sábado, 11 de julho de 2020

Espiritualidade e harmonia
Padre João Medeiros Filho
Nestes últimos meses, o Brasil se voltou intensamente para a questão da saúde. Esta se alicerça em vários pilares: biológico, econômico, social, psicológico, afetivo, religioso etc. Apesar de fisicamente saudáveis, muitos vivem espiritualmente doentes. Há uma polarização e ideologização da pandemia em torno do binômio economia e vida, como se a realização ou a felicidade humana se resumisse nisso. A unidade da pessoa fundamenta-se na íntima comunhão de corpo e espírito. Daí, todas as abordagens do ser humano (inclusive a espiritual) são interdependentes. Do equilíbrio delas dependem qualidade e estilos de vida, relacionamentos e atitudes diante dos desafios. Deus deseja o bem total de seus filhos! Assim sendo, a vivência religiosa é indispensável.
O homem vive em relação com o contexto no qual está inserido. Há condicionamentos que o influenciam: transformações culturais, tecnológicas, critérios de discernimento etc. Quando isso não é assimilado com sabedoria, poderá levar ao adoecimento interior, perdendo-se a serenidade e o equilíbrio. Viktor Flankl, observando as atitudes dos prisioneiros no campo de concentração de Auschwitz, percebeu que quase todos ali entravam com as mesmas condições físicas, mas o processo de definhamento era diferente entre eles. Concluiu que dependia da capacidade de dar sentido à própria existência naquela situação.
A experiência pandêmica provocou forte impacto no comportamento da população. O distanciamento ou isolamento social, o uso de máscara (de certa forma, despersonalizando), a inutilidade sentida por alguns de permanecer em casa atingiram várias pessoas. O medo de contágio, o pânico provocado pelos noticiários divulgando estatísticas de mortes e contaminados à espera de um leito hospitalar causaram sérios danos a muitos. O “pacto pela vida” parece ter esquecido as consequências disto. Não incluiu atendimento espiritual e psicológico dos vitimados e suas famílias. Isso leva ao padecimento do espírito. Cristo advertia: “Temei antes aqueles que podem destruir a alma” (Mt 10, 28).
A enfermidade resulta de uma série de fragilidades. Acontece quando não se consegue preservar as colunas do edifício da existência: referências biológicas, afetivas, econômicas e culturais, convicções religiosas, ideais e sonhos. Em virtude da unidade do corpo e da alma, os males sofridos interiormente, quando não tratados, podem se materializar. São as doenças psicossomáticas, decorrentes de desordens emocionais. Um mal-estar dessa ordem gera alterações internas e externas. Nesse ponto, a religião pode exercer um papel importante, ajudando os fiéis a vencer as dificuldades. No entanto, com o fechamento dos templos, parece que a vida espiritual se restringe unicamente ao culto e à liturgia. Famílias e grupos ficaram confinados, sem suporte psíquico-religioso.
Os relatos bíblicos nos iluminam e fortalecem. O Povo de Deus, orientado pelos profetas e patriarcas do Antigo Testamento, enfrentou a fome no deserto e a solidão do desconhecido. Venceu as pragas do Egito, inclusive a dos gafanhotos (que ameaça voltar). Lembraram-se pouco as palavras da Sagrada Escritura: “O Senhor irá à tua frente e estará contigo, Ele não te deixará nem te abandonará” (Dt 31, 😎. Careceu maior entrosamento das autoridades civis e religiosas em função do bem-estar dos fiéis. Um “pacto pela vida” não pode deixar de lado a espiritualidade do ser humano, qualquer que seja a sua crença. Participantes das missas do Mosteiro de Santana lamentaram: “Calaram-se os sinos das igrejas. Silenciaram os toques de esperança e fortaleza, dons divinos, emanados da vida em comunidade pela Eucaristia e Palavra Sagrada”.
Urge ensinar às pessoas a cultivar a capacidade de filtrar o negativo. Jesus, após a Ressureição, aparece aos discípulos, animando-os: “Não tenhais medo” (Mt 14, 27). Aliás, as palavras proferidas pelo anjo a Nossa Senhora – no nascedouro do cristianismo – são de encorajamento e paz: “Não temas, Maria” (Lc 1, 26). Por outro lado, infelizmente depara-se com os necrófilos. Cristo, jamais disse: “Eu sou a morte”. Afirmara: “Vim para que tenham vida, e a tenham em plenitude” (Jo 10, 10). Assim, deve-se crescer na paixão pela beleza da vida. É preciso insistir. A fé ajuda a curar. É terapêutica e confortadora. Por isso, disse o Mestre à mulher sofredora: “Coragem, filha! Tua fé te salvou. E ela ficou curada”! (Mt 9, 22).


O DESENCANTO DE JUDAS
Francisco de Assis Câmara

            “O desencanto tomou conta do meu coração”. Em uma representação da Paixão de Cristo em Nova Jerusalém, Estado de Pernambuco, ouvi essa inquietante afirmação, as últimas palavras proferidas por Judas Iscariotes antes de cometer o suicídio.
            Essa frase, por sua intensa dramaticidade, não me saiu da memória. Pesquisei, nos quatro Evangelhos, sua autenticidade. Nenhum deles a registrou. Concluí, então, tratar-se de “licença poética”, caso não tenha sido buscada em um dos muitos Evangelhos apócrifos. Em todo caso, é inegável o mérito do diretor do espetáculo ao vislumbrar o efeito que ela produziria na monumental plateia, presente “ao maior teatro do mundo, a céu aberto”.
            Culpa, remorso e desespero. Nesse episódio histórico, instados a perquirir a causa desse desencanto, vamos identificar a figura de Judas como um dos doze apóstolos de Jesus de Nazaré. Na condição de judeu, acreditava na vinda de um messias, tal como anunciavam as Escrituras.
            A Palestina estava submetida ao jugo romano. Essa dominação, sempre contestada, constituía-se em insuportável violência contra aqueles que se autodenominavam “povo de Deus”. O exemplo de resistência, em passado próximo, dos Irmãos Macabeus, sustentava a possibilidade de uma nova reação, uma insurreição, sob uma firme liderança. Seria esse o papel do messias, ansiosamente esperado?
            O apóstolo Judas Iscariotes alimentava a esperança de um grande movimento de libertação. E Jesus de Nazaré, que fazia milagres, ressuscitava mortos e caminhava sobre as águas parecia incorporar, sem nenhuma dúvida, o perfil desse libertador. Judas estava encantado. Ecce homo! ─ Eis o homem!
            O convívio, porém, trouxe-lhe decepções: gestos de misericórdia, perdão como prática amorosa ─ Atire a primeira pedra..., elevação dos humildes, exaltação da caridade, respeito a todos, sem distinções de etnias, desprezo à hipocrisia,  cumprimento dos deveres de cidadania (─ A César o que é de César). Tudo isso culminou com a surpreendente e desalentadora afirmação (para ele, Judas) do Mestre de Nazaré:  ─ Meu reino não é deste mundo.
            Não! Esse não pode ser o messias, o libertador. A frustração matou a esperança e, em seu lugar, alojou sentimentos inferiores. É preciso fazer alguma coisa. Na sequência, trinta moedas e um beijo. Estava em curso sua predestinação.
            O resultado foi desesperador. Judas não compreendera que o caminho do messias seria percorrido sob o pesado e simbólico fardo de uma cruz, e que sua trajetória, em direção ao Gólgota, seria uma via sagrada. Também não se convencera de que o amor perdoa e salva; basta uma palavra, mesmo não se considerando digno (Domine, non sum dignus). Distanciou-se do grupo e nem pôde observar que Pedro, após a fraqueza da tríplice negação foi perdoado e elevado à condição de “pedra angular” da Igreja; já não presenciou a promessa feita ao “bom ladrão”, cujo arrependimento o levaria ao Paraíso.
            Ignorando que o amor abre os braços, em forma de cruz, e o perdão, sem limites, acolhe o arrependimento, Judas, desesperado, faz seu corpo balançar sob a árvore do destino, pois o desencanto, na tortura do remorso, penetrara em seu coração. Seus ouvidos já não puderam escutar o último perdão:  ─ Pai, perdoa-lhes; não sabem o que fazem.,





As Pequenas Sereias


As Pequenas Sereias é a primeira publicação do Projeto Ninho, uma proposta da Coruja Arquitetura que une decoração, ilustração e uma boa história.

Produzido sob encomenda e tiragem limitada, este livrinho infantil foi especialmente escrito para as irmãs Maria Helena e Maria Fernanda, as duas espertas e pequenas sereias da história.

Juntas, e com a ajuda do cavalo marinho e do vento, elas vão conduzir dois corajosos velejadores até o seu destino, a praia de Muriú.

Texto de Gustavo Sobral e ilustrações de Ariel Guerra.

2020, As Pequenas Sereias. 1ed. Natal, 2020, 24p.