Suas crenças básicas estão fincadas na desafetação da vida como perpétuo e inalienável direito de existir, misturado ao povo miúdo, imagem e semelhança do Cristo, seu irmão. Nunca exercitou artificial adesão ao modismo litúrgico, plástico, aeróbico, difuso e mítico. No altar do Senhor ele é o donatário da capitania de Jesus ou capataz dos mistérios circundantes da fé. A sua homilia contêm a alma e o sumo das descobertas, interpretando em Mateus, persegue pontualmente os significados, a Lucas, Marcos, João e Paulo, tudo que o Espírito Santo falou. O padre apenas humana palavra necessária que todos queremos ouvir. No altar, nos repassa a unção e a certeza de que Deus existe.

A sua vasta experiência em vida acadêmica, direção e assessoramento superior em inúmeras instituições de ensino público e privado, oferecem-nos uma exata dimensão de sua experiência administrativa e cultural em cargos que ocupou.

O mais importante é que, com ele aprendi que soube sempre viver a alegria de sua pobreza material, território dos seus vãos e desvãos. Aqui e acolá fantasmas líricos apareceram para testemunhar o seu caminho de retidão. Triunfou sobre tudo, porque a sua angústia factual como sacerdote reside na tristeza de que o ser humano coisificou-se. Muita gente, perdeu a densidade, a identidade, a musculatura dos gestos e dos passos que fazem realmente a história da humanidade comum.

Nessa longa trajetória, sempre combateu o bom combate e nunca perdeu a lâmina da alma. Na atividade bibliográfica o seu labor foi extenso e genuíno nas origens e nas vertentes. Dos vinte livros publicados, três deles em idioma francês, versaram sobre temas sociais, religiosos, memorialísticos, históricos, publicados por editoras de prestígio nacional e internacional.

No céu estrelado de nossa amizade pessoal e litúrgica, ela passeia pela nostalgia que provém das nossas heranças telúricas de um tempo que a memória ainda não desfez. Juntos abominamos a marginalização dos pobres deste mundo que são hoje os mártires de ontem. Unidos, ainda procuramos nas conversas a terra habitada pelo silêncio e pela distância das coisas, porque o nosso grito é cárcere privado e já não se faz pouco ouvido, nesse mundo de contradições de todo o gênero. Vejo-o e sinto-o ainda, até hoje, moderado e modesto como sempre o conheci. Tão sem vaidades que gosta de ser anônimo, fulano de um mundo diferente, distante, coletivo. Em Emaús, onde Jesus mandou Nivaldo Monte deixá-lo, ele sonha com as madrugadas de silêncio, como se estivesse numa pracinha do interior, povoada de alegrias simples de viver.

O que gosta mesmo é de conviver ao lado da gente simples, muito humana, que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleito antes da hora, e nem foge de sua mortalidade, tal como pensou e escreveu o grande Mário de Andrade. Ele ama a solidão consentida para ouvir e falar melhor com Jesus. Vez em quando, de Emaús em Parnamirim, vem a Natal para rezar missas gratuitamente e rever amigos. Está consciente que completa mais um périplo em torno do tempo, sem nunca haver desamado os frutos de sua vocação. João Medeiros guarda em si a beleza aflita dos despossuídos. Um salmo invisível resplandece sempre em seus gestos e movimentos cadenciados de humildade cristã. Eis a minha homenagem.

 

(*) Escritor.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

 

DE POETAS LATINOS

 

                                    Horácio Paiva  -  Poeta*

 

Gosto dos clássicos e sempre os visito. Na paz deste Natal, isolado em “meus Montes Sabinos”, que transporto do histórico Lácio para a beleza agreste de Taipu, na Vivenda da Conceição da fazenda Lagoa Nova, releio Horácio, Vergílio, Ovídio, e navego Odes, Bucólicas e Arte de Amar. Depois, sonhando sem dormir, entrego-me a vigília amorosa e indispensável, a Pervigilium Veneris, ou seja, a Vigília de Vênus, deusa do Amor. Sim, pois “homo sum; nihil humani a me alienum puto” (“sou homem; nada do que é humano a mim é estranho”), como dizia Terêncio e repetia meu professor de latim, ao que acrescento: sobretudo a paixão. E, grato como costumo ser, mais uma vez agradeço a emoção, a fantasia e o prazer estético que me traz a poesia clássica, rica herança que recebo desse histórico trio de mestres da harmonia e do verso, ilustres representantes da chamada época de ouro da poesia latina (século I, a.C., a século I, d.C.). E enquanto me visita a Antiguidade, no recolhimento deste refúgio rural onde me encontro, na companhia da noite e de cécubo vinho, anoto ao acaso essas breves amostras retiradas das obras-primas revisitadas e as repasso, com o prazer sem pressa de quem presenteia (sim, isto mesmo, com a aliteração que o humor torna proposital):

 

da Ode 11, Livro I, das “Carmina” de Horácio (na minha tradução):

 

“Não indagues (ímpio é saber), ó Leucónoe,

Qual fim reservarão, a mim ou a ti, os Deuses

(...)

Sê sábia, o vinho decanta e ajusta

A longa esperança à vida breve.

Enquanto conversamos, foge invejoso

O tempo: colhe o dia de hoje, crendo

O mínimo possível no amanhã.”

 

Do poema 1, das “Bucólicas”, de Vergílio (na tradução de Zelia de Almeida Cardoso):

 

“Todavia, tu poderás descansar esta noite comigo

Sobre uma folhagem nova. Tenho frutas maduras,

Castanhas assadas e fartura de queijo;

Os telhados das casas já estão fumegando, ao longe,

E as sombras caem mais alongadas do alto das montanhas.”

 

Da Arte de Amar, I, de Ovídio (na tradução de Anna Lia A. de Almeida Prado):

 

“Se alguém neste povo não conhece a arte de amar,

Leia este poema e, tendo-o lido, já instruído, ame.

Pela arte os céleres barcos com a vela e o remo são movidos,

Pela arte leve é o carro. Pela arte deve ser regido o Amor.”

 

“(...) a mim cede o Amor, embora fira com o arco

Meu peito, agite e lance suas tochas.

Quanto mais me feriu o Amor, quanto mais violento me queimou,

Tanto mais vingador eu serei da ferida feita.”

 

“Nós, a Vênus sem riscos, os segredos permitidos cantaremos,

E no meu poema nada de censurável haverá.”

 

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No mais, é lembrar que Vênus faz sua vigília... na eternidade. E, na “Pervigilium Veneris”, um belíssimo anônimo latino, essa eterna vigília se encontra... e nos encanta, nesse bordão, aqui no meu jeito de dizer em português:

 

“Amanhã deve amar quem nunca houver amado,

E quem já houver amado, amanhã deve amar.”

 

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Há também outros, vários outros, todos bons, certamente direis, que foram capazes de ouvir estrelas e derramar seus eternos e encantados segredos sobre nós, e que poderiam participar deste sarau... E  disto são exemplos Propércio, Tíbulo, Marcial, Ausônio, Sulpícia, Catulo.

 

Há mais, mas por enquanto, separo dois destes já citados: Sulpícia e Catulo.

 

Sulpícia, única representante feminina nesse grupo e uma das poucas mulheres da Antiguidade a deixar uma obra poética, é tida como autora de seis poemas curtos, mas significativos, o que lhe garante presença permanente no Parnaso da poesia latina. De suas Elegias (Elegia III) são esses versos, traduzidos por Zelia de Almeida Cardoso:

 

“Finalmente o amor chegou e seja eu mais conhecida

Por tê-lo encoberto por pudor do que por tê-lo revelado a alguém.

Comovida por meus versos, Citereia o trouxe

E o depositou em meu regaço.

Vênus cumpriu suas promessas. Se alguém, ao que se sabe,

Não encontrou alegrias, que fale das minhas.

Não gostaria de confiar alguma coisa a tabuinhas seladas

Para que ninguém a lesse antes de meu amado;

Alegro-me de meu erro; aborrece-me fingir por minha reputação.

Que se diga que eu fui digna com um homem digno.”

 

Quanto a Catulo, sua importância é inegável e, sua posição, pioneira nesse cenário de estrelas, pois anterior àquela mais famosa tríade do período áureo da poesia lírica romana (Horácio-Vergílio-Ovídio). Suas “Carmina” (musicadas pelo alemão Carl Orff, um dos mais destacados compositores modernos do século XX) são belíssimas e um convite permanente ao amor e à sensualidade. Vejamos a de número 5, na tradução do professor Lauro Mistura:

 

“Vivamos, minha Lésbia, amemo-nos,

E a todas as censuras de velhos

Demasiadamente austeros

Demos o valor de um único asse.

Os sóis podem se pôr e retornar;

Quando porém numa única vez a breve luz

De nossas vidas desaparece no ocaso,

Somos obrigados a dormir uma noite sem fim.

Dá-me mil beijos, depois cem,

A seguir outros mil e mais cem

E depois ininterruptamente outros

Mil e mais cem.

A seguir, depois que tivermos trocado

Estes muitos milhares de beijos,

Alteraremos a soma deles para que

Não saibamos quantos foram ou

Para que nenhum invejoso possa nos

Lançar um mau-olhado quando souber

Exatamente o número destes beijos.”

 

“Da mi basia mille, da mi basia, ...” Poema sonoro e apaixonado, e tal sonoridade, capaz de inspirar Carl Orff em sua peça musical, associada à exaltação sentimental também me serviu de inspiração ao escrever meu poema “Noite Íntima”:

 

“Na estrada de penas e dores

o que me redime

senão a memória

de teus beijos musicais?

 

beijos que ainda

ditam meu voo

como sinos do amor que do passado

se tornam imortais”

 

No mais, Musa, no mais, que a lira desfalece e a voz embarga no imaginário de tantos beijos. Os demais bardos trarei em nova amostra, pois, na Arcádia, a noite é d’água, o pau flora e as Plêiades (Setestrelo, entre nós, com suas estrelinhas que povoam a mística sertaneja} já se escondem entre as nuvens.

 

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(*) Horácio de Paiva Oliveira  -  Poeta, escritor, advogado, membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN, da União Brasileira de Escritores do RN e presidente da Academia Macauense de Letras e Artes – AMLA.

 

 

 

Nélida Piñon e Clarice Lispector

Daladier Pessoa Cunha Lima Reitor do UNI-RN

 

A escritora Nélida Piñon, que faleceu em 17 de dezembro de 2022, era grande amiga de Clarice Lispector, falecida em 09 de dezembro de 1977. Lá, na eternidade, como foi esse encontro? Ou melhor, esse tipo de encontro existe? Tudo sugere que o mundo espiritual é difuso, ambíguo, fora de qualquer semelhança como mundo vivo. No livro Filhos da América (2016), Nélida Piñon, no ensaio Senhora da Luz e da Sombra, refere-se à amizade mantida, por muitos anos, com Clarice Lispector: “Escolhemos a amizade, que logo nos uniu, como modelo de desenvolver a crença na lealdade, no porvir, na convicção de que valia a pena estarmos juntas, rirmos juntas, chorarmos juntas. (...)Clarice era assim, ia direto ao coração das palavras e dos sentimentos. Conhecia a linha reta para ser sincera”. Nesse mesmo ensaio, Nélida Piñon revela o instante em que Clarice Lispector se despede da vida: “Quando o arpão do destino, naquela sexta-feirade1977, atingiu-lhe o coração, às 10h e 20 min da manhã, no Hospital da Lagoa, paralisando sua mão dentro da minha. (...) No entanto, a história da amizade se tece com enredo simples. Tudo predisposto a dormir na memória e pousar no esquecimento. Até que uma única palavra dá vida de novo a quem partiu de repente.” Clarice nasceu em 1920, e Nélida em 1937, 17 anos a diferença. Mesmo com idades tão distintas, formou-se uma forte e sincera amizade entre as duas, na qual “não havia lugar para exegese”. Vejamos esse trecho de Piñon, ao se referir a Lispector: “Mulher de elevada intuição, agindo como se tivesse a mão de Deus sobre os ombros, a conduzir-lhe o verbo e os passos, terá previsto, quem sabe, que aquela jovem sorridente, que se dizia escritora, haveria de acompanhá-la até o fim. Viveriam ambas uma amizade sem fissuras e defeitos.” Em outra parte do ensaio, Nélida Piñon fala da necessidade de ambas persistirem no amor ao ofício de escrever, até para não sucumbirem aos obstáculos próprios à arte da criação, além das barreiras às mulheres brilharem no âmbito restrito dos grandes escritores. Transcrevo as palavras registradas pela maestria de Nélida Piñon: “Ao longo de 17 anos, falávamo-nos diariamente. E lhe agradava dizer que eu, diferente dela, era uma profissional. Uma classificação que eu recusava em defesa do amor incondicional que sentia pela arte literária. Afinal, tanto ela como eu não podíamos ignorar o quanto havia que persistir no ofício para não ser tragada pelos obstáculos inerentes à criação, sem mencionar o sistema literário que tudo fazia para dificultar o desabrochar de uma pena de mulher”. Anos depois da morte de Clarice Lispector, sua grande amiga Nélida Piñon, da Academia Brasileira de Letras, declarou que, após falecer, é comum que famosos escritores fiquem no esquecimento por muito tempo, ou seja, “caiam no limbo”. Porém, com Clarice Lispector ocorreu o oposto, pois essa escritora, que faleceu em1977, a cada dia que passa, desperta mais a atenção de incontáveis leitores ao redor do mundo, pois suas obras já foram traduzidas em vários idiomas. Esta crônica é uma singela homenagem à escritora Nélida Piñon, que zelava com ternura seus vínculos com a Galícia, e nutria uma paixão pela língua portuguesa: “E faço da língua lusa a chave com que abro o cofre do mundo”.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

 

AMANHÃ, O ADEUS DA PRIMAVERA.
Primavera candente,
Buquês se desfazem, pétalas amarelam!
A chuva, vilã ausente,
A cinza foge da mata, os deuses apelam.
Finas veias no fundão,
As abelhas morrem de sede, travessia!
Cacimba seca, Sertão.
Morre o belo, vida, a natureza em razia.
A alma sertaneja treme,
O banzo não rima mais, desesperança!
Um cenário penitente!
O sol lutando só, abrasador, desencanta.
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segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

 


É OPORTUNO LEMBRAR DE NOVO!!

 

Valério Mesquita*

mesquita.valerio@gmail.com

 

O empório do alto dos Guarapes, por integrar o município onde nasci, representa o mais vivo e belo trecho impressionista pela emoção histórica e estética que me desperta. Fascina-me saber, não por especulação, mas pela leitura de Câmara Cascudo, Tavares de Lyra, Itamar de Souza e tantos outros historiadores do passado e do presente, que descrevem a importância dos Guarapes no contexto econômico do Rio Grande do Norte. Dali, sob o comando e a visão de Fabrício Pedroza emanou uma luz interior, de intuição e penetração que edificou no século dezenove um sistema unificado de indústria, comércio e exportação. O monte fica ali em Mangabeira, de frente para a estrada e o rio Jundiaí, testemunhas permanentes do seu abandono. É quase uma província submersa de que nos fala com ternura e encantamento o ilustre macaibense Octacílio Alecrim. Um paraíso perdido, misterioso, altivo, que me infunde uma nostalgia infinita por conta do desprezo a que foi relegado.

Fatigado de tanto clamar em vão às autoridades públicas, há mais de dez anos, recebi novos alentos que reabriram meus olhos adormecidos de tantas promessas. Tenho informações de que as Federações das Indústrias e do Comércio do Rio Grande do Norte são simpática a ideia de parceria do órgão com o governo estadual objetivando a restauração desse patrimônio histórico. Repita-se que a área desapropriada e tombada é do domínio público estatal. E que os projetos técnico e orçamentário foram elaborados pela Fundação José Augusto, ao tempo da gestão do escritor François Silvestre.

Revisito Octacílio Alecrim, no seu livro maior “Província Submersa”, página 129, para registrar a relevância e a perspectiva que detinha: “do embarcadouro de Guarapes, aonde antigamente chegavam barcaças para receber carregamentos de açúcar, mamona e algodão, vendidos para Recife”. Menciona, ainda, como “lugar do nascimento do meu pai, alguns anos depois do meado do século XIX, quando o porto, um dos três mais importantes da província imperial, servia de escoadouro a produção do Agreste e do Seridó”. E  prossegue  ao  seu  gosto literário: “...a branca casa-grande de Guarapes, aonde a gente não ia por ser mal-assombrada. A alma do outro mundo que atemorizava os moradores da vizinhança era a sinistra mãe-da-lua, que nas noites de luar aparecia no alpendre da casa-grande lá do alto e dava prolongadas e estranhas gargalhadas, semelhantes a profundos lamentos de dor.

Entendo que, para se administrar uma cidade do porte de Macaíba, é preciso, antes de tudo, que se reveja e se redescubra os fundamentos e fatores de sua história. Não podem permanecer sepultados ou encobertos pelas areias do tempo as suas raízes. Assim como fizemos ressurgir o solar do Ferreiro Torto, hoje guardião e repositório das figuras e das coisas que esculpiram a vida do município e do estado, do mesmo modo, o empório dos Guarapes se transforme num museu da legenda do comércio e da indústria do Rio Grande do Norte. Que todos se irmanem nesse projeto dos Guarapes que exprime a saga de uma gente, de uma luta, da sua dor, da sua alegria, do seu triunfo, e que o esforço humano seja resgatado de vez, e nunca permaneça como um mero repouso contemplativo da paisagem.

 

(*) Escritor.


 

Marcelo Alves

Jurisprudencialmente evoluindo

 

​Como o direito de um país evolui ou se desenvolve?

​Não estou falando dos fatores sociais, políticos, ideológicos, econômicos etc., fontes materiais do direito, que, sem dúvida, condicionam a evolução do sistema jurídico/legal de qualquer país. Indago sobre a forma como esses sistemas jurídicos são alterados/aperfeiçoados. Correndo o risco de ser redundante ou de enfatizar o óbvio, anoto: os sistemas jurídicos/legais são normalmente aperfeiçoados por mudanças na sua legislação (em sentido lato). Desde a respectiva Constituição (seu mais relevante documento legal), passando pela lei em sentido estrito e indo até os atos normativos ditos secundários, como os decretos, resoluções, portarias etc.

Num mundo ideal, que não existe, teríamos a legislação sempre evoluindo na medida em que “evoluíssem” (às vezes para pior, admito) as condições/realidade de dado país. Mas a coisa não se dá sempre assim. Não vivemos num mundo ideal. O legislador tem suas limitações. As políticas, por óbvio. E os naturais: ele não consegue mesmo acompanhar as mudanças na Terra Redonda (o mundo, como se diz por aí, não gira, capota); nem também conseguiria, se tudo fosse estático, disciplinar a infinita casuística dos fatos. Está sempre um passo ou fato aquém.

Um sistema jurídico que condicionasse sua evolução a alterações na sua legislação seria próximo de estático ou teria um desenvolvimento lentíssimo, tomado o termo desenvolvimento como a alteração da regra jurídica para atualizá-la às mudanças de valores, ao progresso da ciência etc. Mostrar-se-ia a todo instante anacrônico, para usar de um termo da moda.

Não resta dúvida de que, sob condições sociais em alteração, com áreas do direito para as quais a legislação não tenha sido atualizada, atribuir valor sagrado à legislação seria um formalismo exagerado e uma ofensa à equidade (no sentido do mais justo). Precisamos, sim, de outros mecanismos para sincronizar o sistema jurídico com essas alterações. O principal “mecanismo” do qual podemos lançar mão, o mais eficaz certamente, assim nos ensina a ciência política (não vamos agora inventar a roda), é a jurisprudência, entendido este termo como o conjunto de decisões proferidas pelo Poder Judiciário na interpretação dos diversos temas jurídicos de ontem e de hoje. É fato: a evolução ou câmbios de jurisprudência são bem mais comuns – pelo menos, normalmente, sem exageros, devem ser – que as alterações na lei.

E é fato também: tem sido a jurisprudência – mesmo tão atacada, justa ou injustamente –, na interpretação da Constituição e da legislação como um todo, que nos tem dado, em muitos casos, a necessária sincronia entre o nosso sistema jurídico e a realidade que nos cerca. Na verdade, como explica Andrés Ollero Tassara (em “Igualdad en la aplicación de la ley y precedente judicial”, Centro de Estudios Constitucionales, 1989), “a sucessão de paradigmas interpretativos na aplicação de idêntico texto legal vem exigida pela história da realidade social e jurídica, constituindo uma exigência da justiça”. Muito embora, evitando exageros, “para garantir a justiça e – subsidiariamente – preservar a segurança jurídica, o juiz tem de apresentar uma fundamentação objetiva e razoável. Deverá fazê-lo em todos os casos em que mude de critério interpretativo diacronicamente, diferentemente do legislador, cujo relacionamento direto com a soberania popular faz presumir legítima qualquer mudança normativa, devendo justificar tão-somente as mudanças que impliquem um tratamento sincrônico desigual entre os cidadãos”.

Assim o dizem Roberto Rosas e Paulo Cezar Aragão (“Comentários ao Código de Processo Civil”. v. 5, RT, 1998): “Indubitavelmente a jurisprudência tem se antecipado às legislações na solução dos conflitos de interesses. Não poderia ser de outra forma porque a legislação é mais estática do que o juiz. A letra da lei perpetua-se, esperando a interpretação judicial quando suscitada nas controvérsias. No entanto, a evolução da sociedade é surpreendente. As relações humanas cada vez mais intensas impõem o chamamento judicial aos debates nos litígios, substituindo o código que, às vezes, tem contra si a revolta dos fatos na expressão de Gastão Morin. Mas o juiz não pretenderá ser o legislador, apagar os escritos legais, substituindo-os, mas sim adaptá-los à realidade, ao tempo e ao caso porque é impossível imaginar-se a lei solvendo todas as questões, as pendências, as dúvidas, no vasto emaranhado das interações sociais. Não foi sem razão a perspicaz nota de Seabra Fagundes sobre a posição do juiz brasileiro na aplicação do Direito, concorrendo para o aprimoramento do Direito como condição de paz e de justiça entre os homens. Aplicando a lei, adequando-a à utilidade social e ao bem-estar do indivíduo”.

Aí citei, mesmo que indiretamente, Seabra Fagundes. E o conterrâneo sabia das coisas.

Marcelo Alves Dias de Souza

Procurador Regional da República

Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL

domingo, 18 de dezembro de 2022

 

MEUS ÍDOLOS ESTÃO PARTINDO

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes (*)

 

Num espaço muito curto de tempo venho perdendo ídolos, colegas e amigos/amigas em variados campos da cultura e da vida.

A todos tenho rogado a Deus pelas suas almas, para aperfeiçoamento na Casa Celestial e retorno à esta dimensão da existência, se assim for permitido e ser da crença de cada um.

Acredito que a matéria é finita, mas os espíritos continuam à disposição do Criador. Por isso ou por aquilo, desejo que estejam felizes no Céu.

Contudo, tais acontecimentos têm provocado em mim momentos de grande preocupação, pois já entrei na fila dos futuros desencarnados, posto que já venci a idade bíblica e já estou sendo premiado em mais de uma década de permanência.

Sem medo e sem pressa aguardo a minha vez, para ver se reencontro os meus ancestrais, particularmente a minha Therezinha, companheira durante 71 anos.

         Em verdade, apesar da saudade em deixar este compartimento vivencial, acredito que ainda não terminei a minha missão. Muitos ainda precisam de mim ou até dependem de mim e seria muito egoísmo pretender deixá-los na mão.

         Enquanto não acontece o desfecho, vou escrevinhando os meus pensamentos, pincelando os meus sonhos, lendo muito e apreciando o sucesso dos que me cercam.

         Aos meus queridos amigos, que não são poucos, graças a Deus, continuo com o meu relacionamento diário, feliz por poder abraçá-los e com eles ainda produzirmos alguma coisa que valha a pena.

         É bom viver, muito tempo, nem tanto, pois é deprimente dar trabalho à família nas mínimas necessidades. Afinal, o tempo da vida não nos pertence.

         E, vou vivendo, vou vivendo, vou vivendo ..........................


(*) escritor e pintor?

 


A PRIMEIRA ÁRVORE DE NATAL EM NATAL

 

                        Horácio Paiva *

                                                          

                                    Em sua “Acta Diurna”, de 8/01/1960, intitulada “Cinqüentenário da Primeira Árvore de Natal”, registra o mestre Câmara Cascudo uma curiosidade: a exibição, em 24 de dezembro de 1909, da primeira Árvore de Natal em nossa cidade. E diz, em detalhes explicativos: “Foi no salão do Natal Club, o primeiro, a 24 de dezembro de 1909, às oito horas da noite porque, naquele tempo, não se pensava nas vinte horas”.

 

                                    Renovo o registro ante a oportunidade da informação, já que vivemos, mais uma vez, neste ano da graça de 2022, o ciclo natalino, completando, no próximo 24 de dezembro, cento e treze anos da introdução, entre nós, dessa árvore especial, feita do brilho dos sonhos.

 

                                    Especula-se sobre qual a origem desse símbolo que, ao lado de tantos outros  -  presépio, Papai Noel, luzes ornamentais, ceia, presentes  -  interpretam a alegria do Natal.

 

                                    Tem-se que o costume de iluminar árvores no Natal surgiu no norte da Europa. Chegam alguns a atribuir a Lutero o pioneirismo. Contam que, em 1530, ele teve a ideia, ao apreciar a beleza dos pinheiros cobertos pela neve em noite estrelada. A cena teria inspirado, ao seu espírito místico e contemplativo, a homenagem que prestaria ao nascimento do Senhor. Em sua casa, compôs a árvore, com um pequeno abeto, algodões e lanternas.

 

                                    Já em 1605, em Estrasburgo, França, há o registro de uma Árvore do Natal erguida na via pública. Na América Latina, porém, o costume é de fins do século XIX e começo do século XX.  

 

                                    Na realidade, é um símbolo novo. A nossa mais antiga tradição natalina, decoração em torno da qual festejavam os nossos antepassados, é a do presépio, que segue a criativa idéia do pobrezinho de Assis, hoje com seus quase oitocentos anos de comemoração.

 

                                    E esse presépio que gerou presépios  -   ao longo dos anos da cristandade e até hoje  -   era um presépio vivo. São Francisco o fez representar numa gruta de Greccio, Itália, na noite de 24 de dezembro de 1223. Tudo era vivo: o menino Jesus, São José, Maria, os Reis Magos, os pastores e as pastoras, a vaca, o burrinho... e as miunças. Interpretava o menino Jesus o filho de uma camponesa local, que ali era Nossa Senhora.

 

                                    Não tenho dúvidas da beleza, da simplicidade e da forte emoção daquele espetáculo, pleno de ternura e devoção, protagonizado por gente do povo, sonhado e conduzido, em pureza e amor, pelo poverello, o “pobre de Deus”, São Francisco de Assis.

 

                                    Em poucos versos, sem ação verbal, mas tão-somente com a nota estática da contemplação, na simplicidade natalina, também construí um presépio, abstrato  -  mas iluminado pelo olhar de Maria:

 

NATIVIDADE

 

Luz na estrebaria:

sobre as dores do mundo

o olhar de Maria.

 

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(*) Horácio de Paiva Oliveira  -  Poeta, escritor, advogado, membro do Instituto Histórico e Geográfico do RN, da União Brasileira de Escritores do RN e presidente da Academia Macauense de Letras e Artes – AMLA.