sábado, 28 de janeiro de 2012

A CRISE DO PODER JUDICIÁRIO ou
HÁ CRISE NO PODER JUDICIÁRIO?

CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES, advogado e escritor

Tenho recebido dos amigos inúmeros artigos falando sobre a crise do Poder Judiciário, o que reproduz e reforça o noticiário diário da nossa imprensa falada, escrita e televisada.

O assunto é grave e me atinge de certa forma, pois filho de magistrado e partícipe das lides processuais ao longo da vida profissional, como advogado e como prfofessor de Direito, tenho interesse em preservação dessa Instituição, alento final da esperança da população, para que não voltemos aos tempos da justiça com as próprias mãos.

Não direi que o assunto é impertinente, mas afirmo que é passível de uma solução pacífica, sem o confronto Poder Judiciário – CNJ, com acusações estéreis de lado a lado, sem o devido cuidado para a importância e imponência da Magistratura para a Democracia e a Paz Pública.

É equivocado o entendimento de que os juízes passaram muitos anos intocáveis, por isso teriam enveredado na corrupção. Nesse ponto considero exageradas as expressões da respeitável ministra Eliana Calmon. A verdade é que a formação moral das pessoas no presente diferem das posturas vetustas dos nossos ancestrais. A sociedade mudou os seus parâmetros.

Existe sim um afrouxamento na ação das corregedorias de alguns Tribunais, mas nada que não se possa corrigir internamente, sem o estardalhaço de entrevistas precipitadas dadas à imprensa brasileira, o que somente amplia o descrédito em direção aos caos social.

Preservar os valores da honestidade e da moralidade, cambaleantes em todos os poderes da sociedade e de uma Justiça – limpa, honesta e ética deve ser o anseio de todos nós, sendo suficiente o engajamento na luta que agora inicia a CONSOCIAL, organismo criado para depurar os acontecimentos deletérios da administração pública, através da abertura de canais para que a população fiscalize a máquina da gestão administrativa e opine pelo seu aperfeiçoamento.

Devemos dar um voto de confiança ao Poder Judiciário para que com suas próprias forças adote posturas mais democráticas, sem estímulo aos privilégios espúrios, que não alcancem outras categorias de servidores, estes sim, com remuneração tão irrisória, que se justificariam as gratificações ou auxílios moradia, alimentação e transporte. Mediante apuração rigorosa de eventuais desvios de recursos, como se registra o atual escândalo dos precatórios. Fiscalizando com mais eficiência a conduta dos magistrados que ostentem sinais externos de riqueza incompatíveis com os seus ganhos ou possíveis facilidades a jurisdicionados, sempre resguardando-se a ampla defesa.

Enfim, o barco não afundou. Ainda existe uma expressiva maioria de magistrados competentes, honestos, cujas condutas devem ser levadas em consideração e não sejam submetidos à vala comum dos que não exercem suas funções com dignidade.

A minha experiência de vida tem assentado uma lamentável verdade - o mal é mais forte que o bem, pois quando uma fração ínfima de desonestos é descoberta, se costuma entender que contamina a todalidade. Precisamos inveter esse modo de pensar, dando a cada um segundo o seu merecimento.

Respeito o Poder Judiciário e vejo nele o fiel da balança para se consumar a correta distribuição da riqueza, da consagração de uma melhor qualidade de vida e confirmação do velho princípio de Ulpiano – "Viver honestamente (honeste vivere), não ofender ninguém (neminem laedere), dar a cada um o que lhe pertence (suum cuique tribuere)".
ISTO É BRASIL

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Crédito Ney Douglas - JH
OS PROBLEMAS DAS CIDADES

Já despertam as saudades do veraneio, pois no retorno à cidade já me deparo com os problemas próprios da realidade brasileira.

Primeiramente registro o péssimo serviço dos Correios em não fazer as entregas das faturas de cartões de créditos e correspondência usual. Nunca esteve tão ruim o serviço, obrigando às pessoas o trabalho de solicitar por telefone ou e-mail a segunda via das suas contas.

O noticiário do desabamento de três prédios no Rio de Janeiro obriga a analisar a situação de Natal, convivendo com uma buraqueira sem fim e agora com os sérios perigos que correm alguns equipamentos públicos, a teor da Ponte de Igapó, que está em vias de consumar uma tragédia anunciada, porquanto bastante evidente o desgaste, com ferros à mostra, já oxidados, atestando a irresponsabilidade criminosa dos poderes públicos.

O Estado do Rio Grande do Norte está na manchete dos jornais com o resultado do julgamento da “Operação Impacto”, com prova da eficiência do Doutor Carlayle, mas já havendo desconfiança de que os recursos vão tumultuar a eficácia das penas. Num segundo momento, a exoneração do Diretor-Geral do DNOCS e o comentário “doutoral” do Deputado Henrique de que a CGU está errada. Entendo que o assunto é sério e transcende o problema político. Se a CGU agiu erradamente deve ser repensada a sua atuação. Mas se apenas for balela do Deputado, ele precisa ter uma reprimenda, pois estaria contribuindo para o desprestígio das instituições públicas que ele tem a obrigação de preservar. Já é tempo de cada um se colocar no seu devido lugar, não opinando sobre o que não sabe.

Não bastassem esses percalços, temos o lamentável episódio dos “Precatórios do TJ”, onde já existe a indicação da ação precisa da Dra. Judite para a devida apuração, inclusive solicitando o apoio do Tribunal de Contas. Entendo que não é hora de notas oficiais, até que alguma coisa seja apurada, do contrário apenas aumentará o fosso do descrédito em direção ao combate à impunidade.

Até mesmo o CNJ, apontado como salvação da probidade no Poder Judiciário, anda sendo acusado de uma licitação irregular.

Apesar do vazio notório do canteiro da Arena das Dunas, em relação ao que acontece nos estados vizinhos, a Governadora e o Dr. Demetrio insistem que o cronograma está adiantado!

Nossa expectativa é que as pessoas comecem a raciocinar com mais racionalidade e o Poder Público cumpra o seu dever com a celeridade ansiada.

Há que saudade da preguiça da minha casa de praia!

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

OUTRAS CARTAS DE COTOVELO 10

CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES, advogado e escritor

No início deste mês registrei o meu reencontro com Cotovelo e, logo no primeiro dia, a prazerosa visita de Zé Correia (Zequinha), tradicional morador da Rua Parnaíba.

A meninada, como sempre, se soltou na buraqueira, sabendo aproveitar bem os regalos do veraneio. Os adultos, nem tanto.

As boas conversas noturnas, o baralho, dominó, bola, DVD, música e rádio complementaram nosso lazer.

O barulho do Circo da Folia não foi tão grave como no ano anterior, mesmo assim a Lei do Silêncio não foi respeitada– há muito dinheiro em jogo. O inferno, de qualquer forma, se instalou nos finais de semana, com filas intermináveis de veículos com destino a Pirangi, em permanente businaço, intercalado de carros do som em decibéis proibitivos, mas nem por isso incomodados por qualquer autoridade da fiscalização do meio-ambiente.

A geografia física modificou muito aquele lugar bucólico de outrora. Agora tem abastecimento de tudo e estamos cercados de edifícios e condomínios fechados. A Promovec não funciona mais, distanciando os veranistas daqueles dias festeiros e contemplativos. Contudo, não tivemos registros de arruaças, roubos, assaltos e os filhinhos do papai não desfilaram na beira da praia com motos ou quadricíclos. Parabéns para a Polícia. Aliás, o posto policial na sede da Promovec e de ambulância do Samu deram conforto e segurança aos veranistas.

Aqui no meu pedaço de Cotovelo velha, a geografia humana permanece quase inteirinha – da Rua Parnaíba perdemos Seu Chico e Fernando; se mudaram Noel e Rosalvo, mas ganhou D. Léa que nos abastece do pão de cada dia e a minha vizinha D. Socorro, que cultiva o bom costume de manter a rua limpa.

O luar de Cotovelo continua lindo. Menos cadeiras na calçada, é verdade, pelo mêdo da atual circunstância da segurança pública no Estado. As caminhadas matinais e ao cair da tarde foram reconfortantes.

Visita de amigos e parentes para um papo descontraído ou rememoração de tempos bem vividos, sempre regado a um wisky, água de coco ou um cafezinho com tapioca de D. Helena ou o pão de D.Lea.

De vez em quando um churrasco feito por Ernesto.

Jornais e TV nos acompanham na modernidade, diferentemente dos saudosos veraneios na Redinha, com gerador funcionando até às 20 horas, depois cada um que se virasse.

O que não muda no tempo é o chamamento da danada da preguiça, que permite reciclar o corpo velho cansado, confirmando o verso do vate pernambucano Ascenso Ferreira:

Hora de comer – comer!
Hora de dormir – dormir!
Hora de vadiar – vadiar!
Hora de trabalhar? Pernas pro ar que ninguém é de ferro!

Diariamente a missão de atualizar o meu blog, sob qualquer motivação, seja o do retorno do meu beija-flor, da insegurança em Alcaçuz, o tempo do rádio ou no embalo do que vier à cabeça.

Comemoramos os aniversários de Rosa Ligia e Fernandinho (neto), na casa de D. Ieda, com a relembrança de Fernando; ouvimos boas músicas de antanho ‘Arranha Céu’ e ‘Vestido das Lágrimas’, ‘Só nós dois no salão (e esta valsa)’, ou o terrível “Delícia, delícia, assim você me mata” – mata o veio!

A história da música escolhida por Rosa em seus quinze anos teve repercussão em mensagens recebidas. A propósito, no blog, uma mensagem do amigo Didi Avelino, que este ano não pôde passar aqui em Cotovelo.

Fizemos comentários sobre a diferença fundamental entre a casa de veraneio e a casa da cidade. Naquela reina a informalidade em todos os sentidos, pés descalços, cabeça descompromissada com a realidade da cidade grande, pois toda a leitura feita é encarada com maior reflexão e assimilada com uma seriedade meditativa. A cidade só reclama obrigações.

Chegou a hora. Adeus vou-me embora, vou ver agora ... o que querem de mim em Natal! Até o próximo veraneio. FUI!

(26/01/2012)

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012


OUTRAS CARTAS DE COTOVELO 09
CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES, advogado e escritor

Sem maiores pretensões, terminei a leitura do livro ‘No tom da canção cearense’, de Wagner Castro, Ed. 2008, que me foi indicado por Inácio e Abimael por saberem da minha passagem pelo rádio.

Constatei que por muito pouco eu não fiz parte da história do movimento artístico de Fortaleza dos anos 50.

O livro não alcança esse período, pois concentra-se nas iniciativas musicais a partir dos anos 60, principalmente dos Festivais da Canção, fazendo vagas referências à PRE-9 – Ceará Rádio Club, onde em 1950 fiz uma temporada, gravando, inclusive, um disco com de 78 rotações, com a orquestra do Maestro Mozart Brandão, onde era pianista o grande compositor Luiz Assunção e o violonista Evaldo Gouveia.

Esses dois últimos continuaram com marcante atuação no rádio cearense nas décadas que se seguiram, tendo Evaldo se notabilizado no resto do Brasil. Lembro que recebi de Luiz assunção uma partitura musical de sua composição ‘Que linda manhã’, com singela dedicatória, a qual pretendia gravar, passando a fazer parte do meu repertório. Contudo, por contingências diversas não mais gravei e a canção foi afinal divulgada através do cantor alagoano, radicado em Natal Rinaldo Calheiros.

Além dessas pessoas já nominadas, o livro se refere ao Trio Nagô, composto por Evaldo, Epaminondas e Mário Alves, que vi nascer, tanto quanto o Trio Irakytan e dos quais tenho as primeiras fotografias artística, com dedicação a mim, com um carinho especial.

Foi em razão da minha apresentação em Fortaleza que ganhei notoriedade, tanto que firmei compromisso com a Rosenblit para gravar um disco em Recife e fazer uma temporada na Rádio Tamandaré, isso pelos idos de março de 1951. Não fui ao acertado, pois coincidiu com a interrupção da minha carreira artística por imposição familiar, posto que já iniciado o período letivo. O contrato foi cumprido por Agnaldo Rayol, pois o seu empresário é o mesmo meu.

No retorno de Fortaleza, fiz um show especial no Cine Pax de Mossoró, contratado pela Prefeitura local, tendo sido a propaganda divulgada através de panfletos jogados de um avião. Depois fiz uma apresentação em um Clube de Caraúbas, que era a terra de nascimento do meu empresário Francisco Gomes de Sales.

A música popular cearense dos anos 50 já estava consolidado. Naquele tempo despontaram outros jovens artistas, como posso lembrar de Solteiro, um garoto apadrinhado de Luiz Assunção, Fátima e Keyla Vidigal.

Pouco tempo depois a explosão dos festivais cearenses, com variadas denominações – Festival da canção cearense, da música popular cearense, da música popular aqui, nordestino da música popular, universitário da MPB e da canção do cariri, destacando-se nomes como Geraldo Vandré, Raimundo Fagner, Ednardo, Belchior, Marcus Vale, Ray Miranda, Ayla Maria, Jorge Melo, Piti, Fausto Nilo e outros.

O Rio Grande do Norte ainda dormia em berço esplêndido, ressalvada, apenas, a singela iniciativa da SAE – Sociedade Artística Estudantil, que revelou alguns artistas solistas e conjuntos musicais para o Brasil. (25/01/2012)

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

OUTRAS CARTAS DE COTOVELO 08

CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES, advogado e escritor

Residindo nas cercanias do Presídio de segurança máxima de Alcaçuz, relembro o episódio em foi definido o local de sua construção.

Estávamos no Governo Geraldo Melo, quando era Secretário de Segurança o Deputado Luiz Antônio Vidal.

O Senador Lavoisier Maia Sobrinho, atento ao grave problema carcerário do Rio Grande do Norte, conseguiu colocar no orçamento da União determinada dotação para a construção de uma unidade prisional de grande porte.

Disponível o recurso, por gentileza do Governador de então, foi convidada a opinar sobre o assunto a Ordem dos advogados do Brasil, Seccional deste Estado, cujo presidente eleito para o biênio 1989-1991 era a minha pessoa.

Existiam estudos a respeito da construção daquele equipamento prisional na região sul do Estado, no perímetro Goianinha – Nísia Floresta – Parnamirim.

Com o Secretário, percorri a região pela estrada que liga Piranbúzios – Pium, quando optamos pelo lugar próximo à Lagoa de Alcaçuz, tendo em conta o preenchimento de vários requisitos primários para o empreendimento, quais sejam: abundância de água potável; infra-estrutura para abastecimento; facilidade do deslocamento para visita dos familiares aos presidiários; topografia adequada do local, com uma parte elevada, cercada de baixios que ofereciam visão de vigilância e dificuldade de fugas.

Decidida a construção naquele local e inaugurado o equipamento, restava a manutenção do seu complexo físico e lotação do elemento humano indispensável ao funcionamento adequado e com a segurança máxima preconizada.

Ledo engano, a penitenciária, desde o início, vem sendo negligenciada nos dois aspectos referidos, permitindo sucessivas fugas espetaculares e rebeliões, como recentemente aconteceu, com a fuga de 41 apenados, deixando os moradores e veranistas em estado permanente de alerta em Pium e Cotovelo, principalmente.

O novo Secretário de Justiça, Doutor Fábio Holanda, comentou que houve facilitação, pois as selas estavam sem cadeados, enquanto o Sindicato dos Agentes Penitenciários contesta, alegando que apesar das requisições e reclamações, não são atendidos, nem no aspecto material para a segurança do presídio, nem no preenchimento das vagas indispensáveis para aquele tipo de presídio.

Enquanto existe a quebra-de-braço, a situação não se normalizou e constatamos que o Estado nunca cumpre o seu papel de mantenedor dos equipamentos públicos, como comprova o sucateamento de todas as praças de esporte que dispomos e a demolição precipitada e irracional do complexo esportivo do Machadão para ali ser erguida a Arena das Dunas, cujo cronograma de trabalho ainda não aparece na vertical, apesar de, estranhamente, o Governo insista que está 35 dias adiantado.

Somos cegos ou burros ou o Governo é incompetente?

(24/01/2012)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

OUTRAS CARTAS DE COTOVELO 07
CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES, advogado e escritor

Há uma diferença fundamental entre a casa de veraneio e a casa da cidade. Naquela reina a informalidade em todos os sentidos. As visitas são recebidas num clima de descontração, numa simplicidade artesanal e rudimentar, que inclui pés descalços.

A cabeça, na casa de praia é descompromissada com a realidade da cidade grande, pois toda a leitura feita é encarada com maior reflexão e assimilada com uma seriedade meditativa.

Ao reverso disso, a casa da cidade é extremamente formal – a cigarra incomoda constantemente e o telefone é constante, além do fato de ocorrência de pedintes sem obediência, sequer, ao horário comercial.

As notícias não têm o sabor que sentimos na praia, até porque estamos presentes aos fatos divulgados, pois participamos do clima realístico do cotidiano, onde a vida tem um valor relativizado.

A brisa, possivelmente, seja um diferencial mais acentuado, e na praia se nos permite, quando o espírito pede e o corpo reclama, um banho de mar reconfortante, tirando as mazelas do dia.

Pela noite, igualmente, há um clima diferente – a penumbra nos permite mirar o céu com mais nitidez e o recolhimento se faz mais cedo, para um sono bem mais restaurador.

Podemos dizer que a praia nos sugere um exílio voluntário, gostoso, que faz bater o coração na hora de regressar.

Acho que os brasileiros não aprenderam a valorizar essa regalia que nos é permitida e isso se torna mais evidente quando recebemos parentes e amigos do além-mar.

Até mesmo os velhos costumes de recorrer ao rádio e deslizar o ponteiro pelas inúmeras emissoras retomam o nosso convívio e torna prazeroso ouvir músicas, nos remetendo a um tempo passado, não àquele que já simplesmente já passou, mas o que ficou indelével no presente, ainda que albergue alguma coisa indesejável.

Diferente do que jocosamente alguns afirmam, a permanente invocação do tempo pretérito, nos remete às ferramentas de reciclagem de atitudes e inspiração para as coisas futuras.

Cheguei mesmo a recordar um filme italiano, com o ator menino Gino Leurini, chamado de “Amor de Outono”, todo passado em um veraneio na Itália, onde ele conhece o amor pela primeira vez. Esse filme eu assisti quando solteiro (há quase 50 anos), no Cinema Rex e me empolgava quando o filme terminava, pois as pessoas comentavam que eu então tinha traços do ator, fazendo-me repetir presença em outras sessões – coisas de menino vaidoso – mais que era bom isso não se discute.

Já estou convivendo com a melancolia, pois começa a minha última semana de veraneio, mercê da inevitável realidade da vida, me convocando para novas missões.

Aguardem-me os companheiros da ALEJURN, IHGRN, UBERN, INRG, AML, FINSC e Confraria da Livraria Câmara Cascudo – eu estou voltando!

(23/01/2012)

domingo, 22 de janeiro de 2012

P A R A D O X O S
E O PALHAÇO CHORA
(Eugénio de Sá)

Chora-lhe a alma enquanto os olhos riem
é assim o palhaço original
vertendo da existência o pior mal
no âmago de si, sem outros o sentirem

E na dor mergulhado finge ser
da hilaridade o seu senhor
mas fica-lhe a tristeza por penhor
vergando-lhe ao desgosto o padecer

Na pobreza das vestes é grotesco
desfigurada a face à alquimia
que lhe acentua o esgar quase dantesco
querendo tornar veraz a alegria

Mas se o cobre riqueza bijouteira
E a alvura lhe manda na aparência
quase aflora a demência tal bobeira
Perante a contradição da evidência


VELHAS TRISTEZAS
(Cruz e Souza)

Diluências de luz, velhas tristezas
das almas que morreram para a luta!
Sois as sombras amadas de belezas
hoje mais frias do que a pedra bruta.
Murmúrios ncógnitos de gruta
onde o Mar canta os salmos e as rudezas
de obscuras religiões — voz impoluta
de todas as titânicas grandezas.

Passai, lembrando as sensações antigas,
paixões que foram já dóceis amigas,
na luz de eternos sóis glorificadas.

Alegrias de há tempos! E hoje e agora,
velhas tristezas que se vão embora
no poente da Saudade amortalhadas! ...


O Passado...

Homens sem pressa,
talvez cansados,
descem com leva
madeirões pesados,
lavrados por escravos
em rudes simetrias,
do tempo das acutas.
Inclemência.
Caem pedaços na calçada.
Passantes cautelosos
desviam-se com prudência.
Que importa a eles o sobrado?
Gente que passa indiferente,
olha de longe,
na dobra das esquinas,
as traves que despencam.
-Que vale para eles o sobrado?
Quem vê nas velhas sacadas
de ferro forjado
as sombras debruçadas?
Quem é que está ouvindo
o clamor, o adeus, o chamado?...
Que importa a marca dos retratos na parede?
Que importam as salas destelhadas,
e o pudor das alcovas devassadas...
Que importam?
E vão fugindo do sobrado,
aos poucos,
os quadros do Passado.

( Poema de Cora Coralina )
Ao coração que sofre
(Olavo Bilac)

Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.

Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.

E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;

E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.



Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

( Poema de Cecília Meireles )