RETRATO DA DESTRUIÇÃO, ou, “Como chorar o leite derramado”
Venho tentando esquecer essa bandalheira chamada Copa 2014, pois todos sabem que o Brasil está sendo saqueado por essa súcia de abutres que domina o universo sujo e mercenário da BOLA, tendo abdicado de sua soberania, sujeitando-se ao triste papel de simples colônia da FIFA/CBF, esmagado pelo rolo compressor da corrupção, aliada à estupidez humana, atributo da maioria dos homens públicos deste pais ( honrosa exceção ao Romário).
Sei que o tema já está vencido, mas, não resisti à emoção do texto na coluna “Passe Livre” de Rubens Lemos Filho dia 11 último, sob o titulo “Ao pó, retornastes”, mostrando o grotesco retrato da destruição de um sonho no caldeirão dos interesses escusos de uma humanidade ensandecida, onde narra, com talento, suas reminiscências de torcedor, no templo do futebol, onde viveu suas alegrias e tristezas, desde menino, e hoje, sente-se estarrecido ao vê-lo destruído, em nome do “progresso”, sem qualquer explicação racional. Entendo a tristeza do jornalista e do cidadão, vendo a brutalidade contra aquilo que cultuou e admirou por tanto tempo, por sinal, na mesma época dos meus filhos. Entendo sim, porque na minha vida aquele sonho começou a se delinear há 57 anos passados, quando eu preparava na prancheta meu trabalho de graduação na Universidade. Dois ou três dias atrás, passei pelo Machadão, e tive a visão apocalíptica e dantesca da destruição desnecessária e infame do patrimônio do povo, iludido pela promessa de que isto seria necessário para que nossa cidade recebesse um “legado” de benesses, transformando-a em novo paraíso. Por isso estou quebrando meu silêncio, para nada, com a única intenção de registrar meu aplauso à coerência e coragem do jornalista, e ao homem que tem alma para sentir saudade.
Poderão dizer, esse cara está cheio de mágoas, chorando o leite derramado, sei disso, mas, prefiro a mangação dos debochados e alienados, do que a cumplicidade do silêncio covarde.
Guardo o bonito texto que o brilhante Rubinho escreveu para comemoração dos 30 anos de vida do Machadão, posto numa placa, emoldurada, como uma relíquia histórica de valor eterno, mesmo sabendo que alguns dos presentes àquela singela cerimônia, tenham sido seus algozes, nove anos depois, na vergonhosa submissão da Câmara Municipal e da Assembleia Estadual aos caprichos dos vândalos iconoclastas, entregando-o à sanha dos demolidores, para ser trucidado, por motivos suspeitamente abjetos. Na verdade, se a FIFA estava mesmo exigindo uma arena luxuosa para os ricos, esta poderia ter sido construída em locais muito mais adequados (cadê o temido EIA/RIMA?) e não haveria necessidade de demolir a arena que estava servindo aos pobres. Por que ali ?, essa é a grande pergunta, que ninguém conseguirá responder.
Mas, é bom que se registre, para um improvável julgamento histórico, que houve maciça conivência, cumplicidade, ou negligência, dos poderes constituídos, dos que se dizem desportistas, cartolas e dirigentes das agremiações esportivas, da maioria dos políticos,(refiro-me àqueles que são profissionais da mentira e do engodo), e até mesmo das defensorias públicas, com raras exceções, todos ufanados pela empolgação com as promessas dos enganadores, inclusive, e, lamentavelmente, o próprio povo, anestesiado pela propaganda enganosa. Basta dizer que o tradicional América, que já está sentindo na própria carne os resultados da grande burrice, não moveu uma palha para tentar livrar o indefeso Machadão do esquartejamento impiedoso, e, com algumas exceções, muitos que estão lá dentro, dele se beneficiando, ajudaram a entregá-lo na bandeja aos carrascos. Goianinha fica a mais de 100 quilômetros, ida e volta, e, essa estória de fazer uma penca de arenas, manada de filhotinhos do elefante, é mais uma piada para enganar trouxa. . A empreiteira já anunciou uma mudança de projeto da arena das dunas, adaptando-o para o Carnatal, temendo não ter receita pra sustentar o paquiderme. Você acredita? Pergunta-se, quanto o Carnatal rendeu para a prefeitura, até hoje, em tantos anos de exploração do Machadão? Quanto pagará pelos 4 ou 5 dias de uso por ano? Será que dá pra sustentar o bicho? Aliás, esse projeto assemelha-se àquele filho de certas mães solteiras que não identificam o pai, pois apesar de anunciados como Autores, no mínimo, 4 profissionais ou empresas de arquitetura, entre estrangeiros, cariocas, paulistas, e até um co-autor natalense, custou uma fortuna, mas, todo mundo mete o bedelho, modifica, e não aparece o próprio pai para reclamar seus direitos autorais, e, diga-se de passagem, pelo que vi, a arquibancada para o Carnatal já esta pronta. É repugnante, mas vão fazer a farra pagã, sapateando sobre o cadáver mutilado do Machadão, e ainda anunciam um busto de João Machado e Nesi na futura arena, em despudorado escárnio às suas memórias.
Vejo nos jornais, que, falta tomógrafo no hospital infantil, e, um cidadão atento lembra que, para adquiri-lo, bastariam três dias do financiamento da arena das dunas, R$300 mil, enquanto cada “pelada” da copa naquele templo do desperdício, custará a bagatela de Cr$100 milhões, além do preço perverso do sofrimento e perda de muitas crianças, por falta de assistência, apesar de sermos governados por uma pediatra. Noutra coluna, diz o secretário extraordinário das demolições, com corajosa sinceridade, que nem tudo previsto pelo governo do RN, referente à Copa, será executado, por “falta de dinheiro”. Como? Por falta de dinheiro? Quer dizer então que o Paraíso prometido, será apenas uma gambiarra? È isto o que pode-se chamar de “legado” de progresso !?
Até aqui o “legado” que se tem apurado, em todo o Brasil, é o vilipendio de um povo que chegou a ser uma Nação em algum remoto passado.
Moacyr Gomes da Costa
Natal/RN, 19/11/2011
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Caro irmão Moacyr,
Bem posso avaliar o seu sofrimento.
Nos encontros com os amigos tem sido unânime o comentário do lamento pela destruição do Poema de Concreto Armado.
Este seu artigo é histórico.
Saiba que estou preparando um livro sobre a "Epopéia do Machadão", onde colocarei os pontos nos iiiiii.
Por enquanto, reproduzo, em sua homenagem, dois poemas que fiz alusivo ao Machadão, já publicado em meu blog e em jornais. Não quis atender a campanha de Everaldo, que pediu que lhe enviassem poemas sobre o mesmo tema, pois ele foi muito omisso neste episódio e chegou à aberração de, em depoimento gravado, que tenho em meu poder, dizer que você foi à Alemanha "buscar" o modelo do Machadão, quando todos os seus amigos sabem que você nunca saiu do Brasil. Deixa prá lá, seguem os poemas:
“Réquiem para um Estádio”:
Um dia, numa tarde - a grande festa.
A cidade se engalanava, em fantasia.
O povo, na sua incontida alegria,
Fazia um coro, como uma grande orquestra.
O tempo passa, a festa acaba – desilusão.
Momentos lúdicos ficam pra traz, sem constrangimento.
O povo, na sua infinita letargia, aplaudirá novo momento,
Da cruel, incontornável e definitiva demolição.
Não há certeza, se por algum milagre,
Um novo poema de concreto surja na cidade.
Se o povo, em dia de alegria, ainda poderá sentir,
O sabor de um gol perfeito de um Alberi.
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TRISTE FIM
Dos dias de glória e alegria,
O velho estádio hoje sofre o revés,
No desmonte dos algozes infiéis,
Provoca agora apenas nostalgia.
Nenhum clamor ecoa na cidade,
Parece aguardar o seu destino,
Esperançoso que da Graça do Divino,
Possa acontecer algum milagre.
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Um grande abraço do seu irmão e admirador Carlos Gomes