Nélida Piñon e Clarice Lispector
Daladier Pessoa Cunha Lima Reitor do UNI-RN
A escritora Nélida Piñon, que faleceu em 17 de dezembro de
2022, era grande amiga de Clarice Lispector, falecida em 09 de dezembro de
1977. Lá, na eternidade, como foi esse encontro? Ou melhor, esse tipo de
encontro existe? Tudo sugere que o mundo espiritual é difuso, ambíguo, fora de
qualquer semelhança como mundo vivo. No livro Filhos da América (2016), Nélida
Piñon, no ensaio Senhora da Luz e da Sombra, refere-se à amizade mantida, por
muitos anos, com Clarice Lispector: “Escolhemos a amizade, que logo nos uniu,
como modelo de desenvolver a crença na lealdade, no porvir, na convicção de que
valia a pena estarmos juntas, rirmos juntas, chorarmos juntas. (...)Clarice era
assim, ia direto ao coração das palavras e dos sentimentos. Conhecia a linha reta
para ser sincera”. Nesse mesmo ensaio, Nélida Piñon revela o instante em que Clarice
Lispector se despede da vida: “Quando o arpão do destino, naquela
sexta-feirade1977, atingiu-lhe o coração, às 10h e 20 min da manhã, no Hospital
da Lagoa, paralisando sua mão dentro da minha. (...) No entanto, a história da
amizade se tece com enredo simples. Tudo predisposto a dormir na memória e
pousar no esquecimento. Até que uma única palavra dá vida de novo a quem partiu
de repente.” Clarice nasceu em 1920, e Nélida em 1937, 17 anos a diferença.
Mesmo com idades tão distintas, formou-se uma forte e sincera amizade entre as
duas, na qual “não havia lugar para exegese”. Vejamos esse trecho de Piñon, ao
se referir a Lispector: “Mulher de elevada intuição, agindo como se tivesse a
mão de Deus sobre os ombros, a conduzir-lhe o verbo e os passos, terá previsto,
quem sabe, que aquela jovem sorridente, que se dizia escritora, haveria de
acompanhá-la até o fim. Viveriam ambas uma amizade sem fissuras e defeitos.” Em
outra parte do ensaio, Nélida Piñon fala da necessidade de ambas persistirem no
amor ao ofício de escrever, até para não sucumbirem aos obstáculos próprios à
arte da criação, além das barreiras às mulheres brilharem no âmbito restrito
dos grandes escritores. Transcrevo as palavras registradas pela maestria de Nélida
Piñon: “Ao longo de 17 anos, falávamo-nos diariamente. E lhe agradava dizer que
eu, diferente dela, era uma profissional. Uma classificação que eu recusava em defesa
do amor incondicional que sentia pela arte literária. Afinal, tanto ela como eu
não podíamos ignorar o quanto havia que persistir no ofício para não ser
tragada pelos obstáculos inerentes à criação, sem mencionar o sistema literário
que tudo fazia para dificultar o desabrochar de uma pena de mulher”. Anos
depois da morte de Clarice Lispector, sua grande amiga Nélida Piñon, da Academia
Brasileira de Letras, declarou que, após falecer, é comum que famosos escritores
fiquem no esquecimento por muito tempo, ou seja, “caiam no limbo”. Porém, com
Clarice Lispector ocorreu o oposto, pois essa escritora, que faleceu em1977, a cada
dia que passa, desperta mais a atenção de incontáveis leitores ao redor do
mundo, pois suas obras já foram traduzidas em vários idiomas. Esta crônica é
uma singela homenagem à escritora Nélida Piñon, que zelava com ternura seus
vínculos com a Galícia, e nutria uma paixão pela língua portuguesa: “E faço da
língua lusa a chave com que abro o cofre do mundo”.
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