DILACERAÇÃO E ILUSÃO
Valério Mesquita*
Num momento em que se questiona as coerências e incoerências do posicionamento político dos partidos com vistas ao pleito eleitoral do ano que vem, convém lembrar uma história antológica, clássica, e, por isso mesmo inesquecível, envolvendo o mestre do jornalismo potiguar o quase macaibense, irmão de Auta e Henrique, Eloy Castriciano de Souza. Ressalve-se na conduta do grande escritor, a sua inteligência singular, a sua memória incomum, as quais, mesmo quando postas a serviço da política partidária, elas não se apequenavam nem se contaminavam dos vícios redibitórios da desfaçatez, da indignidade ou do mau caratismo. Os fatos políticos de ontem se repetem hoje, só que, com outra roupagem, porquanto, naquele tempo, havia homens verdadeiros e eleições falsas, e agora, homens falsos mas eleições verdadeiras, muito embora - algumas, nem tanto.
Lá pelas décadas de trinta, quarenta, o jornalista Eloy de Souza pontificava na lide política do Estado. Certa vez, comandou a editoria do jornal da Oposição onde fazia de tudo. A sua marca registrada, ou faceta inimitável, consistia em ditar três artigos ao mesmo tempo, sem perder o raciocínio e a inteireza do tema de cada um. Foi em meio a essa faina redacional que ocorreu um fato inusitado. Quando discorria sobre a personalidade de um adversário político, acoimando-o de todos os diatribes imaginários, revelou-se de repente nele, uma luz, uma escapatória tão fremente que só os gênios são assim dotados. “Escreva”, ordenava: “Fulano de Tal é um político sanguinário, perseguidor que usa a farsa além da infâmia, a estupidez além do crime. Homem superado, liliputiano, de gestos grosseiros e destituído de nobreza de caráter”. Aí, de repente, um auxiliar adentra a redação e interrompe: “Dr. Eloy, Dr. Eloy, chega-nos notícia urgente do partido de que Fulano de Tal aderiu a nossa causa”. De pé, ar circunspecto sem esboçar qualquer reação, Dr. Eloy - após um instante de reflexão – retoma a dissertação: “Todavia, isso tudo é o que afirmam os seus adversários, injuriosos, despeitados e invejosos. Para nós, trata-se de um homem de bem, honesto, cumpridor de suas obrigações, bom pai e esposo exemplar”. Ao recordar esse episódio da Velha República no Rio Grande do Norte concluo que, qualquer semelhança com fato político da atualidade é mera coincidência. A diferença pontual, é a de que hoje a política perdeu a autenticidade e o talento de antigamente, vítima da amnésia eleitoral. O jogo de interesses imediatos assume proporções tão devastadoras no caráter e na conduta das pessoas ao ponto de nos causar asco e dó ao mesmo tempo.
Mas, essa história também é interessante. Aconteceu no primeiro turno de uma eleição municipal, quando o odontólogo Luís Carlos, esposo de Graça, então candidata a prefeito de Monte Alegre, garimpava votos de conterrâneos residentes em Natal. Um desses eleitores foi Paizinho, seu velho conhecido, radicado na Zona Norte. Ao vê-lo, Luís pediu-lhe o apoio e que não faltasse a nova luta. “Seu Luís eu não posso”, respondeu Paizinho, em tom pesaroso. “Por que?”, retrucou o dentista. “Porque eu transferi o domicílio pra cá e vou votar em Miguel Mossoró”. “Em Miguel Mossoró?”. Indaga Luís Carlos, curioso e perplexo. “O seguinte é o seguinte”, (maneiroso jargão popular). “É que seu Miguel me prometeu nessa ponte aí que ele vai fazer para Fernando de Noronha, conseguir só pra mim uma borracharia bem no meio da danada...”.
(*) Escritor