terça-feira, 11 de maio de 2021

 

O cuidado com a língua e a linguagem

Padre João Medeiros Filho

A sabedoria popular transmitida por nossos antepassados é rica em axiomas e aforismos, dentre eles: “Palavras ditas nem Deus as tira.” Muitos leram o Pequeno Príncipe, de Exupéry, no qual está escrito: “a linguagem é uma fonte de mal entendidos.” Percebe-se que a humanidade está cansada de tantos desacertos e vem apresentando repulsa aos radicalismos, inverdades e injustiças sociais. Necessita aprender a usar melhor a língua (não apenas o idioma) e a linguagem. Não seria honesto generalizar, pois muitos sabem cuidar daquilo que dizem e da maneira como se expressam. Infelizmente, verifica-se que discórdias, separações e até homicídios advêm de uma comunicação inadequada ou incapacidade de dialogar honestamente. Isto requer saber ouvir e falar com humildade, assim como não desejar ser o centro das atenções e senhor de toda verdade. Vive-se numa sociedade que fomenta um monólogo nocivo, o qual leva forçosamente à imposição, intransigência, empáfia e, não raro, à violência verbal ou física. A conciliação desaparece paulatinamente do cotidiano dos cidadãos.

É gratificante ver pessoas que sabem desenvolver a arte do diálogo edificante. Aprenderam a construir pontes e não muros. As redes sociais “democratizaram” a veiculação das ideias, mas permitem a proliferação de palavras impróprias usadas por incautos, verdadeiras armas deletérias. Vários se acham no direito de opinar sobre tudo e todos, criando ainda mais a cizânia na sociedade. Vale citar o apóstolo Tiago: “Se alguém julga ser religioso, mas não refreia a sua língua, engana-se a si mesmo. Sua religião é vazia.” (Tg 1, 26).

Hoje, basta um termo mal empregado para originar conflitos. “Guarda tua língua do mal e tua boca da mentira”, recomenda o salmista (Sl 34/33, 14). É frequente encontrar os que agem com desonestidade intelectual. As redes sociais e a mídia têm se constituído em escolas de sofistas, onde se propagam meias verdades ou mentiras. Volta-se à Grécia de Protásio de Abdera e Górgias de Leontinos. Os sofismas dominam atualmente discursos, narrativas, decretos, sentenças etc. Quando uma autoridade profere palavras sem o bom senso e a preocupação de construir a cultura da harmonia, o dano é grande e, por vezes, irreversível. “A prática do sofisma engendra sempre insatisfação e controvérsias, acarretando consequências imprevisíveis”, afirmava Tristão de Athayde.

Esse mal-estar existente nos campos religioso, social, econômico e político é percebido igualmente nos lares. Muitas tensões e contendas familiares seriam resolvidas, a partir de um diálogo sincero e respeitoso, no qual ninguém se arvore em dono da verdade. A harmonia reina, quando há o desejo de compreender melhor os problemas, tendo em vista a restauração da paz no seio da família. Passou-se da sociedade propositiva para a impositiva, caminho da ditadura. Quando alguém se acha possuidor de todas as certezas, quebra a possibilidade de diálogo. Isso gera o esgarçamento nas relações e pode chegar a uma convivência insuportável. A partir daí, infelizmente, a agressão viraliza e há quem pense ser esta a solução. “Quando cessa a força do direito, começa o direito da força”. Esta postura é bem atual.

Há momentos em que certas denominações religiosas não têm se revelado isentas do mau uso da linguagem. Quando alguns de seus líderes acham que podem dizer o que pensam – esquecendo sua missão precípua de promotores da paz e unidade – suscitam um clima de polarização ou hostilidade. Causam divisão entre aqueles que se creem seguidores de Cristo, ícone da união e fraternidade. E isso acontece, não raro, invocando-se o nome de Deus. Como Ele é usado indevidamente! Não basta ter boas intenções e seguir as correntes ideológicas dominantes ou em moda. É preciso cuidado com aquilo que se transmite. Urge crescer na arte do diálogo, saber discernir os fatos e procurar perceber o que destoa da verdade ensinada pelo Mestre. É fundamental construir uma cultura de paz, a partir da misericórdia revelada por Cristo, o Caminho que todos devem percorrer. “Não podemos ser como crianças, levados por todo tipo de doutrina, ludibriados por alguns espertos e por eles com astúcia induzidos ao erro”, advertiu o apóstolo Paulo (Ef 4, 14).

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