terça-feira, 11 de maio de 2021

 

A FÉ NÃO COSTUMA FALHAR

Valério Mesquita*

Vale a pena reprisar a frase do senador Cícero no senado romano para interpretar o fato a seguir: “Ó tempos, ó costumes!!!”. Outro orador, todavia sacro, do púlpito da matriz de Nossa Senhora da Conceição em Macaíba advertia a plenos pulmões, na leitura dos proclamas de casamentos, lá na década de 50: “Quem souber de algum impedimento calúnico, que torne nula a lista matrimonial deste fim de mês, que denuncie, sob pena de pecado mortal não revelar”. Era o famoso padre Antônio de Melo Chacon que jamais adivinharia a chegada do divórcio, o advento da união legal entre homossexuais e a fornicação estável dos casais na base do “fico”.

A veemência do padre Chacon me impressionava e me infundia medo. Quem denunciaria quem? As moçoilas faladas de minha terra como suportavam aquela admoestação e o perigo iminente das vozes ferinas das “Cinco Bocas” a ameaçarem boatos em plena cerimônia?

Hoje, tudo passou. A permissividade extraconjugal domina as famílias e a sociedade e poucos são aquelas que resistem à mudança enfermiça dos costumes, em nome da falsa modernidade. Na Austrália e em muitos países do mundo a eliminação do casamento virou hábito, costume, comportamento e alienação. Na Oceania os templos religiosos são vendidos para instalação de lojas, prostíbulos, ou, derrubados simplesmente para outras atividades profanas. E olhe que o Anglicanismo britânico lá imperou com severidade. Dizem que a queda ignominiosa dos postulados morais dessa civilização é para dar lugar aos status de países do primeiro mundo! Pode?

Percebe-se, sem ser profeta, espírita, astrólogo, adivinho, astrônomo, que já atingimos o ponto de saturação, de estrangulamento, de permanência, aqui na Terra. Aproxima-se a grande tribulação. Olhem aí o Covid que não escolhe cor, clero e nem classe social. Deus conferiu ao homem o livre arbítrio mas ele está indo longe demais. Ora, se Deus é Auto-existente (inderivado), Imutável, Santo (moral e espiritualmente), Eterno (não teve princípio e nem terá fim), Onipresente, Onisciente, Onipotente, além de ser Verdade, Amor e Justiça, como pode tolerar mais uma vez a depravação do mundo que criou e, em seu lugar deu o Seu Filho Unigênito como sacrifício vicário? Morte de cruz, para remissão dos pecados do mundo de ontem e de hoje. Entre tantas promessas que Ele fez e cumpriu, não estaria próximo o tempo da segunda vinda do Cristo, justamente para arrebatar com Ele todos os que acreditaram nas promessas do Altíssimo? Se não tem sentido o que afirmo, a vida humana, que tanto defendemos e prezamos, é mesmo somente excremento, sabão e breu, como querem os náufragos do falso primeiro mundo!

(*) Escritor


 

O silêncio de Deus

Padre João Medeiros Filho

Diante da pandemia atual, há os que questionam: “Onde está Deus?” Na década de 1940, teólogos do pós-guerra interrogaram: “Como falar de Deus para quem vivenciou a tragédia de Hiroshima e Nagasaki?” Visitando Auschwitz, Bento XVI exclamou: “Onde estavas, ó Deus, que silenciaste?” A complexa situação vivida pela humanidade implica na revisão de nossas concepções espirituais, sociopolíticas, econômicas e culturais. As religiões não podem se eximir de responder a este questionamento. A cultura judaico-cristã, em especial, é instada a refletir sobre o aparente silêncio do Eterno diante do sofrimento humano. Não raro, empurramos os nossos deveres e responsabilidades para o Onipotente. Primeiramente, é importante superar narrativas que consideram a pandemia como castigo divino. Isso não é bíblico, tampouco teológico. É o desejo do homem projetado sobre Deus. Uma divindade cruel e vingativa só pode ser pensada por quem não conhece a misericórdia do Evangelho. É preciso rever a postura da exigência de milagres, tornando o Criador um “quebra-galho” de nossos erros, omissões e irresponsabilidades. É indispensável rezar para que não sejamos atingidos pelos males. E cruzar os braços é negar pertencer à humanidade redimida por Cristo.

Deus criou o mundo, concedendo-lhe autonomia. A presença do Mal no universo e nas decisões individuais ou sociais pode parecer “cochilos celestiais”. Entretanto, o denominado silêncio de Deus não é apatia nem abandono. Seguir Jesus não isenta o cristão da cruz. “O discípulo não é maior do que o Mestre.” (Lc 6, 40). Para quem tem fé, a última palavra da história humana não é a morte. Esta não é o fim. É preciso se conscientizar de que o Pai Celeste é compassivo com seus filhos. Foi solidário com nossa dor e miséria, enviando Cristo para nos libertar. Ele é discreto. Age por meio daqueles que colaboram verdadeiramente para superar as crises, sem fazer delas álibi para interesses menores. O Altíssimo está presente nos que se arriscam para salvar a vida dos irmãos. É atuante na solidariedade revigorada e nos que reativam a esperança, orando. No fim de toda essa provação, a humanidade deverá reconsiderar seus conceitos e posturas. A finitude e a impotência fazem-nos compreender que ninguém nasceu para sofrer. Porém, a dor nos faz evoluir.

Deus não nos abandona. Torna-se silente para despertar nos seres humanos gestos de fraternidade. Utiliza nossos lábios para proclamar a ternura; nossas mãos para repartir o Bem e nossos corações para demonstrar amor e gratidão. Fala-se Dele como se não estivesse também dentro de cada um. Imagina-se um Ser totalmente abstrato, distante, alheio a tudo, ao redor de nós. Até para nos salvar quis contar com um ser humano: Jesus, o Verbo encarnado. Para libertar seus filhos do Mal, das doenças e ameaças não prescinde de nós. Porém, não assumimos nossos compromissos e buscamos culpados. Não fazemos a nossa parte e cobramos de Deus, como se fosse o responsável pela nossa negligência. Ele não está ausente nem silencioso. Muitos O afastam da sociedade. Em razão disso, não se vê no próximo um irmão. Na política, é tratado como inimigo. Na economia, concorrente. Na religião, incrédulo. Na vida pública, mero contribuinte. A mensagem do Evangelho ainda não penetrou na consciência dos homens. Repele-se Deus do mundo pelo egoísmo, pela injustiça e insensibilidade. Ainda não aprendemos o ensinamento do Mestre: “Que vos ameis uns aos outros.” (Jo 13, 34).

A política usa frequentemente o escudo do bem comum para esconder outros interesses. A economia é despida de sensibilidade. Alicerça-se no lucro. Por vezes, a religião é proselitista, forma sutil de dominação. Urge que os cristãos reflitam mais sobre a Eucaristia: único sinal de fraternidade solidária. A comunhão que recebe o Papa é a mesma do simples fiel. O Pão repartido com os puros é idêntico ao destinado aos pecadores. Eis a grande metáfora da unidade e igualdade humana, legada por Cristo. Mas, o mundo ainda não compreendeu este verdadeiro exemplo de democracia! “Muitos cristãos recebem o Jesus da hóstia consagrada, mas não comungam o Cristo do Evangelho”, repetia Santa Dulce dos Pobres!

 

O cuidado com a língua e a linguagem

Padre João Medeiros Filho

A sabedoria popular transmitida por nossos antepassados é rica em axiomas e aforismos, dentre eles: “Palavras ditas nem Deus as tira.” Muitos leram o Pequeno Príncipe, de Exupéry, no qual está escrito: “a linguagem é uma fonte de mal entendidos.” Percebe-se que a humanidade está cansada de tantos desacertos e vem apresentando repulsa aos radicalismos, inverdades e injustiças sociais. Necessita aprender a usar melhor a língua (não apenas o idioma) e a linguagem. Não seria honesto generalizar, pois muitos sabem cuidar daquilo que dizem e da maneira como se expressam. Infelizmente, verifica-se que discórdias, separações e até homicídios advêm de uma comunicação inadequada ou incapacidade de dialogar honestamente. Isto requer saber ouvir e falar com humildade, assim como não desejar ser o centro das atenções e senhor de toda verdade. Vive-se numa sociedade que fomenta um monólogo nocivo, o qual leva forçosamente à imposição, intransigência, empáfia e, não raro, à violência verbal ou física. A conciliação desaparece paulatinamente do cotidiano dos cidadãos.

É gratificante ver pessoas que sabem desenvolver a arte do diálogo edificante. Aprenderam a construir pontes e não muros. As redes sociais “democratizaram” a veiculação das ideias, mas permitem a proliferação de palavras impróprias usadas por incautos, verdadeiras armas deletérias. Vários se acham no direito de opinar sobre tudo e todos, criando ainda mais a cizânia na sociedade. Vale citar o apóstolo Tiago: “Se alguém julga ser religioso, mas não refreia a sua língua, engana-se a si mesmo. Sua religião é vazia.” (Tg 1, 26).

Hoje, basta um termo mal empregado para originar conflitos. “Guarda tua língua do mal e tua boca da mentira”, recomenda o salmista (Sl 34/33, 14). É frequente encontrar os que agem com desonestidade intelectual. As redes sociais e a mídia têm se constituído em escolas de sofistas, onde se propagam meias verdades ou mentiras. Volta-se à Grécia de Protásio de Abdera e Górgias de Leontinos. Os sofismas dominam atualmente discursos, narrativas, decretos, sentenças etc. Quando uma autoridade profere palavras sem o bom senso e a preocupação de construir a cultura da harmonia, o dano é grande e, por vezes, irreversível. “A prática do sofisma engendra sempre insatisfação e controvérsias, acarretando consequências imprevisíveis”, afirmava Tristão de Athayde.

Esse mal-estar existente nos campos religioso, social, econômico e político é percebido igualmente nos lares. Muitas tensões e contendas familiares seriam resolvidas, a partir de um diálogo sincero e respeitoso, no qual ninguém se arvore em dono da verdade. A harmonia reina, quando há o desejo de compreender melhor os problemas, tendo em vista a restauração da paz no seio da família. Passou-se da sociedade propositiva para a impositiva, caminho da ditadura. Quando alguém se acha possuidor de todas as certezas, quebra a possibilidade de diálogo. Isso gera o esgarçamento nas relações e pode chegar a uma convivência insuportável. A partir daí, infelizmente, a agressão viraliza e há quem pense ser esta a solução. “Quando cessa a força do direito, começa o direito da força”. Esta postura é bem atual.

Há momentos em que certas denominações religiosas não têm se revelado isentas do mau uso da linguagem. Quando alguns de seus líderes acham que podem dizer o que pensam – esquecendo sua missão precípua de promotores da paz e unidade – suscitam um clima de polarização ou hostilidade. Causam divisão entre aqueles que se creem seguidores de Cristo, ícone da união e fraternidade. E isso acontece, não raro, invocando-se o nome de Deus. Como Ele é usado indevidamente! Não basta ter boas intenções e seguir as correntes ideológicas dominantes ou em moda. É preciso cuidado com aquilo que se transmite. Urge crescer na arte do diálogo, saber discernir os fatos e procurar perceber o que destoa da verdade ensinada pelo Mestre. É fundamental construir uma cultura de paz, a partir da misericórdia revelada por Cristo, o Caminho que todos devem percorrer. “Não podemos ser como crianças, levados por todo tipo de doutrina, ludibriados por alguns espertos e por eles com astúcia induzidos ao erro”, advertiu o apóstolo Paulo (Ef 4, 14).

 

  • IVO VIVE A POESIA
    Diogenes da Cunha Lima
    A poesia é verdadeiramente traduzida quando a linguagem
    atinge o grau de excelência. Ivo Barroso consagra a tese de que
    um grande poeta pode traduzir poesia. Ele traduz a nobreza
    intelectual de expressão saxônica e neolatina. Rimbaud, André
    Malraux, Gabriela Mistral, Montale, T. S. Eliot, Shakespeare e
    Hermann Hesse, entre outros, vestem a pele de Ivo.
    A Inteligência Artificial (I.A.) gera traduções por
    computadores. Nunca será capaz de traduzir emoção. Ainda que
    toda tradução seja sistêmica, afeita por I.A. será sempre algo
    insosso. A condução humana é imprescindível. Gaston Bachelard
    define: “Deve-se reconhecer que a poesia é um compromisso da
    alma. Nos poemas manifestam-se forças que não passam pelos
    círculos de um saber”.
    O poeta Ivo Barroso é um caçador de palavras. Dispara tiros
    certeiros. Acerta a palavra exata. Tem o domínio das línguas
    trabalhadas, seus detalhes, do mais despercebido significado até às
    sonoridades especiais. Apesar de ser um clássico, ele pertence à
    vanguarda artística. E não descura das novas tecnologias, porque
    sabe que “O Poeta não escreve. Sua escrita por mais breve ele
    digita”.
    Estimulando vocações intelectuais, notadamente de
    tradutores de Natal, Ivo Barroso aplaudiu as traduções de Luiz
    Carlos Guimarães e Nelson Patriota. Convidado a participar da
    Feira de Livros de Frankfurt, pedi a Nelson que traduzisse o meu
    livro “Flores que Encantam o Brasil”, inspirado na beleza das
  • fotografias de minha filha Leila. Encantou-me o trabalho. Nascera
    uma nova poética. Por justiça, são três os autores do “Charming
    Flowers of Brazil”.
    Ivo vive, desde os sete anos, a poesia, com versos cheios de
    rios, sois, savanas. Ele continua jovem, mas faz previsão de um céu
    dos velhos: “algodões de nuvens doces ou salgadas que se
    desfazem no céu da boca, colchões de nimbus que se amoldam à
    lembrança do corpo, nádegas de cúmulos alimentando a nostalgia
    do sexo”.
    Um literato de fama ironizou-me um dia dizendo que eu dava
    honra dos altares a esse meu ícone. Notei a tristeza da inveja e
    desviei a conversa para Dante Alighieri. Na Divina Comédia” o
    castigo dos invejosos era no purgatório, ter as pálpebras costuradas
    com arame. Certas línguas também devem ser costuradas. Lembro
    ainda São Tomás de Aquino para quem a inveja é a tristeza pela
    felicidade dos outros.
    Ivo Barroso é um homem feliz por dedicar a sua vida ao que
    ama, a ser fiel a si mesmo e a viver a poesia em plenitude.