SÍNTESE DE UMA VOCAÇÃO
Valério Mesquita*
O colega acadêmico padre João Medeiros Filho é do sertão, lá de
Jucurutu, onde, Deus o sustentou na fé desde que nasceu. Sempre, manteve
reflexões espirituais diante dos fatores imanentes e iminentes da vida.
É um simples, não gosta de reuniões onde desfilam egos inflados. Suas
crenças básicas estão fincadas na desafetação da vida como perpétuo e
inalienável direito de existir, misturado ao povo miúdo, imagem e semelhança do
Cristo, seu irmão. Nunca exercitou artificial adesão ao modismo litúrgico,
plástico, aeróbico, difuso e mítico. No altar do Senhor ele é o donatário da
capitania de Jesus ou capataz dos mistérios circundantes da fé. A sua homilia
contêm a alma e o sumo das descobertas, interpretando em Mateus, persegue
pontualmente os significados, a Lucas, Marcos, João e Paulo, tudo que o
Espírito Santo falou. O padre apenas humana palavra necessária que todos
queremos ouvir. No altar, nos repassa a unção e a certeza de que Deus existe.
A sua vasta experiência em vida acadêmica, direção e assessoramento
superior em inúmeras instituições de ensino público e privado, oferecem-nos uma
exata dimensão de sua experiência administrativa e cultural em cargos que
ocupou.
O mais importante é que, com ele aprendi que soube sempre viver a
alegria de sua pobreza material, território dos seus vãos e desvãos. Aqui e
acolá fantasmas líricos apareceram para testemunhar o seu caminho de retidão.
Triunfou sobre tudo, porque a sua angústia factual como sacerdote reside na
tristeza de que o ser humano coisificou-se. Muita gente, perdeu a densidade, a
identidade, a musculatura dos gestos e dos passos que fazem realmente a
história da humanidade comum.
Nessa longa trajetória, sempre combateu o bom combate e nunca perdeu a
lâmina da alma. Na atividade bibliográfica o seu labor foi extenso e genuíno
nas origens e nas vertentes. Dos vinte livros publicados, três deles em idioma
francês, versaram sobre temas sociais, religiosos, memorialísticos, históricos,
publicados por editoras de prestígio nacional e internacional.
No céu estrelado de nossa amizade pessoal e litúrgica, ela passeia pela
nostalgia que provém das nossas heranças telúricas de um tempo que a memória
ainda não desfez. Juntos abominamos a marginalização dos pobres deste mundo que
são hoje os mártires de ontem. Unidos, ainda procuramos nas conversas a terra
habitada pelo silêncio e pela distância das coisas, porque o nosso grito é
cárcere privado e já não se faz pouco ouvido, nesse mundo de contradições de
todo o gênero. Vejo-o e sinto-o ainda, até hoje, moderado e modesto como sempre
o conheci. Tão sem vaidades que gosta de ser anônimo, fulano de um mundo
diferente, distante, coletivo. Em Emaús, onde Jesus mandou Nivaldo Monte
deixá-lo, ele sonha com as madrugadas de silêncio, como se estivesse numa
pracinha do interior, povoada de alegrias simples de viver.
O que gosta mesmo é de conviver ao lado da gente simples, muito humana,
que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera
eleito antes da hora, e nem foge de sua mortalidade, tal como pensou e escreveu
o grande Mário de Andrade. Ele ama a solidão consentida para ouvir e falar
melhor com Jesus. Vez em quando, de Emaús em Parnamirim, vem a Natal para rezar
missas gratuitamente e rever amigos. Está consciente que completa mais um
périplo em torno do tempo, sem nunca haver desamado os frutos de sua vocação.
João Medeiros guarda em si a beleza aflita dos despossuídos. Um salmo invisível
resplandece sempre em seus gestos e movimentos cadenciados de humildade cristã.
Eis a minha homenagem.
(*) Escritor.
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