PÁSCOA É LIBERTAÇÃO
* Adalberto Targino
Na Páscoa, a mais importante e maior festa da Cristandade, é
celebrada a ressurreição de Jesus Cristo, depois do seu suplício, morte e
assunção, mas para os judeus significa a libertação do cativeiro egípcio para
as primícias da terra prometida, sendo considerada uma comemoração perpétua em
honra de Deus (Êxodo 12.14).
Enquanto os judeus festejam em 8 dias a sua páscoa em nome de uma
conquista ou vitória terrena-material da libertação da escravidão egípcia, os
cristãos comemoram a vitória transcendental e metafísica da libertação da morte
espiritual e do pecado. Ambas se referem à passagem, à mudança: a dos judeus
foi a transposição do Mar Vermelho; a dos cristãos, a transmutação da morte
espiritual para a vida eterna.
A Páscoa é o sustentáculo da fé cristã. Sem ela sucumbiria todo o
seu arcabouço teológico-doutrinário, baseado na certeza da ressurreição de
Cristo e que pelo batismo o crente sai da morte (descrença) para uma nova vida
(ressurreição espiritual), a exemplo de Jesus, que ressuscitou dos mortos. Eis
porque a páscoa é a maior e mais culminante base da fé cristã, na qual crêem
cerca de 2 bilhões de seres humanos.
Em contraponto à comilança de coelhos da páscoa e outras
guloseimas contemporâneas, admoestava São Epifânio, séc. IV: “os seis dias da
Páscoa transcorrem para todos à base de comer apenas pão, sal e água, ao
entardecer”.
Já Santo Agostinho, séc. IV, um dos mais ilustres teólogos
cristãos do mundo, afirmava “por isso, meus irmãos, se queremos celebrar uma
Páscoa saudável, passemos dos pecados à justiça, padeçamos por Cristo,
apascentemos nos pobres a Cristo”.
Na esteira desse pensamento, Santo Atanásio prelecionava: “a
Páscoa verdadeira é a abstinência do mal, exercício da virtude, e passo da
morte à vida”.
A ressurreição de Lázaro, por exemplo, simboliza o chamamento
permanente da humanidade a sair da inércia espiritual (descrença, indiferença,
omissão) para a vida em abundância, constituída pela força motriz suprema da
fé, estado de paz profunda, nirvânica e santificadora.
A santidade ou ressurreição cristã
independe dos nossos atos passados, da origem cultural, da prática de uma
doutrina, de etnia ou tradição. Prova disso é que um ladrão e bandido como
Dimas, condenado pela Justiça Romana em face dos seus inúmeros delitos, além de
ser um pária da sociedade e sem histórico religioso, foi declarado santo (o
primeiro da História) pelo Filho de Deus unicamente em razão de sua fé. Por que
não os moralistas, religiosos e puritanos sacerdotes Caifás e Anás, que se
julgavam guardiões e cumpridores da Lei de Deus? Não, porque eles tinham tudo,
menos a fé.
A transformação interior faz do velho
homem um novo homem, como na metamorfose da lagarta em borboleta. São dois
momentos totalmente diferentes, perceptíveis pela mudança de comportamento e
maneira de enxergar a vida.
Páscoa e Ressurreição se confundem porque
ambas significam mudança, como no toque de Midas transformador do barro em
ouro. Com efeito, do mesmo modo, as Trevas se transmutam em Luz.
Precisamos da ressurreição que transforma
a fraqueza do vício das drogas em sobriedade, a ganância que leva à corrupção
em resignação, o desvio sexual da pedofilia à pureza, os sentimentos mesquinhos
da inveja, da calúnia, da difamação, da intriga, da fofoca e do egoísmo em
solidariedade, assim como os males da depressão e do medo em
serenidade e segurança.
A ressurreição verdadeiramente metafísica
e transcendental constitui-se numa metamorfose intrínseca e espiritualmente
norteada pelas palavras e exemplos de Jesus, o sublime Mestre e Salvador.
O homem renascido pela fé tem novo alento,
força, energia, vigor espiritual. Todos podem continuar olhando o mundo
superficialmente, mas ele, o transformado, vê o âmago, a essência, a
profundidade.
A partir daí, o ressurreto espiritualmente
troca a glutonice do ovo de chocolate pelo jejum da páscoa, o coelho comercial
pelo Cordeiro libertador, que ,segundo a Bíblia, extirpa todo o mal (João 1.29).
Ademais, homem nenhum conseguirá a
consciência “justa e perfeita” (santidade) senão pela fé. Todos, sem exceção,
são infratores ou violadores da Palavra Sagrada. Sem a Graça presenteada pela
confiança em Jesus e a vontade de acertar – mesmo errando – ninguém se
libertará do jugo das fraquezas humanas, que são tentadoras e dominadoras. Até
Cristo foi tentado, imagine nós, reles instrumentos das ambições e prazeres
profanos.
Desse modo, esta é a época de
reconciliação e perdão. O momento próprio à extirpação da violência, da fome,
da corrupção e das injustiças; da expiação dos erros, superação das nossas
dores e da passagem para uma nova vida.
Afinal, sintetizo, com fulcro na Bíblia
Sagrada (I Coríntios 5.7-8): “Purificai-vos do velho fermento, para que sejais
massa nova, porque sois pães ázimos, porquanto Cristo, nossa Páscoa, foi
imolado. Celebremos, pois, a festa, não com o fermento velho nem com o fermento
da malícia e da corrupção, mas com os pães não fermentados de pureza e verdade”.
* O autor é advogado e
Ex-Presidente da Academia de
Letras Jurídicas do RN.